NEUZA MACHADO
HÁBITO NACIONAL - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
NEUZA MACHADO
Aos Leitores deste meu blog, envio-lhes uma interessante crônica de Luís Fernando Veríssimo publicada no ano de 2001. ATENÇÃO: ANO DE 2001. Por favor, anotem a data da publicação da crônica. NÃO CONFUNDAM AS DATAS: ANO DE 2001. Não digitei ano de 2011, não!
HÁBITO NACIONAL
Luís Fernando Veríssimo
Por uma dessas coincidências fatais, várias personalidades brasileiras, entre civis e militares, estão no avião que começa a cair. Não há possibilidade de se salvarem. O avião se espatifará – e, levando-se em consideração o caráter de seus passageiros, “espatifar” é o termo apropriado – no chão. Nos poucos instantes que lhes restam de vida, todos rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas, e entregam sua alma à providência divina. O avião se espatifa no chão.
São Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do grupo se adianta e, já esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde vêm. São Pedro interrompe com um gesto irritado.
– Eu sei, eu sei.
Aponta para uns formulários em cima de sua mesa e diz:
– Recebemos suas confissões e seus pedidos de clemência e entrada no céu.
O porta-voz engole em seco e pergunta:
– E... então?
São Pedro não responde. Olha em torno, examinando a cara dos suplicantes. Aponta para cada um e pede que se identifiquem pelo crime.
– Torturador.
– Minha financeira estourou. Enganei milhares.
– Corrupto. Menti para o povo.
– Sabe a bomba, aquela? Fui o responsável.
– Roubei.
– Me locupletei.
– Matei.
Etecétera. São Pedro sacode a cabeça. Diz:
– Seus requerimentos passaram pela Comissão de Perdão e foram rejeitados por unanimidade. Passaram pelo Painel de Admissões, uma mera formalidade, e rejeitados por unanimidade. Mas como nós, mais que ninguém, temos que ser justos, para dar o exemplo, examinamos os requerimentos também na Câmara Alta, da qual eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou contra. Houve só um voto a favor. Infelizmente, era o voto mais importante.
– Você quer dizer...
– É. Ele. Neste caso, anulam-se todos os pareceres em contrário e prevalece a vontade soberana d’Ele. Isto aqui ainda é o Reino dos Céus.
– E nós podemos entrar?
São Pedro suspira.
– Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o Inferno. Mas...
Todos entram pelo Portão do Paraíso, dando risadas e se congratulando. Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a São Pedro.
– Mas como é que o Todo-Poderoso não castiga essa gente?
E São Pedro, desanimado:
– Sabe como é, Brasileiro...
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias Para se Ler na Escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001: 85-86.
HÁBITO NACIONAL - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
NEUZA MACHADO
Aos Leitores deste meu blog, envio-lhes uma interessante crônica de Luís Fernando Veríssimo publicada no ano de 2001. ATENÇÃO: ANO DE 2001. Por favor, anotem a data da publicação da crônica. NÃO CONFUNDAM AS DATAS: ANO DE 2001. Não digitei ano de 2011, não!
HÁBITO NACIONAL
Luís Fernando Veríssimo
Por uma dessas coincidências fatais, várias personalidades brasileiras, entre civis e militares, estão no avião que começa a cair. Não há possibilidade de se salvarem. O avião se espatifará – e, levando-se em consideração o caráter de seus passageiros, “espatifar” é o termo apropriado – no chão. Nos poucos instantes que lhes restam de vida, todos rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas, e entregam sua alma à providência divina. O avião se espatifa no chão.
São Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do grupo se adianta e, já esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde vêm. São Pedro interrompe com um gesto irritado.
– Eu sei, eu sei.
Aponta para uns formulários em cima de sua mesa e diz:
– Recebemos suas confissões e seus pedidos de clemência e entrada no céu.
O porta-voz engole em seco e pergunta:
– E... então?
São Pedro não responde. Olha em torno, examinando a cara dos suplicantes. Aponta para cada um e pede que se identifiquem pelo crime.
– Torturador.
– Minha financeira estourou. Enganei milhares.
– Corrupto. Menti para o povo.
– Sabe a bomba, aquela? Fui o responsável.
– Roubei.
– Me locupletei.
– Matei.
Etecétera. São Pedro sacode a cabeça. Diz:
– Seus requerimentos passaram pela Comissão de Perdão e foram rejeitados por unanimidade. Passaram pelo Painel de Admissões, uma mera formalidade, e rejeitados por unanimidade. Mas como nós, mais que ninguém, temos que ser justos, para dar o exemplo, examinamos os requerimentos também na Câmara Alta, da qual eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou contra. Houve só um voto a favor. Infelizmente, era o voto mais importante.
– Você quer dizer...
– É. Ele. Neste caso, anulam-se todos os pareceres em contrário e prevalece a vontade soberana d’Ele. Isto aqui ainda é o Reino dos Céus.
– E nós podemos entrar?
São Pedro suspira.
– Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o Inferno. Mas...
Todos entram pelo Portão do Paraíso, dando risadas e se congratulando. Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a São Pedro.
– Mas como é que o Todo-Poderoso não castiga essa gente?
E São Pedro, desanimado:
– Sabe como é, Brasileiro...
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias Para se Ler na Escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001: 85-86.
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