A MÁGICA PRAÇA DE UM LUGAR DIVINO
NEUZA MACHADO
Divino, 09/02/2003
A pracinha é a da Cidade de minhas raízes. Estou esperando o ônibus que me levará de volta ao Rio de Janeiro. Rimas à parte, hoje a Cidade está magicamente iluminada pelo sol de fevereiro. Um Domingo ensolarado de fevereiro. As imagens da televisão da Rodoviária não param de mostrar os encantos do Havaí [a voz do locutor de um programa que repete um esporte de americanos, o surfe, sacode a solidão de um Domingo no interior]. Um homem passa pedindo dinheiro. O senhor de chapéu de palhinha não lhe deu dinheiro [“— Não vou lhe dar dinheiro pra comprar cachaça, não senhor!”]. O deserdado da boa sorte no mundo não desistiu de ganhar seu dinheirinho. Um pouco trôpego, aproxima-se de mim [“— Dona, me dá um trocadinho pra comprar um pão!”]. Digo-lhe que não tenho trocado, mas acabo sacudindo a bolsinha e dando-lhe vinte e cinco centavos. A colaboração é pequena, porque sei que é para comprar cachaça. Ele avalia a pratinha de vinte e cinco centavos [“— Deus que ajude a senhora!”]. Reconheço que a colaboração é pequena, um real não iria fazer-me falta [mesmo sabendo que é para a cachaça]. [“–—Deus que ajude a senhora!”]. Deus há de ajudar-me! Preciso muito da ajuda de Deus. Não sei o que me reserva o futuro.
Estou sentada no grande banco da Estação Rodoviária. Alguns motociclistas passam; jovens casais passeiam de braços dados em volta da Praça. Duas moças estão sentadas ao meu lado. Já saborearam seus deliciosos sorvetes de fabricação caseira e esperam também um ônibus.
Cheguei cedo à Rodoviária da Iluminada Cidadezinha. Algumas moças descem a ladeira que circunda a Igreja da Cidade, dirigindo velozes motocicletas. Neste exato momento, outras duas moças passam de motocicleta, alegres, felizes, usando reduzidos shorts, à moda das garotas do Rio de Janeiro. Com certeza, são de lá, e estão aqui em férias. Não acredito que elas sejam daqui, mesmo sabendo que a minha Cidade de Minas, interiorana, luta para alcançar as benesses do progresso do século XXI. Tenho plena consciência de que os jovens divinenses lutam para se modernizarem, contrariando as severas tradições, em um grave momento de pós-modernidade. Estão vivendo um impasse. As leis antigas do lugar ainda permanecem sob as cinzas da Era Moderna e os grupos progressistas já caminham para a Pós-Modernidade. As últimas Idades do Mundo se entrelaçam ante os meus olhos deslumbrados, neste preciso momento, e nesta tão amada Cidade do interior de Minas Gerais. O meu amor por esta Cidade não possui limites. As pessoas que estão à minha volta, por enquanto, não têm conhecimento deste meu grande afeto por elas e pela Cidade que as abriga.
O homem voltou. Já bebeu a sua cachaça e quer pedir-me mais dinheiro. Mal abre a boca para pedir-me e eu respondo-lhe condoída, penalizada de sua triste sorte: “— Já lhe dei dinheiro!” Ele sai cambaleando. Coitadinho! Ou será que a coitada sou eu? Até este momento, repleta de responsabilidades diárias, mal tendo tempo para apreciar as últimas maravilhas do Mundo. Agora, tenho! Estou sentada em um grande banco da Rodoviária, diante de uma encantadora Praça do interior de Minas Gerais, repleta de sonhos e esperanças, apreciando as diversas Eras do Mundo a entrelaçarem-se ante os meus olhos deslumbrados.
