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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XVII

NEUZA MACHADO




ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO SÉTIMO CANTO



mas, quomodo ia contando, em janeiro do Anno de 1996, depois de uma loooooooonga viagem de avião, voando pelos Céus do Brasil numa confortável poltrona da Primeira Classe, lanchando e almoçando no avião, sendo servida por aeromoços solícitos; eles morrem de medo de avião, medo do avião despencar do Céu do Brasil Maioral e cair na Matta Tropical-Equatorial, se isto acontecer, por Tupã!, não haverá salvação!, todos os passageiros morrerão!; as anacondas engolirão os sobreviventes, se por acaso houver sobreviventes, se o avião cair na Floresta Maioral; as piranhas comerão os cadáveres, se o avião cair no Rio Negro ou então no Solimões ou então no Rio da Morte; os índios antropófagos comerão os cadáveres, se o avião cair numa Taba indígena antropófaga; a Taba é a aldeia dos índios, sejam eles antropófagos ou não; é a Polis dos índios, et cœtera e etc e tal; preste atenção a estas palavras aladas!, Vossa Mercê do Futuro Sem-Muro, talvez, ouvireis falar da existência de índios no passado distante do Brasil Varonil, os índios de hoje já estão em extinção; a cultura do índio foi prascucuias, já está quase esquecida; neste 10 de janeiro de 1999, Mercúrio Brilhante Falante e Certeiro Guia Vigia está em Capricórnio, por isto, estou relembrando janeiro do Anno de 1996 quando fui para Manaus Capital do Amazonas; Capricórnio é um signo muito sério e sabe trabalhar para o Futuro-Sem-Muro e sabe, quomo ninguém, dramatizar o Passado Enrolado; por isto este trecho da viagem pertence ao passado; Mercúrio está brilhando em Capricórnio, nesse janeiro de 1996, nesse passado recente que aconteceu anteontem; e o avião chegou em paz no Aeroporto Eduardo Gomes, um herói brasileiro das Forças Aéreas, amanhã irei conhecer a Cidade de Manaus, a Imensa Cidade no Meio da Floresta Descomunal Tropical-Equatorial, a Longínqua Cidade Perdida na Floresta dos Vermelhos Índios Encantados Dourados; depois, em Canoa de Proa, à toa, ao acaso, irei pescar no Igarapé Mais Fermoso e Grandioso do Mundo Rotundo e Profundo, vou pescar um Grande Jaú Amazonense Circense; mas, primeiro, preciso contratar um Guia-Caboclo de Olhar Amoroso Fermoso, ele me guiará pelo rio até encontrar o Jaú Grandioso, quero pescar o maior Tambaqui Varonil existente acá; vou apreciar o Amanhecer na Grande Floresta Sem-Igual, pescar Luzentes Peixões Amazonenses, acampar no meio do Matto, tendo ao meu lado Amoroso Deiforme o meu Guia-Caboclo, o Guia-Caboclo Mais Bonito do Mundo, a um deus dos silvícolas semelhante, solto, forte e indomável, atuante, para me proteger dos perigos da noite intrigante; depois, de manhã, pescar uma Pirapitinga Milenária, uma espécie de Pacu Gigante, aquele tem olfato e come frutos silvestres; os frutos da Floresta Tropical do Brasil Varonil caem no rio e os peixes pulam fora d’água para abocanhar os tais frutos, os peixes pulam buscando comida; o rio é uma imensa cobra perigosa, silencioso, sinuoso, misterioso e lendário; o rio é cheio de cachoeiras e armadilhas terríveis, onde muitos desavisados cabocleses pereceram; é preciso viajar com cuidado, acampar com cuidado, os Incomuns Bichos da Floresta Brasileira estão soltos por lá e são ferozes demais, o rio é imenso e silencioso, os Peixes Milenares são Gigantes da Água, os Bichos Milenares enfeitam a Floresta, as Árvores Milenares vão ser derrubadas, depois, o que será da humanidade, meu Deus!, não teremos as árvores, as árvores purificam a atmosfera maltratada; por enquanto, quomodo Dite Criteriosa, por ora, viajo de Canoa Argentada pelo Rio Misterioso com meu Deiforme Mestiço Caronte Charmoso, almoço peixe com farinha de macaxeira à moda do Norte, e vou de canoa atrás dos peixões, e os peixes vão atrás de mim, pacu e matrinchã, pegando o pão em minha mão, os peixes inocentes pulando felizes na água brilhante, saltando fora d’água em busca do pão, sem medo do homem destruidor insensível; os pacus botando suas caras de peixe para fora da água, com as bocas abertas pedindo comida; os matrinchãs bailarinos comendo meu pão, e os peixes gulosos do rio disputando o pão, pão que esmigalho e jogo na água do riachão, e é um espetáculo tão lindo, de rara beleza, esses peixinhos do rio parecem gatinhos fofinhos, pulando felizes para pegarem o meu pão; os patos selvagens aparecem também, e eu vou, aos poucos, descobrindo o Desconhecido Brasil Varonil, sem medo de jacarés, piranhas e sucuris; sem medo, Godofredo!, de ser deveras feliz!; mas, tranqüilize-se!, eu não vou mexer com os jacarés das turvas águas do Brasil Varonil, não senhor!, o bote do jacaré de má-fé é mortal, meu amor!; Deus me livre, não quero ser comida de predador, não quero ser comida per predador, não senhor!, quero é pescar pirarara, sim senhor!, um pirarara de vinte e cinco quilos, minha Nossa Senhora!, depois, vou jogá-lo no rio outra vez, no rio desconhecido com milhares e milhares de peixes desconhecidos; no dia seguinte, quero apreciar o Sol Apolíneo Grandioso HiperAmazonense com seus raios bellíssimos; quero conversar com Tupã, o deus da Floresta Tropical-Equatorial, tão forte e poderoso quanto qualquer outro deus da mitologia pagã; deixarei para trás os deuses do Olimpo Greco-Romano e de outras Culturas Antigas!; o nosso índio inocente cultuava Tupã, e o homem branco do Mundo Rotundo chegou e adonou-se da Aldeia do Índio, para destruir sua crença, destruir a crença e destruir o índio, agora, são poucos os habitantes da Floresta Sem-Festa; quero conversar com Tupã Magnífico no Silêncio da Matta, pedir a sua proteção para as tribos restantes; óh! Tupã!, óh! Tuuu-Pã!, não deixe o índio desaparecer da face da Terra!, afaste, Tupã!, o homem branco malvado das Tabas dos Índios Mestiços!; depois da conversa deífica, no dia seguinte!, a apreciar novamente o Bello e Charmoso Sol da Floresta Tropical-Equatorial, sairei para pescar outros peixes imensos, mas devolverei todos às águas do Rio Eternal; a minha pesca é ecológica, Amor!, é pura brincadeira!, não quero matar os míticos peixes milenares!, não, senhor!, só quero conhecer os peixes existentes nos rios do Brasil Varonil Cor de Anil antes da hecatombe final; se houver hecatombe, Amaral!, milhares e milhares e milhares de peixes milenares