Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, "Neuza Machado 1", "Neuza Machado 2" e "Neuza Machado - Letras".

segunda-feira, 5 de março de 2012

UM PRECIOSO TEXTO DE MÁRIO QUINTANA: O NARIZ COLETIVO

NEUZA MACHADO


UM PRECIOSO TEXTO DE MÁRIO QUINTANA: O NARIZ COLETIVO

NEUZA MACHADO


Os poetas e os pintores costumam enxergar além das formas convencionais dos retratos...

No post de hoje, peço aos meus leitores habituais, e aos que aportarem por aqui de passagem, que leiam este texto de Mário Quintana e que repensem a incomum sutileza crítico-literária do inesquecível poeta gaúcho.

(Aproveitem também para repensarem a pintura de Pablo Picasso e o título que procura traduzir a figura de seu belíssimo quadro: MULHER COM LEQUE).


O NARIZ COLETIVO

Mário Quintana

Nada mais deprimente do que esses retratos de família em que todos têm o mesmo nariz (será postiço?) e onde todas aquelas caras parece que estão pensando: “Mas como somos iguais, como somos animais!”

Não há de ser nada. Há um anonimato ainda mais sutil e mais grave. Quando folheamos revistas antigas, espanta-nos que todas aquelas pessoas que aparecem nas fotografias tivessem a mesma expressão. Vai ver que todos pensavam igual! Era a cara da época. Era a cara de fora. Ninguém tinha a cara de dentro. “Também seremos assim”? – indagas agora na maior frustração. Pergunta supérflua. Devias inquirir: “Serei assim”? E trata, antes, de substituir a tua cara coletiva por uma fisionomia própria. Depois, conversaremos.

Há outras conotações, como hoje se diz. Por exemplo: nos Estados totalitários todas as pessoas têm a mesma cara. A grande manada. O rebanho único. E se acaso aparece um bicho diferente, a solução é simples: caça-se.

quinta-feira, 1 de março de 2012

SONHOS DILATADOS E BEM LEMBRADOS: O ELEVADOR PANORÂMICO E A CIDADE NO TOPO DA MONTANHA - 9

NEUZA MACHADO


SONHOS DILATADOS E BEM LEMBRADOS: O ELEVADOR PANORÂMICO E A CIDADE NO TOPO DA MONTANHA - 9

NEUZA MACHADO


No auge de minha Segunda Idade (dos meus trinta anos em diante), eu costumava sonhar com estradas de montanhas (sempre, subindo-as), escadas problemáticas (sempre para o alto) e, por diversas vezes, com elevadores panorâmicos (sempre em ascensão). Nesses sonhos (todos com trajetórias difíceis), não me lembro das descidas. Acordava antes dos fatais desenlaces.

Minha filha Ana Lucia costumava a admoestar-me, dizendo-me que, durante os tais sonhos, inconscientemente, eu os manipulava, para não me ver caindo ou descendo (o que seria uma espécie de perda em relação ao meu desejo de vencer os obstáculos vivenciais). Ainda penso que minha filha tinha razão! No entanto, hoje, sei que os sonhos de quedas e descidas não são sinônimos de danos existenciais, ao contrário, poderão revelar mudanças saudáveis na vida do sonhador. Segundo Gaston Bachelard, algumas descidas em sonhos não são retrocesso (descer ladeira em sonhos é um sinal de que os terríveis problemas da subida foram vencidos), pois, apresentando-se tranquilas, poderão revelar o bem-estar existencial-monetário daquele que sonha.

E, por estas e outras, buscarei lembrar-me de um interessante sonho, cujo fantástico enredo foi sonambulado por mim lá por volta dos meus trinta e poucos anos.

Nesse sonho, como sempre disse em relação aos anteriores, não me recordo dos movimentos iniciais. Assim, começarei explicando que estava a andar pelas calçadas de uma grande cidade (uma Metrópole, talvez a cidade do Rio de Janeiro), quando me percebi a entrar na portaria de um alto edifício (coloque aí em sua mente, meu Leitor!, uns dez andares!). Aproximei-me do porteiro a pedir-lhe uma informação. Acredito que eu estava a procurar o apartamento de alguma pessoa conhecida, ou por um outro motivo qualquer que não me lembro. O saguão de entrada do edifício, onde se localizavam os elevadores (muitas portas), era amplo, revestido por um enorme tapete negro-brilhante onde se viam fantásticos arabescos de ramificações de flores douradas. As altas paredes eram lisas e claras, de uma certa parte para cima, pois na parte de baixo das mesmas (um metro e meio mais ou menos) apresentava uma barra chapiscada cuja cor se ia em gradações, de baixo para cima, do amarelo, passando pela cor de ouro velho, até a uma cor semelhante ao vermelho-grená (este foi um trecho muito nítido do sonho, visto que lembro-me dele com exatidão). O porteiro (de aparência européia), atencioso, posicionado do lado de fora de sua cabine de atendimento, de pé, uniformizado (uniforme e quepe de cor caqui, contrastando com a cor negra do tapete), deu-me a informação solicitada, apontando-me a porta de um dos elevadores.

