ODISSÉIA MARIA
NEUZA MACHADO
DÉCIMO CANTO
mas, como eu ia contando, viajando sonhando de ônibus transestadual, transcendental, voltando de Porto Alegre, numa outra passada viagem incrivelmente memorável, grandiosa, espaçosa; um bello sonho fenomenal!, talvez, em janeiro de 1984, recordo aquele interessante deiforme gaúcho do Olimpo de Porto Alegre, cantando e tocando violão, enviando-me olhares dengosos, e eu, Circe Gordinha Odisséia dos Pobres, sentindo-me rainha aos trinta e sete anos, apesar dos muitos quilinhos a mais, e o gauchinho, tão jovem, Telêmaco Brasileiro dos Pampas do Rio Grande do Sul Mitológico, me olhando, mirando-me, esquecido das outras beldades passageiras, digo, das outras personagens beldades passageiras do Ônibus Interestadual Ficcional Transcendental Monumental Sem-Igual, pobrezinhas, não entendiam nada, não entendiam o interesse do deiforme gauchinho por uma gata-balzáquea gordinha e ronronante, não entendiam nada, coitadas!, o jogo da sedução independe de registro de idade, independe de peso; e o ônibus vai rodando em direção ao infinito de meus sonhos tão lindos, as paradas para o lanche, os olhares dele langorosos, o beija-mão, as promessas de reencontro em um lugar qualquer do Futuro Sonhado, reencontro jamais realizado, e o gauchinho flutuando iluminado no distante passado, nesse passado inventado; neste 04 de janeiro de 1999, atual, Mercúrio está favorável no Céu Astral, e Odisséia Maria poderá viajar tranqüilamente por meio de suas recordações inventadas e reencontrar o gauchinho longínquo, locutor de uma Rádio Gaúcha; se você pesquisar com atenção estas palavras aladas, Mercúrio Veloz continua em Sagitário, daqui a quatro dias estará devagar em Capricórnio, a cercear as minhas palavras sonhadas; por isto, hoje, eu estou tão falante, e Saturno está em Áries Rompante, novamente direto, graças a Zeus; e é bom que Saturno esteja favorável, o velho deus irascível e cerceador, pois Áries é a minha Casa Cinco do Amor no Horóscopo Solar Viajor, e o danadinho vai cortar o meu barato, meu doutor!, não vai permitir qu’eu viaje por aí procurando o tal Novo Amor, eu Circe Irinéia da Grandiosa e Homérica Pá Virada correndo atrás de Ulisses Peralta da Selva Mineira; mas os astros vão me proteger da sisudez de Saturno, já me garantiram, e poderei conhecer alguém especial ao longo de 1999; Plutão Especulador Curioso está em Sagitário, direcionando-me para novas e maravilhosas aventuras interditas, deixando minhas fantasias soltas no ar; então, descubro agora, quem comanda esta minha estranhíssima viagem é Plutão em Sagitário, o Plutão da Astrologia do Século XX é diferente do Plutão da Mitologia Romana, não tem nada a ver com a Mitologia do Ontem, o Plutão de hoje é ficcional, de mentirinha, é meio estranho, mas é bonzinho, não faz mal a ninguém, prejudica somente aos fanáticos por horóscopo; horóscopo não é para ser levado a sério; cuidado para não escrever errado, professora!, não escreva “à sério”, per amor do Senhor!; mas, o que seria de mim, sem essas gotas de ilusão?, que seria de mim?; vivo um momento caótico na História da Humanidade Sem Rumo; ainda bem!, Plutão vai neutralizar a sisudez de Saturno, terei uns 13 annos de muitas transformações pela frente; então, quem comanda mesmo esta minha viagem submersa em uma realidade caótica é Mercúrio Veloz em Capricórnio, recebendo auxílio indireto da presença camuflada de Plutão em Sagitário, com a ajuda também de Urano Pluri-Excêntrico em Aquário, momentaneamente propenso à confraternização; penso, penso e repenso, por baixo dos panos, Plutão Mimético em Sagitário está fazendo das suas, armando alguma coisa em meu benefício; só poderá ser em meu benefício!, planeando harmonizar as forças contrárias; sou sagitariana, não admito copas de fel nesta minha passageira vida real; colocando-se quomodo ponto de partida e encontro para uma nova empreitada em minhas viagens