serão sacrificados!, vão desaparecer para sempre da Terra Rotunda!; por isto, talvez, eu me atreva a cozinhar apenas um peixinho de nada, só para matar a fome do dia, ou para uma oblação a Cupido Querido; isto já faz parte das Leis da Existência Vital, o bicho-homem precisa se alimentar, e peixe é alimento também; comer peixe não é pecado, não senhor!; neste Final de Século XX, assamos peixe, galinha, porco e cabrito; ainda assamos animais para alimentar a humanidade enricada, fazemos libações perfumosas à moda do Ontem; a fumaça dos assados, nas Grandes Churrascarias Milionáqrias de hoje, reverencia os deuses-narizes afortunados; há também os que morrem de fome!; metade da humanidade não tem o que comer, não senhor!, aqueles sofrem os pobres trabalhos sem conta; o dinheiro, hoje, é o grande vilão!; sem ele, não se come, não senhor!; e poucos conseguem riqueza neste nosso Capitalista Mundo Atual!; mas, quomodo eu ia dizendo, os Peixes Mitológicos são Gigantes das Águas Eternais, os Ferozes Bichos Milenares enfeitam a Floresta do Norte da Sorte, as Árvores Centenárias vão ser derrubadas; o que será da humanidade, my God!, não teremos as árvores, as árvores purificam a atmosfera desse Mundo de Deus dos Cristãos e Hebreus; por ora, viajo de Canoa Argentada, pelo Igarapé Mui Misterioso, acompanhada de um Guia-Caboclo pra lá de charmoso, almoço peixe com farinha à moda do Norte do Brasil Varonil, correndo atrás dos peixes e os peixes atrás de mim, vou pescando, pescando os peixes do Grande Amazonas, depois, vou acomodá-los outra vez no Rio Eternal, eles não podem viver fora d’água, não!, são centenas, milhares de peixes desconhecidos; no dia seguinte, quero apreciar o Sol Fabuloso Brilhoso, o Carro de Apolo Cantor nos Céus de Manaus, buscando sempre a trilha aquática dos Peixes Imensos; depois, vou para o Pantanal Matogrossense, com o meu Guia-Caboclo-Amazonense, o Guia-Caboclo Mais Bonito do Mundo Nonsense, olhar as garças graciosas, as inhumas brilhantes e as gaivotas voadoras, descendo de barco o Rio Guaporé do Caboclo José, escondido ainda, não sei quomo!, na Floresta Preservada; o meu objetivo, nesta viagem, é pescar o Tambaqui Gigante Já Em Extinção, estou procurando nas águas eternais o Tambaqui Gigante Que Não Mais Existe, mas pesco mesmo é o Peixe-Tigre, todo listrado, quomodo um tigre das águas; talvez, quem sabe?, deparo-me com um Boto Cor-de-Rosa e com a Lendária Onça Pintada Gigante das Histórias de meu avô Emiliano Romano caçando; a Onça comedora de Boto Cor-de-Rosa, meu Netinho!, querendo pegar o Tambaqui Gigante!; entretanto, eu pego mesmo é o Pirarara Pequeno; no fim da viagem, da pescaria, quero dizer, nada de Tambaqui por aqui, não é mais possível pescar Tambaqui Gigante neste Final de Segundo Milênio!; mas, óh!, peguei, sim senhor!, acredite, meu Netinho!, o Maior Tambaqui Dessas Águas Milenares!; foi uma Odisséia digna do Jônico Homero, filho de Apolo e Meone!, por Zeus!, por Júpiter!, por Oxalá!, por Tupã!, o deus Maior da Floresta dos Índios Amazonenses!, pegar o maior Tambaqui do Universo Sem-Fim!; um Tambaqui de mais de trinta quilos, minha Nossa Senhora das Prosopopaicas Causas!, um grande Tambaqui divinal, talvez, o último deus-Tambaqui do Milênio de Peixes!, maior do que o Piraíba Gigante também endeusado; talvez já não existam mais, não senhor!, Piraíbas Gigantes; ainda, há peixes gigantes no mundo atual, não mais tão gigantes quomodo os do passado dos gregos e romanos; o Piraíba Gigante, se ainda existir, se esconde no Pará, no Estado do Pará, no Brasil Varonil, quero dizer, o Piraíba Gigante, se ainda existir, poderá ser encontrado na divisa do Pará com Mato Grosso do Norte da parte Oeste do Brasil Varonil; por Zeus!, já estou cansada de viajar atrás dos Peixões Milenares do Imenso Largo Caudaloso Rio Encantado!, vou voltar p’ra Manaus com meu Bello Cicerone-Caboclo, quero dizer, meu Guia-Caboclo Pralá de Atraente, voltaremos de Jeep e não de Canoa; quero dizer, meu Guia-Caboclo prefere viajar de Jeep Indomável; quem sou eu?, para contrariar o meu Guia-Caboclo de Pele Vermelha, lindo e brilhante?, sou apenas uma mineira matreira a viajar pelo Mundo Praláde Profundo, Vagante!; viajo pelo interior de meu mundo profundo e gigante; eu sei!, você entendeu, meu Mercúrio Gigante Caboclo!, no momento, é você o meu Guia Bonito!, em qualquer Era do Mundo Rotundo e, também, do Profundo, guiando-me nesta Voadeira Ligeira até a Ilha do Amor Transcendental Redentor!; mas, de verdade!, meu Guia prefere viajar de Jeep Veloz; a Barca de Caronte ficou atracada no Rio Guaporé; o jeep é um carro possante e enfrenta estradas esburacadas e abandonadas; o jeep enguiçou nesta minha viagem inventada, as rodas das supermáquinas de hoje não agüentam o rojão; abandonamos o jeep e viajamos a pé; o jeep não transita na matta, não senhor!, e eu vou diapé até a Sete Quedas; quando você nascer, meu Leitor do Futuro!, com certeza, ela será a extinta Cachoeira das Sete Quedas; a vida brota das rochas; nesta minha viagem, a vida brota das Incríveis Rochas Sagradas das Plagas Gerais, Rochas Sagradas que abrigam Sagrados Animais; por isto, desisto de voltar para a Grande Manaus; mas, eu quero ainda pescar o Piraíba Gigante das Histórias Indígenas Antigas, e vou escorregando nas pedras do Misterioso Caminho Super-Fluvial, nas Misteriosas e Embaraçadas Veredas, atrás da Sorte Distante que é pegar o Piraíba Gigante; no entanto, só pesco minúsculos Jaús de quinze quilos cada um, mas não desisto, não senhor!, jogo os jaús pequeninos novamente no rio; agora, óh!, emoção sem razão!, pesco um Pirarara dos Grandes, depois, um Jundiá Gigantesco, também chamado de Peixe-Onça; Piraíba Gigante?, não sei não!; agora, só vejo a Irara Curiosa me olhando de longe!; o Piraíba Gigante é hoje um peixe mui raro, talvez já não existam piraíbas gigantes no mundo atual, uma espécie de bagre gigante dos rios tropicais; daqui a pouco, vou voltar pra Manaus, vou recuperar minha Barca de Caronte atracada no Rio Guaporé do Gigante, vou voltar de Barco Bacante com meu Lindo Guia Brilhante, o Guia-Caboclo Mais Bonito do Mundo Circundante; eu vou voltar pra Manaus, sim senhor!, seu doutor!, vou recuperar a minha Barca Brilhante de Barqueiro QuironAmante atracada no Rio Gigante, vou voltar de barco com o meu Guia-Caboclo Mais Bonito do Mundo Profundo, eu vou voltar para Manaus, sim senhor!,