Caminhei por aquele amplo recinto e, não sei explicar-lhe a mudança de ação do sonho, pois me vi perdida diante de tantas portas à minha disposição. Andava à direita e à esquerda do amplo corredor, circulando-o quase em desatino, olhando as ditas portas das cabinas móveis sem me atrever a entrar em uma delas. Não vi mais o porteiro, mas muitas pessoas entravam e saíam daqueles apertados e sobrecarregados quartinhos moventes.

Em um certo momento, pedi uma nova orientação a um determinado transeunte, entre os muitos (homens e mulheres em movimentos de ida e vinda) que saíam daquelas altíssimas e fantásticas portas (as paredes do saguão eram altas e as portas dos elevadores também, proporcionais à aparência interna do saguão). O homem (com uma vestimenta própria de funcionário público) mostrou-me uma porta diferente das outras, mais simples, sem nenhuma ostentação, e esta ficava próxima à entrada do saguão (ainda do lado de dentro), do lado esquerdo de quem entra. Olhei aquela porta de elevador, tão diferente das demais, tão sem glamour!, com pouco ânimo, com uma espécie de receio (o saguão era tão pomposo que, mesmo no sonho, eu não podia acreditar em minha visão: a aparência da dita porta, apresentada pelo passageiro segundo informante, contrastava com a opulência do hall do edifício). Calcei-me de coragem e entrei no dito elevador.

Passarei a relatar-lhe o interior do elevador. Quando entrei, deparei-me com um recinto sem paredes (uma espécie de estrado quadrado, largo, apresentando em cada canto uma baixa pilastra, onde se viam algumas camadas de grossas cordas de fios de metal retorcidos a unir as quatro pequenas pilastras). Vale lembrar que o tablado-cabina ainda estava dentro das paredes por onde passam os comuns cabos de elevadores. Ainda bastante desconfiada, percebi um rústico banco de madeira na parte frontal à entrada e sentei-me nele, esperando o iniciar da subida. Um homem entrou e ficou ali, de pé, de lado, sem sentar-se no dito único banco, olhando-me fixamente. Para desanuviar o ambiente, perguntei-lhe algo, talvez, qualquer informação sobre o que eu estava a procurar naquele edifício. Respondeu-me gentilmente, dizendo-me também que o elevador iria demorar um pouco a subir, pois ainda não estava devidamente lotado. Agradeci-lhe a informação e esperei pacientemente acuada dentro daquele recinto fechado (lembre-se que o tablado-elevador se encontrava estacionado dentro da guarita). Não sei como, o homem desapareceu de meu ângulo de visão, não o vi mais. Um certo tempo do sonho passou e as pessoas esperadas não entraram.

De repente, um movimento brusco! A parede da porta de entrada do elevador desapareceu e o tablado-elevador saiu velozmente contornando o edifício, pelo lado esquerdo do ponto de minha visão. O tablado-elevador se transformou em uma espécie de trem-elevador (desses de parques de diversão, mas ainda um tablado, com as mesmas formas iniciais). Fiquei abismada em meu próprio sonho! No decorrer daquela impetuosa subida, percebi que a construção do grandioso edifício citadino estava ligada a uma alta montanha. A nova paisagem só foi-me apresentada no sonho no suceder dos acontecimentos da elevação da cabina panorâmica. E em velocidade anormal, o tablado-elevador subia em ziguezague a o lado montanhoso do edifício, contornando-o. Por meio de minha renovada perspectiva, apreciei o espetáculo a mim oferecido nesse estranhíssimo sonho. O passeio de elevador panorâmico, morro acima, mesmo em movimento rápido, permitiu-me apreciar uma larga extensão de terra, onde matinhos rasteiros e florezinhas coloridas enfeitavam o ambiente.