Os habitantes do lugar olham-me curiosos. Desconfiam que partilho com eles o conhecimento de seus mágicos e antigos segredos. Mesmo que a minha aparência seja diferente, de quem mora há anos em uma Cidade Grande, eles sabem que a minha massa corpórea é oriunda da matéria mítica deste pequeno lugar. É verdade! O lugar é pequeno, mágico, aconchegante, mas o brilho de sua aura é imensurável. Aprecio a movimentação ao meu redor. Com certeza, pelo menos alguns dos que estão aqui, olhando-me, são meus parentes de sangue [e eu ainda não os conheço!].
O sorveteiro aproxima-se. Ele sabe que vou comprar-lhe um sorvete. Peço-lhe um sorvete de milho verde, para metaforicamente saborear o gosto de minhas origens meio divinas. Agora, ele conversa com as duas moças que estão sentadas ao meu lado. Uma delas está rindo, feliz, conversando com o sorveteiro. Ele pergunta-lhe de onde ela é, onde ela mora. Com certeza, ela mora nos arredores, em uma das centenárias grandes Fazendas de café da região.
A minha presença na Rodoviária é como se fosse algo insólito para os habitantes do lugar. Afinal, estou aqui, esperando o ônibus do Rio de Janeiro, olhando atentamente a movimentação do lugar, e escrevendo ininterruptamente. “O que será que ela está escrevendo?”, pensarão. Estou registrando minhas impressões mais caras. Estou intimamente recordando a minha infância, as minhas antigas e bem vividas férias passadas aqui, neste lugar. Estou de volta ao meu aconchego!
A pracinha é antiga. Desde que me entendo por gente, conheço esta pracinha. As árvores são as mesmas de minha infância? Penso que são! São pés de Ficus, plantados há muito tempo, erguendo-se majestosos no pequeno quadrado a eles destinados. No momento, algumas pessoas estão voltando da Igreja. Assistiram à missa das onze, ou onze e meia, na bela Matriz Católica, construída, talvez, a partir do final do século XIX. Com certeza, ficaram por lá um pouco mais, já que, agora, são mais de treze horas.
Daqui a pouco, o meu ônibus vai chegar, levando-me para a barulheira infernal do Rio de Janeiro. Mas, a pracinha é a mesma de minha infância. Nada mudou! Aparentemente, ocorreram mudanças! Os jovens e os velhos que se sentam em seus bancos de pedra possuem os mesmos sonhos e esperanças das pessoas de meu tempo. Quantos gostariam de se aventurar também em direção à grande Metrópole do Rio de Janeiro, ou outra grande Cidade do Brasil. Muitos vão... Mas voltam. Não estão preparados para viver nas Grandes Cidades. São poucos os que ousam enfrentar as drásticas mudanças impostas pelas engrenagens do progresso. Voltar às vezes poderá ser a conseqüência de uma inadequação. É gratificante voltar, mas que seja uma volta aureolada. Não vale a pena voltar para ser motivo de constrangimento. Os que saem e são derrotados pela Cidade Grande, quando voltam, percebem na própria alma a frustração sentida por aqueles que não conseguiram alcançar suas metas.
A praça está animada. Os que estão à minha volta perscrutam sobre o motivo de minha presença. Será que sou um deles?, pensarão. Mas, plagiando o grande escritor Guimarães, “aqui em Minas, sou mineira!” As crianças brincam. Um ônibus se aproxima. Será o ônibus do Rio de Janeiro? Não é. As duas moças embarcam nele, distanciando-se de minhas íntimas elucubrações. Estou escrevendo para passar o tempo à espera do ônibus interestadual. Que momento supremo para quem convive com a correria do Rio de Janeiro. Para mim, especialmente, que momento indescritível! Se houver outras oportunidades, vou continuar a escrever sobre as maravilhas desta Cidade divina, neste mesmo banco desta pequena e agradável Estação Rodoviária.
Pretendo voltar sempre. Meus conterrâneos vão acabar se acostumando. Mas, estão todos curiosos. Uma senhora passa usando um elegante bermudão jeans. Que bela novidade! Há uns anos atrás, com certeza, não seria bem considerada por usar bermudão. Agora, já é permitido. Minha Cidade já está mais tolerante.