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XVI

NEUZA MACHADO



ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO SEXTO CANTO


mas, como eu ia contando (neste 10 de janeiro de 1999), minha Polis é muito barulhenta, os cachorros latem sem parar confinados nos pequenos apartamentos de seus donos barulhentos; os carros buzinam o dia inteiro, e à noite também; o barulho infernal dos sujos aparelhos de ar condicionado não me deixam dormir sossegada; os pivetinhos e Pivetões assaltam em pleno dia, por Zeus!, roubam o dinheiro suado do trabalhador sofredor; o barulho incessante da Cidade intrigante é um problema sem solução, meu Irmão!; as pessoas de bem estão trancadas em casa e os bandidos estão soltinhos nas ruas; o barulho da Cidade é uma agressão aos ouvidos do pobre mortal atual; minha Polis é um vaivém constante de pernas viajantes, não dá para exaltá-la em versos troantes, minha Macro Polis é um vaivém constante de moças chegando de longe, de outros Estados, procurando empregos, desejando melhorar suas vidas; chegam inocentes iludidas e muitas se transformam em prostitutas, poucas conseguem vencer os enormes obstáculos; há prostitutas moças de família, durante o dia são respeitáveis senhoritas, à noite, vendem o corpo em Copacabana Bacana e no Centro da Cidade Maravilhosa; em todas as esquinas da Megalópole Maravilhosa há pontos de encontros aviltados, para os turistas estrangeiros e brasileiros, duzentos dólares por uma hora de amor; quem sou eu, para atirar pedras nas pobrezinhas?, olhe só quem está falando?, olhe só?; ninguém deste final de Século XX pode criticar o seu próximo!, todos têm um pedacinho do rabo preso em alguma arapuca maluca; o meu rabo preso está cheio de cicatrizes sem penas das esparrelas da vida; não há pedacinhos de rabos das filhas e filhos d’alguns sem arranhões, arranhões produzidos pela violência das esparrelas cotidianas; quem conhece esparrela, de apanhar passarinhos e outros pequenos animais, sabe o que estou a dizer, digo, sabe o que estou dizendo; mesmo com o meu rabo preso, graças à minha Vênus Bella Madrinha em Escorpião pra lá de assanhada; posso afirmar, essas meninas ganham em uma noite o que os pobres pais não recebem em um mês de trabalhos sem conta, suados; e os pais fingem não saber, coitados!; as suas filhas se prostituem e eles não sabem, meu Deus!; neste Anno de 1999, elas querem as roupas da moda e os caros sapatos e bolsas da moda, bolsas de marca, quero dizer, só as marcas famosas, quero dizer, as marcas mais caras do mundo e et cœtera e tal; as marcas de hoje são as marcas do mundo, das Capitais da Elegância, quero dizer, Paris, Londres e Nova Iorque, pois Paris, neste final de Milênio, neste final de Século XX, ainda é a Capital da Moda; contra a vontade dos americanos, os franceses são bons costureiros, inclusive os nascidos em Oram, cidade da Argélia no Norte da África, antiga possessão francesa, mesmo os velhos estilistas nascidos em Oram e residentes na França são bons costureiros e ditam a moda no Mundo Atual, à moda do Mundo; hoje não há fronteiras, não senhor!; o Mundo é uma Grande Imensa Aldeia Global, onde muito os da terra natal padecemos; entretanto, retomando o fio de Ariadne Princesa Sem-Rumo, lá vou eu, Diana Macabéia Olímpico de Sousa, oferecendo oblações aos deuses antigos e aos modernos também; parenta humilde daquela Macabéia Estrelíssima da Hora Fatal, aquela amiga de minha amiga Clarice; lá vou eu, singela insignificante caçadora de palavras aladas, na figura de Odisséia Maria das Flechas Bonitas Quebradas, acompanhada de meus invisíveis e fiéis e terríveis e ferozes cães malteses, todos da Ilha de Malta, com certeza, tendo à frente da malta o extraordinário Kérberos, bebedor viciado de catuaba do Agreste Nordeste; o Kérberos, intratável, bebedor de litros e litros de catuaba só para se tornar um potente cão procriador; lá vou eu, agora, abandonando a minha Polis barulhenta do final do Século XX, abandonando os Pivetes armados até aos dentes, inclementes; aqueles roubam dos pobres para dar aos ricos, para comprar dos ricos Comerciantes, quero dizer, as roupas da moda, tão desejadas, e os tênis mais caros das Lojas de calçados, eles também querem o que o filho do bilhardeiro pode comprar, e por isso roubam, meu Deus!; sinto o peito excruciado só de pensar no karma pesado dessas pobres famílias!; enquanto os pais se matam de trabalhar e moram nas favelas da Polis, o pivetinho rouba nas Ágoras de agora; e a minha não é a Polis platônica, não senhor!, aqui não há perfeição, não senhor!, somos todos imperfeitos, Senhor!; agora, retomando o fio de Ariadne Implexora Emaranhada Enredada, lá me vou, eu, Diana Afrodite Rosa Magdalena Atilada ou Circe Irinéia Apaixonada ou Odisséia Maria Viajada, ou Vájira Diamante Resistente e Inquebrável e Afortunada, ou Maria Felix Brasileira dos Montes Distantes, não mais aquela rechonchuda mexicana das páginas anteriores andantes, viajando através de mim mesma, ou, quem sabe?, mostrando quomodo é a mulher de cinqüenta no final do Século XX; as mulheres de trinta já foram lembradas pelos poetas da década de sessenta, você, Mulher de Trinta, já amou, já sofreu pra caramba, você já foi lembrada pelos poetas d’antanho; os anos oitenta se encarregaram de exaltar a mulher de quarenta, Idade da Loba, segundo os escritores dessa época; por isso viajo através de mim mesma, neste 10 de janeiro de 1999, um maravilhoso domingo de sol itinerante, o sol hiperniteroijônio com seus raios brilhantes, só para mostrar o valor da mulher de cinqüenta; viajo em direção ao infinito de meus sonhos de vida, cantando e sorrindo e pensando e sonhando, às vezes, chorando, sem nunca ter vergonha de ser feliz, quomodo ensinou o divino Cantor Gonzaguinha de linhagem musical nordestina; viajo em direção ao infinito de meus sonhos mais íntimos, com a Lua reinando temporariamente em Escorpião, tendo a minha mente quomodo um projetor tridimensional; a minha vida é uma tela de cinema em três dimensões, libertando minha alma das amarras do mundo vital, vendo em minha tela trimágica o reflexo perfeito da minha consciência interior; eu sou responsável pela minha vida e por meus atos também, crio a minha própria realidade e et cœtera e tal, escolho o que fazer da minha vida na Vida, dou um sentido particular à minha existência, darei o sentido qu’eu quiser!, enquanto durar a minha permanência aqui nesta Terra Charmosa e Azulinda, sabendo que tudo depende de mim e dos meus atos sensatos, não padecerei per culpa de minhas próprias ações impensadas, uso e abuso do meu livre-arbítrio atual; mas tudo isto com a ajuda de Deus Pai dos Hebreus e Cristãos!; eu enxergo o mundo quomodo bem quero, não inquomodo a ninguém neste Mundo Rotundo e nem no Profundo; não quero ser uma vencida mas sim vencedora; eu faço esta viagem imaginada com muito prazer, apesar dos problemas imensos que enfrento e terei de enfrentar, apesar das pedras que invadem meu caminho enrolado repleto de flores extraordinárias, apesar da PVC que está próxima aos meus calcanhares; mas, como eu ia dizendo, com a Madrinha Vênus Dourada em Aquário, a Affeiçoada da Gente Lusitana e Brasileira também, aquela rege a minha Casa do Trabalho e da Saúde no Horóscopo Solar, e a Casa da União no Mapa do Ascendente, hoje me fazendo bons vaticínios; por isto ela não me faltou no passado, quando escolhi meu trabalho enrolado, a minha forma de sobreviver neste Século XX; é uma pena!, o salário não é dos melhores!; apesar do salariozinho de professora, aquela trabalha, trabalha, trabalha por hora, e no fim do mês, cadê ordenado decente, senhor?, cadê o ordenado decente?; mesmo assim acredite!, dou graças a Deus por ter um trabalho!, mesmo que o pagamento saia depois do quinto dia útil do mês, o dia assinalado para a compra do sal; por vezes, quando me sinto infeliz per este karma pesado, procuro fazer uma limonada gostosa e esqueço os percalços da vida; entretanto, a Vênus em Aquário me guiará neste Domingo caloroso de sol deslumbrante, neste 10 de janeiro de 1999, me guiará nesta tarde de sol e beleza sem-fim; dormi pracaramba na parte da manhã, estava cansada!; perdi o nascer do sol, os cantos dos passarinhos ao alvorecer; não vi as cores da manhã de pintura, não ouvi o mundo acordando tranqüilo; porque hoje é domingo, dormi até bem tarde!; óh mulher preguiçosa!; mesmo assim, lá vou eu, Diana Vájira Magdalena Preguiçosa viajando na Carruagem do Sonho Grandioso do Cocheiro Faetonte de Apolo Apolíneo Fermoso Gigante, invadindo a Floresta Tropical dos Índios do Brasil Varonil, conquistando as inóspitas e quentesardentes Terras Amazonenses, conquistando os inóspitos e misteriosos Igarapés, convivendo com índios, sucuris e caboclos valentes; matando à noite esvoaçantes carapanãs, as ditas malditas sugam todo o sangue de um indefeso mortal; driblando os Escorpiões Dourados na Floresta Misteriosa Tropical-Equatorial; os invasores ferrenhos vivem na Verde Cidade dos Homens Vermelhos do Brasil Varonil,