homéricas; e que viagem longa farei, por Zeus!, Plutão está começando o seu percurso em Sagitário, e isto, segundo os Magníficos Videntes Astrólogos do Brasil Varonil, vai durar mais uns treze annos, mais ou menos, não sei bem!; graças a Plutão Assanhadíssimo em Sagitário, a minha criatividade estará a mil por hora, e a minha viagem também, os oragos não se enganam jamais, os exotéricos esotéricos assim pensam; e não apenas Plutão estará me protegendo, ainda bem!, ele não estará em Casas que me prejudicam, ainda bem!, passei por poucas e boas quando ele ocupou Escorpião, seu domicílio astrológico atual; saibais Vossa Mercê, Plutão desalojou Marte neste Século XX, Marte era o patrono de Escorpião Tão Pensante e também de Áries Rompante, tinha duas bellas casas na Roda Astrológica da Grande Fortuna, Plutão apareceu de repente, foi descoberto em 1930 e zás!, apoderou-se de uma das casas de Marte Marciano Praláde Machão, atitude tão natural no Século XX; apesar dos pesados pesares, ainda bem!, ele estará me protegendo nos annos vindouros, ocupando Sagitário por uns 13 annos, ainda bem!; passei por poucas e boas enquanto ele esteve em Escorpião; foram 13 annos de mudanças radicais em my life; agora, em Sagitário, tudo está chuchu beleza e tomate maravilha, mais de 13 annos de pura felicidade pela frente; e não poderia faltar Júpiter Amigo Fiel iniciando o anno de 1999 em Peixes, enchendo de alegrias o meu setor familiar, no dia 13 de fevereiro, na parte da noite, daqui a um mês e dez dias, estará começando a brilhar em Áries a 0° 0’ (zero grau e zero minuto), derrubando assim as influências pesadas de Saturno Severo; graças à minha boa estrela sagitariana, graças a Júpiter Amigável em Áries, viverei em total entrosamento com os meus semelhantes, distribuirei per onde eu passar a minha alegria contagiante de sagitariana feliz e atuante, e poderei me comunicar, falar e cantar, e desenvolver estas minhas fantasias heróicas; para completar tudo isto, neste 04 de janeiro de 1999, Vênus Madrinha de Amores Impossíveis inicia novo trajeto em Aquário Aguadeiro, indicando-me que encontrarei um amor futurista; a Vênus Astrológica em Escorpião nunca me decepcionou!, a Vênus Madrinha!; o amor futurista será, talvez, um visionário, um desses videntes que enxergam o futuro longínquo; o meu presente, agora, é atravessar novamente a Incrível Ponte Rio-Niterói Inspiradora de Fantasias Senis, em direção a São Gonçalo das Causas Perdidas e ao infinito dos meus sonhos mais caros, num dia pra lá de tumultuado, enfrentando a possibilidade de um novo temporal apocalíptico; o ônibus vai devagar e cauteloso, o motorista titânico dirige cautelosamente, atravessa a Ponte do Destino Brasileiro com muito cuidado, o perigo ronda à nossa volta, relâmpagos riscam a escuridão da tarde, trovões ribombam pelo ar, e lá vai o ônibus RJ 117 046, Vila Isabel–São Gonçalo, devagarzinho, atravessando a Imensa e Inacreditável Ponte, uma das Grandes Maravilhas do Mundo Rotundo, uma Ponte Colossal Sensacional ligando duas Grandes Cidades do Brasil Varonil Sem-Igual, as Sete Maravilhas do Mundo Antigo se curvam ante as Maravilhas do Século XX; deixem-me cantar do meu jeito, não do jeito que a Antiga Musa Grega e Romana e Portuguesa canta, para valorizar o meu Brasil Brasileiro e o meu Incomparável Mulato Inzoneiro, amigo do meu amigo Barroso; o pobre muito trabalhou na construção da Ponte de Alguns Operários Desaparecidos no Mar de Escolhos e Para Sempre Olvidados, e ainda trabalha nas construções dos altíssimos edifícios de nosso País Varonil, sujeito também, quem sabe?, a um fim semelhante; mas, como eu ia dizendo, atravesso a Inarrável Ponte Sem-Fim em meio a relâmpagos e trovões aterradores, a tarde perdeu o brilho do Sol de Apolo Cantor, meu Deus!, está escura feito breu, Seu Alceu!; e lá vai o ônibus Vila Isabel-São Gonçalo, não verei hoje o másculo Almirante Guillén