Tenho plena consciência de haver regalado-me durante o sonho com aquela extraordinária paisagem. Entretanto, movimentos de olhos depois, o elevador parou, alguns andares acima, e eu saí por uma porta que dava para um largo corredor. Nas laterais desse largo corredor viam-se outras portas, enfileiradas, denunciando as entradas de inúmeros apartamentos residenciais, além de entradas para diversas lojas comerciais com suas vitrines iluminadas. Procurando explicar-lhe o sonho, o corredor, situado nos andares superiores do edifício, mais parecia um Shopping americano misturado a comuns apartamentos de moradia. Enquanto eu procurava o tal endereço do início do sonho, eu via algumas pessoas andando no largo corredor iluminado, outras a conversar, sentadas em bancos estrategicamente dispostos no recinto, crianças brincando sob os olhares vigilantes das mães, etc. Continuei a regalar-me com o aspecto interno do edifício e a procurar o tal endereço. Como não encontrei o que procurava, busquei a porta de um outro elevador.

De repente, uma nova surpresa. Entrei no mesmíssimo tablado-elevador (exatamente o mesmo) e continuei nele, a subir em ziguezague, contornando o edifício pelo lado esquerdo, subindo em elevador panorâmico a encosta da montanha, apreciando a anterior paisagem (terra, vegetação rasteira e flores coloridas revestindo o lado visível da montanha). Ainda tinha plena consciência (mesmo sonhando) do edifício ligado à montanha pela parte dos fundos (não logrei apreciar a paisagem do lado direito do sonho, pelo meu ponto de vista, pois o arcabouço do alto edifício não permitia o estender de minha visão).

Quase finalizando o sonho, saí do elevador em ascensão (já era um elevador normal) em uma simples portaria de uma edificação térrea (pelo lado do topo da montanha), em um local menos ostentoso. A entrada-saída da rudimentar construção localizava-se no topo do luxuoso edifício-montanha, entretanto o porteiro que me saudou já não se assemelhava ao mesmo de antes (usava um vestuário comum).

Saí do recinto (térreo, não se esqueça!) e deparei-me com a movimentação de uma cidadezinha normal (ou um bairro, não posso precisar) e esta se localizava no alto da dita montanha. Era um lugar simples e acolhedor. Carros circulavam pela rua e tranquilas pessoas andavam nas calçadas laterais (totalmente diferentes daquelas pessoas apressadas do início do sonho). Lembro-me de ter visto trilhos de bonde na rua (mas não nenhum bonde trafegando),

Já postada do lado de fora do alto edifício-montanha, avistei do outro lado da rua, bem em frente ao meu ponto de visão, uma padaria-confeitaria com suas amplas portas escancaradas. Mesmo do outro lado da rua, eu via as vitrines iluminadas (as montras) exibindo uma variedade incrível de pães e doces e bombons, todos estimulando o meu paladar. Atravessei a rua, entrei na padaria-confeitaria e comprei alguma iguaria deliciosa. Lembro-me perfeitamente da compra e do pagamento. O vendeiro envolveu os pães e os doces em um papel cinza e os entregou-me acomodados em um embrulho amarrado com barbante. Coloquei o embrulho daquelas finas iguarias em uma espaçosa bolsa (que já estava comigo desde o início do sonho) e saí da Confeitaria, repleta de contentamento e dinamismo, já esquecida de ter iniciado o sonho a procurar um determinado endereço, ou alguém, ou alguma coisa inexplicável.

Ao final do sonho, eu me vi caminhando na calçada da Padaria-Confeitaria (ainda no topo do edifício-montanha) a procurar um táxi (automóvel de aluguel), esforçando-me por retornar ao caminho de minha casa.

Não desci a rua (visualizada da parte mais elevada). Acordei antes de achar o táxi, desejosa de nele viajar ricamente e confortavelmente ladeira abaixo. Os muitos sonhos de elevação, no decorrer de minha vida, não me ofereceram riquezas monetárias. Continuo subindo arduamente as montanhas cotidianas, carregando pesadas pedras, enfrentando forças contrárias, recebendo salários ínfimos, equilibrando-me, para recompor-me dos violentos puxões em meu tapete voador. Entretanto, posso afirmar-lhe que esses estranhíssimos sonhos, quase todos recorrentes, ofereceram-me um outro tipo de riqueza, valiosíssima!, que, infelizmente!, neste mundo globalizado, poucos privilegiados alcançam. Mesmo com o bolso do jaleco de trabalho diário vazio, continuo uma pessoa de muita sorte benfazeja (desde aquele primeiro sonho dos sete anos de idade, da ponte de tronco de braúna sobre o largo rio, a ligar a minha casinha do interior de Minas Gerais à grande Cidade). Também, continuo a apreciar meus noturnos sonhos de grandeza (só sei sonhar em amplitude!, sim senhor!), sem medo de ser feliz, sem receio das críticas desabonadoras!