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XV

NEUZA MACHADO


ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO QUINTO CANTO



mas, como eu ia contando, o estrangeiro se dá bem no Brasil, todos amam o Brasil Varonil e fazem fila indiana para se naturalizarem brasileiros, com muito prazer, e beijam o chão do Brasil, quando voltam para acá, depois de frustradas tentativas de retorno à terra natal, não querem saber mais de seus países de origem, depois que experimentam o meu Brasil Cordial; mas, neste final de Segundo Milênio, coitado do brasileiro quando tenta morar no estrangeiro, sofre perseguições e o preconceito é geral; pesquise nos jornais e você saberá, meu Futuro Leitor, neste final de Século XX, até Portugal Avozinho rejeita de vez em quando os brasileiros que vão ganhar a vida por lá; esquecem que são recebidos de braços abertos acá; o estrangeiro só recebe bem o brasileiro se este for convidado, senão será tratado quomodo inopioso, mesmo assim ficam de olhos bem abertos; os brasileiros convidados são vigiados; neste final de Segundo Milênio, brasileiro tem fama de roubar os talheres e as cobertas do avião; então, as aeromoças da Europa já dão de presente, quando reconhecem os brasileiros, os talheres do avião; guardem de lembrança os talheres, o Comandante da Tap lhes oferece, quomodo lembrança de viagem, os talheres do avião; é um presente da Air France os talheres do avião; é um presente da Alitalia, os talheres do avião; guardem quomo lembrança os talheres usados; saibais vosmecê do Futuro Sem-Muro, os brasileiros pagaram muito caro por eles, quando compraram as caras passagens; mas, depois falarei de Portugal e do Porto; eu fui muito bem recebida em Portugal, fui muito bem recebida na França também; amo a França e os franceses, amo Portugal e os portugueses; depois do Brasil, considero França e Portugal os países de meus sonhos mais caros e lindos; mas, como eu ia dizendo, nasci mineira, num alto de serra of hinterland de Minas Gerais, naquele dia os astros previram uma vida fabulosa para mim, e cumpriram o prometido, sim senhor!; me deram uma vida tumultuada pra ninguém botar defeito; os astros previram para mim uma vida de sonhos e alegrias sem-fim, e passei a vida toda sonhando; por isso, fui passear em Portugal Avozinho e em Paris Luminosa; os deuses babilônicos, naquele meu nascimento, em Minas Gerais, pronunciaram meu nome; e as Parcas do Século XX, Clotilde, Laísa e Meméia, três mui amigas sinceras, me ofereceram dons divinais, o dom de gostar da vida e não temer a morte, de acreditar no bem e não fazer o mal, de transformar o limão em limonada e o abacaxi em abacaxizada; elas fizeram uma branca bagata em minha homenagem, uma mundrunga tupiniquim sem-igual; agora, lá vou eu, Nise Marília do Dirceu das Montanhas Rochosas dos Mil Mineirais, amante dos Poetas Mineiros do final Século XVIII, viajando para o infinito de meus sonhos mais bellos, neste ônibus assinalado, cuja placa é RJ 117 050, da linha Vila Isabel-São Gonçalo, atravessando novamente a Ponte Rio-Niterói da Baía de Lethes de Mil Vanglórias, às 15 horas da tarde, horário de Verão no Rio de Janeiro Carioqueiro; há um sol hiperniteroijônio misterioso e dourado do outro lado da baía, e é um privilégio, mon Dieu!, apreciar tudo isto, um cenário tão bonito!; ao fundo o Pão de Açúcar de Confeiteiro Famoso e o Cristo Francês Redentor do Brasil Varonil, neste 08 (oito) de janeiro de 1999, sexta-feira, prest’atenção!. com o Sol Majestoso Brilhante em Capricórnio ainda reinando, com Mercúrio Veloz das Mensagens Astrais, aquele invocado do início inventado, invadindo também Capricórnio dos meus Ganhos Reais (Segunda Casa Astrológica de Sagitário Centauro); agora irei ver o meu garboso poderoso Almirante Guillén, o meu intrépido e sensual e tão bello Almirante, ali próximo da Samaritana de Paris-Niterói, mas óh! Destino exemplar!, o Mister Itajubá tomou seu lugar, tomou o lugar do Almirante Fermoso, não verei nunca mais o meu bel’idolatrado Almirante Gatoso,