Mas, a Cidade continua mágica...
NEUZA MACHADO
Divino, 09/02/2003
A pracinha é a da Cidade de minhas raízes. Estou esperando o ônibus que me levará de volta ao Rio de Janeiro. Rimas à parte, hoje a Cidade está magicamente iluminada pelo sol de fevereiro. Um Domingo ensolarado de fevereiro. As imagens da televisão da Rodoviária não param de mostrar os encantos do Havaí [a voz do locutor de um programa que repete um esporte de americanos, o surfe, sacode a solidão de um Domingo no interior]. Um homem passa pedindo dinheiro. O senhor de chapéu de palhinha não lhe deu dinheiro [“— Não vou lhe dar dinheiro pra comprar cachaça, não senhor!”]. O deserdado da boa sorte no mundo não desistiu de ganhar seu dinheirinho. Um pouco trôpego, aproxima-se de mim [“— Dona, me dá um trocadinho pra comprar um pão!”]. Digo-lhe que não tenho trocado, mas acabo sacudindo a bolsinha e dando-lhe vinte e cinco centavos. A colaboração é pequena, porque sei que é para comprar cachaça. Ele avalia a pratinha de vinte e cinco centavos [“— Deus que ajude a senhora!”]. Reconheço que a colaboração é pequena, um real não iria fazer-me falta [mesmo sabendo que é para a cachaça]. [“–—Deus que ajude a senhora!”]. Deus há de ajudar-me! Preciso muito da ajuda de Deus. Não sei o que me reserva o futuro.
Estou sentada no grande banco da Estação Rodoviária. Alguns motociclistas passam; jovens casais passeiam de braços dados em volta da Praça. Duas moças estão sentadas ao meu lado. Já saborearam seus deliciosos sorvetes de fabricação caseira e esperam também um ônibus.
Cheguei cedo à Rodoviária da Iluminada Cidadezinha. Algumas moças descem a ladeira que circunda a Igreja da Cidade, dirigindo velozes motocicletas. Neste exato momento, outras duas moças passam de motocicleta, alegres, felizes, usando reduzidos shorts, à moda das garotas do Rio de Janeiro. Com certeza, são de lá, e estão aqui em férias. Não acredito que elas sejam daqui, mesmo sabendo que a minha Cidade de Minas, interiorana, luta para alcançar as benesses do progresso do século XXI. Tenho plena consciência de que os jovens divinenses lutam para se modernizarem, contrariando as severas tradições, em um grave momento de pós-modernidade. Estão vivendo um impasse. As leis antigas do lugar ainda permanecem sob as cinzas da Era Moderna e os grupos progressistas já caminham para a Pós-Modernidade. As últimas Idades do Mundo se entrelaçam ante os meus olhos deslumbrados, neste preciso momento, e nesta tão amada Cidade do interior de Minas Gerais. O meu amor por esta Cidade não possui limites. As pessoas que estão à minha volta, por enquanto, não têm conhecimento deste meu grande afeto por elas e pela Cidade que as abriga.
O homem voltou. Já bebeu a sua cachaça e quer pedir-me mais dinheiro. Mal abre a boca para pedir-me e eu respondo-lhe condoída, penalizada de sua triste sorte: “— Já lhe dei dinheiro!” Ele sai cambaleando. Coitadinho! Ou será que a coitada sou eu? Até este momento, repleta de responsabilidades diárias, mal tendo tempo para apreciar as últimas maravilhas do Mundo. Agora, tenho! Estou sentada em um grande banco da Rodoviária, diante de uma encantadora Praça do interior de Minas Gerais, repleta de sonhos e esperanças, apreciando as diversas Eras do Mundo a entrelaçarem-se ante os meus olhos deslumbrados.