rebrilhando na Baía de Guanabara, não verei o Itapeba Um, nem mesmo o Segundo, dois jovens mancebos dos mares do Atlântico Norte; por sorte, o temporal não aconteceu, a viagem corre tranqüila na Ponte da Esperança Sobre o Mar Brasileiro dos Escolhos Cinzentos, o sol ilumina timidamente a Ponte Suspensa dos Sonhos Sem-Fim da Baía de Lethes dos Fluminenses Espectantes, não confundir com os expectantes homens parados que abundam no Mundo; já vejo os navios do outro lado da Ponte dos Amantes Eternais, que maravilha!, estou a ver o Almirante Guillén, com sua barba quadrada e fumando o cachimbo da paz; quem foi o Almirante Guillén?, seu Taussend?, o Real Almirante das Pelejas Antigas e Suas Aventuras Marítimas; vejo a fachada da Unimed do Bairro de Neves das Eternas Promessas Políticas, o mundo de hoje é o mundo das siglas, o homem de hoje se embaralha nas siglas, eu mesma convivo com uma, é a PVC correndo atrás de mim, ela quer me pegar para não mais me largar, mas eu não deixarei a porra da velhice chegar, se isto acontecer, dela me pegar, não vai me derrubar facilmente, lutarei com unhas e dentes, só baixarei a guarda no momento final, quando não puder lutar violentamente com vigor e furor; mas, como eu ia dizendo, vejo, enfim, o Canhão de Guerra do Paraíso de São Gonçalo, há um canhão de guerra na Praça do Paraíso; é hora de descer do ônibus, ou, é hora de saltar do ônibus, ou, é hora de “soltar” do ônibus, “soltar do ônibus” já se tornou uma expressão popular, mas o povo sempre tem razão, meu Irmão, digo, deveria sempre ter razão, nesse caso, o povo está com a razão, o ônibus é uma gaiola esquentada andando sobre rodas, as andas redondas poderosas do divino Pessoa, e os passageiros todos se “soltam” quando saem dele; enfim, cheguei ao meu ponto de ônibus, vou descer do ônibus, vou caminhar um pouquinho, um pouquinho de nada, vou subir triunfalmente as escadarias infinitas do Templo do Glorioso Saber, assinarei o ponto, este ponto é diferente do ponto de ônibus, assinar o ponto indica que não faltei ao trabalho; assinarei o ponto, farei xixi, pois estou apertada, digo, estou com vontade de urinar; lavarei as mãos; também sou humana e faço xixi e defeco e cuspo e arroto e solto gases quomodo qualquer ser humano, Odisséia Maria é pura invenção; agora, já me aliviei!, lavarei as mãos, lavar as mãos é um hábito saudável; vou lanchar um sanduíche de frango com pão dietético, pão diet repleto de farelo de trigo, mais farelo do que trigo; vivo fazendo regime e não emagreço, não, fazer regime é a minha obsessão, é a obsessão de todas as mulheres e homens também, nesses Últimos Annos do Século XX, os padrões de beleza do mundo atual impõem seus ditames, é preciso ser magro neste final de milênio, é preciso ser esbelto, senão, se não, senão a sociedade o rejeitará; ai! de você, professora!, se escrever errado os fatos e feitos circunscritos no mundo profundo; por causa disso, lamento não ter nascido no Século XVI, teria grafado no pergaminho do ontem, à moda dos índios do Brasil Varonil, a maior epopéia já escrita em língua Tupi-Guarani, teria sido bem melhor ter vivido na época das rechonchudas e sensuais mulheres índias de então; se isto tivesse acontecido realmente, eu não estaria aqui, hoje, escrevendo esta viagem inventada; me conformo com os quilos a mais, sou gorda, mas posso emagrecer e me tornar uma anosa bonita; mas quomodo eu ia dizendo, depois do sanduíche de frango feito com pão integral e um guaraná daite ou diet da Antárctica Gelada do Pólo Sul, diet é uma palavra americana, inglês americano, quero dizer, para o entendimento de meu leitor do século vindouro e dos séculos seguintes, e quer dizer dietético na Língua Brasileira copiada dos portugueses; mas, como eu ia dizendo, depois do guaraná diet, irei cumprir a minha obrigação de sofressora, perdão!, de professora, senão, senão, não terei quomodo pagar as contas do mês, meu Irmão,