sábado, 7 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XIV

NEUZA MACHADO





ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO QUARTO CANTO



mas, ora, quem diria?, o Trem Antiquado das Histórias Americanas do Sul Atrasado atravessou o Cruzamento Perigoso do Pensamento Interdito antes do ônibus velho; daqui a pouco subirei novamente a Escadaria Sem-Fim do Templo do Glorioso Saber, ou Casarão do Saber Glorioso, escolha o nome que você quiser, você entendeu, não entendeu?; depois, farei tudo o que foi dito anteriormente; voltarei para casa, para o meu Micro-Casulo de Seda Tijucana Bacana; mas, como eu estava dizendo, enredei-me em minhas próprias palavras aladas; mas, como eu ia dizendo, fui mesmo a Paris?, passeei nas Tulherias?, almocei no Chalet du Grand Bassin?; o meu Anjo-Guru oferecendo-me a Carta com o menu do dia, comprando-a, e o garçon francês, gentilmente, com cortesia, atendeu ao pedido de meu Anjo do Céu; óh grande prova de afeição, meu Anjo!, você adquirindo com alguns francos o cardápio do dia para mim, só para que eu trouxesse mais uma lembrança de Paris, sem gastar o meu dinheirim suadim; e nosotros, solertes, lá no Grand Bassin do Jardin des Tuileries 75001, Paris Esplendorosa, telefone 16.1.42.96.50.56; até me lembro do que comemos; oh manjares divinos!; quomodo entrada, Assiette Charcutière, Assorted Sausages, depois, uma Soupe de Poissons para mim e uma Soupe à l’Oignon Gratinée pra você, por último, uma Salade Brésilienne, a salada não tinha nada de brasileira, mesmo assim, o orgulho de ser brasileira em Paris falou mais alto; uma incrível salada brasileira em Paris; dizem por aí, eles não apreciam os brasileiros!; ledo engano, Seu Pagano!, fui muito bem recebida em Paris; o trajeto de minha viagem é curto, não dá para contar todas as minhas aventuras por lá, vivi momentos inimagináveis; mas, como eu ia dizendo, tudo isto regado a Vinho Francês, saboreando deliciosos Camemberts e Gruyères, vinte francos, a porção; enfim, se come bem em Paris, desde que você tenha francos para gastar, e o meu Anjo estava com a burra cheia de dólares e gastou à vontade e não é sempre que se janta em Paris, principalmente no Grand Bassin do Jardin des Tuileries 75001; fechamos a tarde saboreando um delicioso sorbet, um Coupe Quatre Saisons, sorbet melon, sorbet framboise avec morceaux, cocktail de fruits au sirop e chantilly; depois, continuamos a andar por Paris, a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a Bastilha, nessa ocasião em reforma, toda cheia de andaimes e redes protetoras, a Bastilha de tristes lembranças históricas, a Bastilha do Terror da Revolução Francesa do final do Século XVIII, hoje ponto turístico, enfeite da Cidade Luz, monumento de uma Nação; no meu Rio de Janeiro, na minha Cidade Maravilhosa não há Bastilha, não senhor!; mas, enfim, fui muito bem recebida em Paris, passeei com meu Anjo Budista por todos os recantos da Cidade, até os não-conhecidos, viajando de táxi, ônibus e metrô; o metrô de Paris tão sem charme, o metrô do Rio de Janeiro muito mais bonito, as estações de metrô do Rio são encantadoras e mágicas; o metrô de Lisboa, na hora do rush, é muuuito tumultuado, quase bateram a carteira de dólares do meu Anjo no metrô de Lisboa, mas de Lisboa falarei depois, não vou-masquecer de Lisboa, não senhor!, não vou-masquecer do Porto, não senhor!; falarei de Portugal com carinho e amor, nesta minha Odisséia Maria Solerte Romana; amo o povo português, sim senhor!; ainda voltarei a Lisboa, para rever a rua Augusta e o Palácio em ruínas de Afonso Henriques, o Palácio de São Jorge Guerreiro, depois falarei de Lisboa, falarei da minha fantástica viagem de trem de Paris ao Porto, naquele dia da greve dos ferroviários, em setembro de 1991, treze de setembro, se não me falha a memória, depois falarei da ziguezagueante viagem de trem, daquele estupendo trem alucinante cinematográfico vibrante atravessando o território espanhol; o trem atravessa o Monte Sagrado dos Lendários Espanhóis da Porta do Sol, correndo velozmente cortando as pradarias da Europa dos Bravos Homens Antigos, aquele trem babilônico do deus Akitu, o brilhante, reduto de idiomas variados, babélicos, incríveis, francês, italiano, inglês, lituano, escocês, castelhano, norueguês, moçambicano, japonês, colombiano, português, jamaicano, chinês, mexicano, gaulês, tibetano, javanês, angolano, brasilês carioquês e et cœtera, et cetera etc e tal; ali estava aquele brasilês que falava javanês, esplendorosa criação ficcional do divino Lima Barreto da Pele de Bronze Iluminada Escritor do Brasil Varonil; e tantas línguas diferentes naquele trem surreal; os deuses do Olimpo Americano do Norte estavam ali também disfarçados de simples mortais, a superpopulação americana invadindo a Europa à época do Verão europeu, quomo se fosse a Europa o jardim da América; em cada canto da Europa montinhos de latas de coca-cola, meninos do meu divo Gonçalves, eu vi!, restos de sanduíches americanos, meninos, eu vi!, papeizinhos de chiclete americano, copos de papel de sopas instantâneas americanas jogados ao léu em um canto externo da igreja de Saint-Severin, em Paris, meninos, eu vi!, em setembro de 1991, não s’esqueça das datas!; é fácil acompanhar os passos dos jovens americanos pelo Mundo Rotundo do Século XX Final; Eles (Quem?) não permitem que sujemos suas ruas americanas com nossa presença latina, fazem manifestos contra estrangeiros em seus domínios neste final de Segundo Milênio, vigiam os estrangeiros fagueiros, os ousados visitantes estrangeiros, com cachorros ferozes e uma bélica corporação policial; Eles (Quem?) podem viajar livres pelo Mundo, seu Raimundo; para Eles, o Mundo é uma extensão da América do Norte, o mundo todo tem de falar americano, o inglês americano, quero dizer; Eles devem seu idioma ao povo inglês, assim quomodo nós, brasileiros, devemos o nosso idioma ao povo português; pero, che bella complicatione!, perdona-me chiquito esta miscelânea lingüística!, pardon!, mio bambino!; mas, para Eles, o mundo todo tem de falar americano, tem de falar corretamente o americano, entendeu?, isto é uma questão de poder, meu amor!; ninguém pode estropiar a língua deles, não senhor!; Eles sim podem estropiar as línguas do mundo, os vários idiomas falados no mundo; vou machucar minha língua com um cálice de uísque ou cachaça fervente; nós batemos palmas quando os estrangeiros estropiam o português falado no Brasil, óh! quomo eles falam bem o português!, exclamamos; no entanto, os estrangeiros apenas arranham a nossa língua querida, a língua brasileira-portuguesa, quero dizer, mas batemos palmas assim mesmo; continuamos colonos mentais, quomodo diz o Celso Sociólogo, não somos colonizadores, não valorizamos o nosso idioma tão bello, não valorizamos o trabalhador que pouco estudou, o certo seria valorizarmos a nossa fala tão melodiosa, tão lírica, somos um país de eternos colonos, continuamos deixando o estrangeiro à vontade, eles vêm para cá e não querem voltar, eles vêm para cá e se aclimatam, eles vêm para cá e se tornam tão íntimos, falam mal do Brasil na nossa cara, brasileiro é preguiçoso e et cœtera e tal; brasileiro é ladrão e et cœtera e tal, é bandido, é isso e aquilo, e nós concordamos, meu Deus!; óh! my God! do Mundo Rotundo!, não sabemos revidar a ofensa!; nós concordamos, amém, amém, amém, amém!, somos preguiçosos, amém, e isso e aquilo, amém, eles vêm para cá, amém, e ficam milionários, amém, e nós batemos palmas, amém, para o progresso deles, amém, eles vêm para cá, amém, e abrem padarias, amém, lanchonetes, amém, et cœtera, etc, e nós vamos comendo os pães caros que eles amassam, digo, que os seus preguiçosos empregados brasileiros amassam em troca de um salariozinho de nada, não dá nem para comprar o sal para temperar a sopa rala de domingo; quem amassa os pães caros são os pobres e preguiçosos empregados brasileiros sem substância; e vamos comendo o pão que o diabo amassou, neste final de Segundo Milênio do Brasil Colonizado, o pão que o diabo amassou com o rabo, sempre dizendo amém, amém, amém, amém, cada vez mais pobres e desiludidos, amém, repetindo as mesmas sentenças de sempre, se hoje não tem, amanhã deusdará, deusdará o pão e as vestimentas e tudo o mais que o pequeno salário não puder comprar; no entanto, óh! maravilhoso país o Brasil Varonil!, ninguém quer sair desse paraíso tropical, nem os poucos ricos, nem os muito pobres, ninguém quer sair, neste finalzinho de Século XX, 1999, preste atenção!, dessa homérica pobreza, dessa homérica miséria; lá fora, por ora!, brasileiro não tem vez; entretanto, agora, chegou a minha hora e vez, a hora e vez de Augustina Matraga das Lavouras de Café Milho Arroz e dos Amplos e Magníficos Pastos Para a Engorda de Bois das Minas Gerais, parenta longínqua do ficcional Nhô Augusto Matraga, nascido nas terras longínquas de Minas Gerais, o amigo sincero do meu amor Guimarães; as mulheres, coitadas!, nem sempre têm vez, poucas conseguem um lugar ao sol no Brasil Varonil, sair pelo mundo é uma aventura terrível, tentar a sorte no estrangeiro é uma dolorosa experiência, praláde traumatizante, as mulheres, coitadas!, acabam se prostituindo, muitas prostitutas brasileiras nas ruas de Paris, prostitutas brasileiras em Roma e Milão, prostitutas brasileiras nas ruas de Londres, et cœtera, et cetera, etc e tal; e os homens, coitados!, também labutando, sofrendo a amargura da cruel rejeição; porém, aqui, no Brasil, antes do Anno 2000, o estrangeiro se dá bem, sim senhor!, o estrangeiro no Brasil vai bem; eu também vou bem, obrigada!; obrigado, aqui, é agradecimento, meu Leitor do Terceiro Milênio da Era de Aquárius; meu leitor verdadeiro nascerá no Século XXI; somos tão servis, meu Conterrâneo!; infelizmente, o nosso agradecimento nos revela; obrigados a comer o pão que o diabo amassou, o pão que o diabo amassou com o rabo; saímos sempre por aí a dizer obrigado, obrigado; muito obrigada, meu senhor doutor, por me fazer trabalhar, trabalhar, trabalhar, e cadê ordenado que preste, doutor!, eu trabalho e pouco recebo, você anda em carro de luxo e viaja pela Europa e pelo mundo rotundo; cadê o dinheiro a que tenho direito, doutor!,