Os habitantes do lugar olham-me curiosos. Desconfiam que partilho com eles o conhecimento de seus mágicos e antigos segredos. Mesmo que a minha aparência seja diferente, de quem mora há anos em uma Cidade Grande, eles sabem que a minha massa corpórea é oriunda da matéria mítica deste pequeno lugar. É verdade! O lugar é pequeno, mágico, aconchegante, mas o brilho de sua aura é imensurável. Aprecio a movimentação ao meu redor. Com certeza, pelo menos alguns dos que estão aqui, olhando-me, são meus parentes de sangue [e eu ainda não os conheço!].
O sorveteiro aproxima-se. Ele sabe que vou comprar-lhe um sorvete. Peço-lhe um sorvete de milho verde, para metaforicamente saborear o gosto de minhas origens meio divinas. Agora, ele conversa com as duas moças que estão sentadas ao meu lado. Uma delas está rindo, feliz, conversando com o sorveteiro. Ele pergunta-lhe de onde ela é, onde ela mora. Com certeza, ela mora nos arredores, em uma das centenárias grandes Fazendas de café da região.
A minha presença na Rodoviária é como se fosse algo insólito para os habitantes do lugar. Afinal, estou aqui, esperando o ônibus do Rio de Janeiro, olhando atentamente a movimentação do lugar, e escrevendo ininterruptamente. “O que será que ela está escrevendo?”, pensarão. Estou registrando minhas impressões mais caras. Estou intimamente recordando a minha infância, as minhas antigas e bem vividas férias passadas aqui, neste lugar. Estou de volta ao meu aconchego!
A pracinha é antiga. Desde que me entendo por gente, conheço esta pracinha. As árvores são as mesmas de minha infância? Penso que são! São pés de Ficus, plantados há muito tempo, erguendo-se majestosos no pequeno quadrado a eles destinados. No momento, algumas pessoas estão voltando da Igreja. Assistiram à missa das onze, ou onze e meia, na bela Matriz Católica, construída, talvez, a partir do final do século XIX. Com certeza, ficaram por lá um pouco mais, já que, agora, são mais de treze horas.
Daqui a pouco, o meu ônibus vai chegar, levando-me para a barulheira infernal do Rio de Janeiro. Mas, a pracinha é a mesma de minha infância. Nada mudou! Aparentemente, ocorreram mudanças! Os jovens e os velhos que se sentam em seus bancos de pedra possuem os mesmos sonhos e esperanças das pessoas de meu tempo. Quantos gostariam de se aventurar também em direção à grande Metrópole do Rio de Janeiro, ou outra grande Cidade do Brasil. Muitos vão... Mas voltam. Não estão preparados para viver nas Grandes Cidades. São poucos os que ousam enfrentar as drásticas mudanças impostas pelas engrenagens do progresso. Voltar às vezes poderá ser a conseqüência de uma inadequação. É gratificante voltar, mas que seja uma volta aureolada. Não vale a pena voltar para ser motivo de constrangimento. Os que saem e são derrotados pela Cidade Grande, quando voltam, percebem na própria alma a frustração sentida por aqueles que não conseguiram alcançar suas metas.
A praça está animada. Os que estão à minha volta perscrutam sobre o motivo de minha presença. Será que sou um deles?, pensarão. Mas, plagiando o grande escritor Guimarães, “aqui em Minas, sou mineira!” As crianças brincam. Um ônibus se aproxima. Será o ônibus do Rio de Janeiro? Não é. As duas moças embarcam nele, distanciando-se de minhas íntimas elucubrações. Estou escrevendo para passar o tempo à espera do ônibus interestadual. Que momento supremo para quem convive com a correria do Rio de Janeiro. Para mim, especialmente, que momento indescritível! Se houver outras oportunidades, vou continuar a escrever sobre as maravilhas desta Cidade divina, neste mesmo banco desta pequena e agradável Estação Rodoviária.
Pretendo voltar sempre. Meus conterrâneos vão acabar se acostumando. Mas, estão todos curiosos. Uma senhora passa usando um elegante bermudão jeans. Que bela novidade! Há uns anos atrás, com certeza, não seria bem considerada por usar bermudão. Agora, já é permitido. Minha Cidade já está mais tolerante.
Mas, a Cidade continua mágica...