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XIII

NEUZA MACHADO




ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO TERCEIRO CANTO



mas, como eu ia contando, retomando o fio de Ariadne Amorosa Tecelã, fui mesmo a Paris?, Odisséia das Serras de Plantação de Café de Minas Gerais, Carangola, nascida em um final de novembro, quase clareando o dia, numa casa velha do Bairro de Santa Maria, pertinho do Velho Pontilhão da Linha Férrea do Trem do Sertão, aquele imponente Pontilhão de Ferro importado da Bélgica no início do século; por isto as Grandes Pontes do Destino me atraem e me fazem sonhar; e fui enrolada numa cobertazinha fuleira; os astros diziam para eu não comprar promessas, jamais!, falsas promessas, quero dizer, entretanto, fui acreditando em todas as promessas do destino atual, sabendo que a minha evolução estava bem diante do meu nariz, no dia em que os deuses do Sétimo Rei Hammurabi, chefiados por Marduc, o deus da Babilônia, situada na região sumero-acadiana, pronunciaram meu nome, afirmando-me qu’eu teria um chevrolet ultramoderno no futuro; nunca tive chevrolet, nunca dirigi carro, mas pretendo aprender a dirigir antes de passar para o patamar de cima, suspensa entre o antes e o depois; as Parcas Boazinhas dos Meados do Século XX, três amigas queridas, confabularam e organizaram minha vida pra lá de desordenada; caipira da roça e Cidadã do Mundo, sofrendo de alergia nesse final de milênio, atravessando a Ponte Rio-Niterói das Brilhantes Visões, vendo o Ashley ancorado no Cais; o meu imaginário avião supersônico voando sobre a Baía de Guanabara, lá longe a Ilha Fiscal dos Bailes Modernos, onde grandes bailes foram realizados nas décadas de 40/50, ouvindo o som irritante da sirene do carro de polícia ultrapassando os carros na Ponte Longitudinal, tendo ao fundo a beleza da paisagem, os pássaros marinhos voando voando voando no infinito bonito, buscando o infinito sem fim dos meus sonhos epo-lírico-ficcionais; hoje, o dia está ensolarado, por ora, o dia está ensolarado; o Sol Hiperjônio dos gregos antigos se elevou nos vastos céus do Brasil Varonil, iluminando os eternos deuses de Niterói e os homens mortais; agora não vai chover, graças ao meu Deus adorado!, poderei ver o Almirante Guillén das Histórias Marítimas, o Itapeba Um e o Segundo também, bonitos, garbosos; mas, como eu ia dizendo, o dia está ensolarado, atravesso a Ponte Rio-Niterói das Bruscas e Inesperadas Freadas, viajando calmamente de ônibus velhíssimo, neste 08 de janeiro de 1999; nunca s’esqueça das datas do Mundo Profundo, Raimundo!; vejo os navios parados na Baía, o Pão de Açúcar enriquecendo a paisagem, o Cristo Redentor abençoando os cariocas, abençoando os fluminenses também; lá vou eu, Circe Calíope das Terras Encantadas de Minas Gerais, nascida na Zona Guerreira da Mata Mineira; descendente dos Audazes e Heróicos Caçadores de Onças Pintadas de Amarelo e Preto, Caçadores de Jaguatiricas Noturnas também; meu avô materno tão terno!, o Intrépido Emiliano de Brises Martins Sant’Anna Valente do Clã Valeroso dos Valerosos Romanos Valentes Carangolenses, marido de Doña Justiniaña de Ogiges Maria D’Amorim da Grandiosa Dinastia dos Damásios e Amorins Intrépidos da Serra dos Carolas Religiosos de Carangola Frajola, um local sem-igual, muito amado!, que faz divisa com São Manuel do Boi Afogado; Emiliano Romano foi um grande caçador de tatus e capivaras e pacas e jaguatiricas noturnas e onças pintadas de preto e amarelo dourado e et cœtera e tal; agora, lá vou eu, a famigerada Calíope Deolinda Sant’Anna Grieco Romana Portuguesa Brasilana Carangolana e Mui Divinana, parenta longínqua da Grã Ilustre Velha Romana, matriarca poderosa dos Romanos de Carangola, talvez parenta longínqua dos Romanos de Juiz de Fora; antigamente existiu uma Rua dos Romanos em minha Cidade, hoje a rua se chama Santos Dummont, em homenagem ao nosso famoso brasileiro mineiro inventor do avião; Graças A Esta Necessária Descendência Tão Ilustre, lá vou eu viajando no Mundo Rotundo e Profundo, Odisséia Maria Cabocla Brasileira Mineira Grega Romana Portuguesa Africana Divinana e Carangolana das Incontáveis Amoráveis Saudáveis Misturas Genéticas Desejáveis; os Memoráveis Ilustres Famigerados Famosos e Notáveis Sobrenomes de Família, no Brasil Varonil Cor de Anil, são uma questão de identidade nacional universal; nascida na Zona da Mata Mineira Belicosa e Guerreira; cidadã do Rio Maravilhoso e do Mundo também; lá vou eu, olhando encantada a Cidade de Niterói, a Niterói dos hiperniteroijônios, aquela foi berço de um índio famoso, Araribóia, amigo dos airosos franceses; por isto, a Cidade de Niterói se parece com a França, por isto, existiu aqui, no passado, uma Loja Samaritana Francesa, imitação tupiniquim da Samaritain de Paris com certeza; lá vou eu no ônibus RJ 117 129, da linha Vila Isabel-São Gonçalo, apreciando de longe a imponência da Bella Catraia Maria Itajubá ao lado do Almirante Guillén, meu amor; o ônibus parou no ponto em frente ao Mercado Sendas de Niterói; há muitas sendas brilhantes e curvas empoeiradas nos outeiros-olimpos de Niterói; alguns passageiros desceram e sumiram na poeira dourada luminosa do Sol Hiperniteroijônio da Tarde Esplendorosa, eles não foram escolhidos para esta viagem sem-rumo, não farão parte desta viagem interinfinita interstícia, os deuses de Hammurabi Babilônico não pronunciaram seus nomes diante do Portal da Maravilhosa Vida Terrestre; entrementes, neste raríssimo intervalo de tempo, sur ces entre-faits, exatamente neste momento, o ônibus viaja para o infinito bendito, rom, rom, rom, room, rom, room, rooom, rooom, quase parando, devagarquaseparando, é um ônibus velhinho, coitado!, o motorista velhinho só voa de verdade na Cidade do Rio Encantado, em São Gonçalo, ele vai devagar, se ele correr, São Gonçalo o castigará com certeza; agora, atenção!, todos parados no Grande Cruzamento Perigoso do Pensamento Individual e Interdito, bem no meio do Bairro de Neves Eternas e Crateras Gigantes, lá vamos nós, e a minha alergia me atacando de novo, por causa do perfume barato impregnando o ar, o perfume barato do passageiro da frente, ou do lado, não sei bem; eu sou uma doutora sem eira, nem beira, viajo de ônibus para ganhar meu sustento, mas só uso o caríssimo parfum francês AnaïsAnaïs da Cacharel, um eau de toilette francês fabricado em New York nos Estados Unidos da América do Norte; os outros não-doutores do Rio ganham muito dinheiro; mesmo assim, sou muito sortuda, nasci em Sagitário Flecheiro, o signo da sorte; tenho a sorte de ser muito feliz; só olho verticalmente as estrelas infinitas, não olho nunca para o chão, não senhor!, não quero ver os cocôs de cachorro espalhados nas calçadas de minha Maravilhosa Cidade, os cocôs de cachorro dos grandes não-doutores e de suas finíssimas cônjuges; tenho horror a cocô de cachorro espalhado nas calçadas do Rio, neste início de 1999, preste atenção!, não sei quomo esses donos de cachorro não têm vergonha na cara, deixar cocô de cachorro nas calçadas do Rio; os hiper-cariocas d’ágora sujam sem piedade as ruas do Rio, são incapazes de jogar o lixo maldito nas lixeiras públicas, preferem jogar os copos descartáveis e latas de refrigerantes e sobras de sanduíche no chão da Cidade Maravilhosa; pobre Cidade!, tãomalamada!; perdoe-me, amorzinho!, por tantos entretantos e tantos, somos seres robotizados neste final do Segundo Milênio, repetimos e repetimos, quomodo máquinas modernas há muito enguiçadas; mas, se você estiver cansado de me seguir, nesta viagem sem pontos, parágrafos e paradas de ônibus, faça você mesmo a pontuação!, Meu Irmão!; Você, óh! Leitor do Terceiro Milênio!;

terça-feira, 3 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XII

NEUZA MACHADO



ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO SEGUNDO CANTO



do mesmo modo, quomodo eu ia contando, aqui, agora, retornando do Futuro em Paris, viajo sonhando, de volta para o micro-apartamento, na Tijuca dos Valentes Tijucanos Guerreiros, neste 06 de janeiro de 1999, depois de receber a notícia da Criação da Nova Moeda do Mundo, o Euro, a nova moeda unirá o povo sem eira nem beira, aquele não tem sequer uma beira da eira; vai unir o povo do Mundo contra a supremacia dos Invencíveis Guerreiros Audazes das Bandas do Além e do Norte, aqueles enviam seus mísseis mortíferos e se acham os donos da Vida e da Morte; espero que essa nova moeda dê certo!, neste Anno da Graça de 1999, preste sempre atenção!; neste Anno de 1999, não quero que destruam meus sonhos, não quero que destruam, por exemplo, Bagdá, a Mágica Bagdá das Mil e Uma Noites do Oriente Sem-Fim, a Bagdá dos meus sonhos de menina mineira fagueira; os Guerreiros Audazes das Bandas do Norte do Monte querem destruir a magia de Bagdá Fascinante, os encantos de Bagdá Tão Brilhante, os homens mitológicos de Bagdá Faiscante com seus brancos ou negros e lindos turbantes enrolados nas cabeças e suas vestimentas esvoaçantes, esvoejantes, volateantes, brancas ou coloridas, brincalhonas, brincando com o vento do Império Osmanli; querem destruir a Bagdá dos meus sonhos daqui, não quero que destruam os meus sonhos coloridos, os Homens da Bagdá do Passado e suas vestimentas esvoaçantes, enquanto correm pelas estradas mágicas repletas de luz em seus vigorosos cavalos turcos; querem destruir a magia das Mil e Uma Noites de Bagdá, as mulheres de Bagdá, misteriosas, com seus véus misteriosos, seduzindo os homens do mundo profundo com seus requebros de dançarinas e suas coloridas roupas esvoaçantes e seus olhares langorosos brilhantes e seus sorrisos sensuais inquietantes; querem destruir Bagdá, mas eu não quero que destruam Bagdá; a Guerra entre Gregos e Troianos não poderá se repetir, não senhor!; os Guerreiros Audazes do Mundo Belicoso de Acá não possuem esse Mundo de Pura Magia de Alá, e querem destruir o que não possuem, querem destruir os bellos contos das mil e uma noites de Bagdá; sou contra guerras sem sentido, prejudicando inocentes, os inocentes não têm nada com as brigas de seus líderes políticos, não tenho simpatia por guerras políticas; não sou a favor de ninguém, meu bem!; fico empoleirada no alto do meu Observatório Mágico, em cima do Muro da Sabedoria Silenciosa, só olhando de longe as brigas do mundo rotundo; não vou envolver-me em Guerras Inglórias; os destruidores do mundo ao redor não merecem a minha simpatia; já bastou para o Século XX a Segunda Guerra Mundial; pra que tanta guerra, meu Deus!, o Mundo Profundo só deseja a paz, a paz entre os homens de boa vontade; percebe?, os homens não têm boa vontade, Deus!, os homens são belicosos, querem destruir tudo, os animais, as florestas, a água e o ar, a si próprios, os homens querem destruir o Mundo, eles temem a Vida e querem destruir tudo, meu Deus!, assim não haverá mais nada, apenas o Nada; mas, como eu ia dizendo, singrando estes ares belicosos do final do Século XX nunca dantes navegados por Foguete Interplanetário Inventado, viajo sonhando com um futuro sem guerras, de volta para casa, de volta para o meu Casulo de Seda Pura da Tijuca Guerreira, onde apagarei a pequena flama do dia e dormirei o sono dos justos; agora, acordo, no dia 07 de janeiro de 1999, tendo mil contas para saldar até o dia 10 de janeiro, conta do condomínio, conta do gás, conta da luz, conta da Net, conta do Camping Club do Brasil, camping à moda americana trazido para o Brasil Varonil pelo Roberto Menescal na década de 60, quero crer, e hoje está quase parando, mas já foi um sucesso tremendo, a mania daqueles que gostam de viajar; eu, Odisséia Maria dos Campos de Sonhos Sem-Fim, gosto de acampar, conheci essas delícias da vida guiada pelo marido geminiano, o mesmo do dia 13 de junho, do signo de Dragão no Horóscopo Chinês, e adora se movimentar pelo Mundo, viajar, viajar, viajar, e não para sossegado sequer um minuto; ele me ofereceu um mundo de aventuras; no entanto, permitiu-me voar livremente também, depois de termos constituído um núcleo familiar quase quase perfeito, um núcleo familiar muito bem estruturado, e os filhos deiformes unidos e firmes na Terra, e os pais voando, voando, voando; de vez em quando os filhos chamando, e escutamos seus chamados de amor filial e voltamos correndo, um do Ocidente e o outro do Oriente, e nos encontramos no Aeroporto Seguro Familiar dos Filhos, e eu cozinho comidas saborosas, comidas saborosas à moda mineira, e coloco uma provisão no freezer, uma provisão para um mês; depois, recomeço meu vôo; lá vou eu agora sob a proteção de Vênus Madrinha do Futuro Sobrenatural em Aquário, neste 07 de janeiro de 1999, tendo a Lua Trabalhadora Responsável em Virgem durante o dia, à noite, ela mudará para Libra e se tornará amorosa, Lua Cheia cheia de esplendor, favorável às mudanças e aos relacionamentos familiares e sociais, favorável à conscientização dos problemas cotidianos, favorável às mudanças de residência e hábitos antigos, à comunicação de novas idéias e planos, et cœtera, et cetera, etc; por isto, planejo mudar os meus hábitos, mudar de residência jamais, vou sair por aí vestida de Cigana Andaluz, a cigana Rosa Magdalena Gorda e Charmosa, com mil pulseiras faceiras nos braços e colares de luz que reluz e brincos enormes e olhar de hebréia, descortinando o futuro e tocando castanhola, qual Dite Misteriosa dançando a dança dos dançarinos ciganos, lendo a buena dicha para os supersticiosos mortais; deixarei de lado os meus afazeres normais, trabalho, trabalho, trabalho, e só viajo através dos meus sonhos legais; fui mesmo a Paris?; hospedei-me no Hôtel Assinalado?; comi baguete com recheio saboroso em Paris?; freqüentei à noite o Quartier Latin?; assisti à missa católica vespertina, 08 de setembro de 1991, na Catedral de Notre Dame, às 18 horas em ponto, missa solene celebrada pelo Cardeal de Paris Jean-Marie Lustiger; o Cardeal Sensacional Sem-Igual, ao final da missa vesperal, percorreu os corredores laterais da Igreja Central abençoando os fiéis e turistas, estendendo o imenso anel para o tradicional beija-mão?; fui eu mesma que beijei o anel do Cardeal e me prostrei a seus pés?, depois jantei com o meu Anjo-Guru no Cafe de Flore, no Boulevard Saint-Germain, 75006, Paris?; fui eu a merecedora do agrado do gerente do Cafe?, o livreto com o menu do dia, no qual vem inscrito, na capa de rosto, a bellíssima frase “rendez-vous au... Café de Flore”?; eu bebi, às custas do meu Anjo, a champagne mais cara do Café, o Dom Pérignon Rosé 19, cujo preço astronômico era mil francos cada bouteille, será?, fui eu mesma que comi Caviar Sevruga?, custou ao meu Divo e Encantado duzentos e quarenta francos os 30 gramas que vieram para o meu prato, fora os 30 gramas do prato dele, só de caviar, quatrocentos e oitenta francos, a porção mais cara do menu; mesmo assim, o meu Anjo pagou com prazer, não se come em Paris todos os dias, principalmente no Café de Flore, das Flores Italianas de Paris, reduto de intelectuais famosos e Artistas divinos, e ele estava feliz em Paris,

domingo, 1 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XI

NEUZA MACHADO



ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO PRIMEIRO CANTO


quomodo eu ia contando, irei cumprir minha obrigação trabalhista, senão não terei quomo pagar as contas do mês, encantarei meus alunos com a mágica extraordinária dos grandes escritores criadores de um mundo muito profundo, mundo de magias e sonhos sem-fim, repleto de sortilégios e et cœtera e etc e tal; mas, como eu ia contando, depois retornarei de ônibus para a Tijuca, um bairro residencial localizado na Cidade mais bonita do Mundo, para o meu Casulo de Bicho da Seda Brilhante cheio de livros e de sonhos e esperança constante, e dormirei o sono dos justos, sem pesadelos e sem preocupações; já estou na metade da minha existência, no meio da minha vida, no meio do caminho repleto de pedras e espinhos, e não há motivo para ter preocupações com o Futuro, o Futuro a Deus pertence!, somente ocupações com o Presente; quomo, por exemplo, consultar o oráculo do dia seguinte, predizendo grande magnetismo na união, novos ideais poderão mudar a minha maneira de olhar o mundo; mas, óóóh!, oráculo mais fajuto!, Raimundo!, não sei quomodo manusear essa predição, não sei quomo direcionar o Destino Pagão, que Grande Presentão!, estou sozinha dentro do meu Casulo de Quartzo Rosado, não abro a porta para ninguém, não quero juntar as escovas, não, só quero o lado prazeroso do amor cinqüentão, Ulisses Astuto na casa dele e eu em minha casa, meu bem!, de vez em quando um achego amoroso, não sou de ferro, sou humana também, quomodo todo mundo; e pelo fato de não inquomodar todo o mundo, gosto de beijos e abraços e et cœtera e tal, de ouvir palavras de amor e paixão, se possível em idiomas diferentes, quomo quando estive em Paris, gloriosa; ali o meu Anjo a mostrar-me o interesse do bello vietnamita do Hôtel, deiforme novinho; zanguei-me com meu Anjo-Guru, dizendo-lhe não precisar de intermediários no amor, o tal vietnamita francês não me interessava, não; ele que fizesse um bom proveito do tal; no entanto, o dito era bem bonitinho, mais jovem e disposto para os jogos do amor; no entanto, verdade verdadeira, eu estava muito OK, com uma mentirosa aparência mui juvenil; que pena!, deixei de ouvir palavras de amor em francês acrescidas de um leve e intrigante sotaque vietnamita, não tive uma noite de amor à moda francesa; eu estava bonita em Paris!, eu estava very wonderful; por tais motivas reais, Paris me traz lembranças incríveis; sonhando, ainda verei nas montras de lá esta minha Odisséia Maria de uma brasileira mineira altaneira, uma edição elzevir do final do Século XX, com aqueles bellíssimos dizeres “vient de paraître”, acaba de aparecer na Paris dos Luíses uma brasileira mineira hilária e guerreira, pretendendo levar de Paris recordações singulares; Paris me traz lembranças incríveis, quomodo aquele jantar no Cafe de Flore financiado pelo meu Anjo-Guru preferido, bebendo excelente vinho francês e comendo caviar Sevruga, na mesma mesa em que o Pablo jantou no início do Século XX, e depois Roland Barthes também, e tantos outros divinos meninos, e o meu Anjo pagando a conta astronômica, mas o dia era especial, e não acontece todos os dias um jantar em Paris, Mon Petit!, principalmente no Cafe de Flore, e o gerente do Cafe oferecendo-me de presente o livreto com o cardápio do dia; foi mui gentil o gerente do Cafe!, ele intuiu a minha inventada riqueza e quis homenagear-me deveras, para que essa lembrança me fizesse sonhar com Paris nos vindouros dias de minha vida venturosa no Rio de Janeiro ex-Capital do Brasil Cor de Anil, minha única e querida capital do mundo; Paris é só para brasileiro ver, achar linda, e depois voltar correndo para casa, Paris é para de vez em quando; brasileiro que se preze só se sente bem no Brasil Varonil, talequal aquele pernambucano perdido em Paris, em 1991, prest’ atenção!; depois da noitada no Cafe de Flore, em uma madrugada encantada, o encontramos vagamundeando na rua deserta; nosotros soltos pelas ruas da Paris Real dos Luizes Reais, a Cidade-Luz, e o pernambucano rindo e chorando, ao ouvir nossas vozes brasilesas, perdão!, brasileiras; o idioma brasilês-português-espaguês-francês-inglês-tupiniquês de som adocicado, tão bello!, quando voltávamos, meu Anjo e eu, do Cafe de Flore, andando pelo Boulevard Saint-Germain em direção ao Castelo dos Sonhos, digo, em direção ao Hôtel Sonhador; hotel próprio para estudantes e turistas e abonados brasileiros; e o brasileirinho-pernambucano, emocionado, em Paris, ele ouviu o som familiar de sua língua nativa ressoando em Paris, na amplidão daquela incrível madrugada de setembro em Paris; ele estava trabalhando em Paris, comendo o pão que o diabo amassou em Paris, o pão que o diabo amassou com o rabo, sofrendo a profunda solidão dos exilados em Paris; e o brasileirinho continua andando solitário e infeliz em minhas recordações eternais, eternamente andando em direção ao Nada em Paris; se ele retornou ao Brasil, não sei, não sei se ele retornou ao Brasil Varonil ou se continua andando por lá, solitariamente, nas ruas iluminadas de Paris, madrugada em Paris, jamais saberei!; só sei que ele continua andando em minhas recordações, flutuando desamparado pelas ruas de Paris, preenchendo as minhas lembranças de Paris; mas como eu ia dizendo, houve aquela tarde no Museu do Louvre, quando encontramos amigos brasileiros também visitando o famoso Museu, mon Dieu!, bom Diós!, mio Dio!, pura coincidência, my God!, encontramos pessoas conhecidas em um Museu de Paris!; isto não teria acontecido no Rio de Janeiro não, não Senhor!; as sábias maravilhosas professoras da UFRJ e da UERJ estavam todas mui elegantes em Paris; o que estava fazendo a Odisséia Maria Sertaneja dos Heróicos Mineiros em Paris?, entre pessoas tão ilustres, em Paris?, Odisséia nascida em um alto de serra of hinterland de Minas Gerais; as professoras da UFRJ e da UERJ estavam lindas e pomposas no Museu do Louvre em Paris, e nós nos encontramos em Paris; e, neste instante, de volta para o futuro, vivendo o dezembro de 1999, quando todas as mudanças serão bem vindas, quando virarei a página do passado encantado para entrar no Anno 2000 com o pé direito alado, sabendo que Horizontes Interessantes estarão por aí; em dezembro de 1999 Plutão continuará em Sagitário; Marte, Netuno e Urano em Aquário; Mercúrio brilhando em Sagitário; Saturno Severo estará em Touro, retrógrado; Júpiter Troante em Áries Rompante; e Vênus Bellíssima Dama Vermelha em Escorpião, mas passando para Sagitário Mandão no primeiro dia do Anno 2000 do Calendário Cristão; Vênus Madrinha de nascimento sertanejo neste dezembro futuro estará em Escorpião, e eu estarei comemorando a passagem do anno com a família; ou, talvez!, em Paris das Histórias Românticas, passeando mui dite no Campo de Marte, assistindo feliz a passagem do Anno Assinalado do alto da Torre Eiffel, jogando confete no povo animado, tomando champanha e degustando caviar Sevruga, distribuindo gorjetas em euro, a moeda do final do Século XX, em Paris,