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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

UMA JOALHERIA REPLETA DAS JÓIAS MAIS MARAVILHOSAS

UMA JOALHERIA REPLETA DAS JÓIAS MAIS MARAVILHOSAS

NEUZA MACHADO

Para Letícia Teixeira Machado

Uma joalharia repleta das jóias mais maravilhosas, um período de imensas riquezas, em todos os graus, inaugurando um novo período na Crônica do Mundo Insciente. A Grande Conjunção entre os planetas Júpiter e Saturno, ambos em Touro, marcando mais um ciclo astrológico, neste 28 de maio do anno 2000, no qual recomeço mais uma viagem pelo interior de meu interativo cogito explorador dos juízos das descobertas surpreendentes.

Na verdade, esta minha segunda viagem não se fará pelos caminhos já preestabelecidos pelas normas narrativas do Mundo dito real. Será uma viagem interdita, orientada pelos veredas subterrâneas e paralelas do Mundo Ficcional, resguardada por um Mercúrio em transição já quase pós-moderno, em fase de restauração ou, se você assim o quiser, em processo de renovação. Esse Mercúrio Transitivo, no momento finalizando um trânsito nos domínios de Gêmeos, estará agora deixando a sua alada e velha capa brilhante e suas asinhas nos pés, para assumir o aspecto de um jovem mancebo motorizado da Ágora de agora. Este Mercúrio Atilado à moda geminiana estará aqui associado ao Plutão Praláde Misterioso em Sagitário, neste momento de mudança das Eras do Mundo.

De qualquer maneira, neste instante-mito, momento de mudança das Eras do Mundo, ouso afirmar que, em meu Grande País Varonil chamado Brasil, o meu relógio infalível assinala quatorze horas e vinte e cinco minutos, e o Orago do Grande Mago das Boas Notícias prediz um longo período de fartura e alegrias em nossa Nação. Júpiter Troante e Saturno Severo se abraçam no Céu Astrológico das Previsões Milenares, irmanados, amigos, a 22o 43’ do signo de Touro, afastados estavam um do outro dês outubro de 1980. Minha herdeira genética, por nascer, ainda este anno, desfrutará de toda essa prosperidade vaticinada pelos Magos Adivinhos do Segundo Milênio Quase Agonizante da Era de Peixes. A minha netinha amadinha, que nascerá em novembro do anno dois mil, será um ser privilegiado da Era de Aquárius, graças a Deus! O Aguadeiro Futurista a guiará pelas sendas do Mundo de Altas Tecnologias Filtradas pela Máquina Internet e o Grande Satélite Global Vigilante Das Massas Humanas Que Se Negam A Pensar. E pensando em você, minha netinha do amanhã, arrisco-me novamente nesta viagem interstícia. Então, nesta hora certa do Relógio do Mundo Astrológico, quando, no futuro, a importância da Grande Conjunção entre Saturno e Júpiter, neste final dos annos noventa, for reconhecida por todos, em virtude de algum evento cosmológico repleto de magnitude, você repensará o aqui dito.

Penso e repenso: como recomeçar minhas tentativas de novas incursões insolitíssimas nas Vastas Planícies e Altas Montanhas do Território Interdito do Cogito Lacunar das Idéias Maiores? Eu sei, minha menina, a manhã do dia de hoje não foi nada gloriosa! Ralei, pra caramba!, as mãos, maltratadas pelas tarefas diárias, na minha Côncava Gruta de Calipso das Tranças Bem-Feitas, recheadas de lembranças dos annos primaveris e saudosas de épicas contendas, quomodo as mãos valerosas da preclara deusa guerreira dos olhos glaucos bovinos, filha muito amada de Zeus dos Antigos Aqueus. Mesmo assim, meu favo de mel, para você vislumbrar este momento com exatidão, compartilhando-o comigo no futuro distante, lembrei-me de saudar e registrar este acontecimento que, por ora, fecha o milênio caótico pra lá de perturbado da Era Confusa e Instável e Tenebricosa do divo Peixes Sofredor Sonhador.

Ah!, como é difícil, minha guerreira netinha do futuro!, recomeçar uma viagem sem rumo certo, sem a proteção de um semideus glorioso, quomodo Aquiles Pelida Filho de Tétis, ou mesmo de um deus pagão, fermoso e espectaculoso, seguindo meus passos, quomo acontecia aos gregos peregrinos das histórias de Homero, ou sem o auxílio de um rei medieval, alto, louro, espectaculoso e interessante, protetor de artistas e mulheres de letras, itinerantes, no século atual já agonizante. Hoje não temos tal proteção. As mulheres-teceloas e os incríveis varões escritores sofrem impedimentos sem conta, para mostrarem ao mundo suas façanhas diárias. É bem verdade!, fique você sabendo, aí no Futuro, meu bem precioso!, alguns magos-fidalgos hodiernos conseguem!, graças à Máquina Propaganda Com Sede de Novidade e Lucro Abundante. A tal maquininha projeta o Artista, esperando retorno imediato em sucesso e dinheiro verdinho americano.

Ah!, minha descendente adorada!, não conto com tais protetores, infelizmente! Entretanto, pedirei novamente o resguardo de Mercúrio Veloz dos Horóscopos Pós-Modernos, no momento, envelhecido, coitado!, quase agonizante, coitado!, mas, qual a Bella Fênix Transmutadora, preparando-se para um glorioso renascimento. Quomodo o já dito, dele receberei proteção, talequal recebi em uma outra Viagem, na figura caleidoscópia de OdisséiaMaria Guerreira do Século XX Belicoso. Aqui e agora, novamente o invoco, oh!, Mercúrio Atual dos Grandes Silêncios e dos Ecos Vazios!, hoje, transitando em Gêmeos, dê-me um engenho poderoso, um som grandíloquo e potente, para que eu possa homenagear a minha netinha amadinha que está por nascer. Mais uma vez, oh!, Mercúrio Alucinante Intrigante Implicante!, oriente-me nesta Nova Recorrente, uma viagem estelar em um Planeta Novo do Terceiro Milênio, o Planeta Novo Brasil Varonil, ainda recente, tão jovenzinho!, coitadinho!, agüentando várias e grandiosas, imensuráveis, explosões interconectadas, quase simultâneas, observáveis na Lente Potente da Grande Rede da Máquina Internet. Oh! Mercúrio das Predições Atuais!, mostre-me o caminho certinho para uma nova epopéia, de autoria feminina, é claro!, em direção ao futuro. Infelizmente, o passado já está tão relatado! Não há mais nada a narrar sobre ele! Já esquecemos o glorioso passado, oh!, Mercúrio de Douradas Asinhas Invisíveis! Os antigos heróis valerosos, eversores de povos autóctones, perderam suas forças míticas, envelheceram melancolicamente, meu divo Mercúrio Dourado! Os heróis de hoje são muito mais poderosos, são anti-heróis, meu amor! Estão sobrepostos à massa que passa, adquirindo proporções gigantescas e força descomunal, tais quais uma legião de formigas vorazes sobre um gigantesco cadáver! O deus-Moeda-de-Ouro-de-Verdade, também chamado de deus-dinheiro, não sai de seus bolsos. Oh, divo Mercúrio Falador, Encantador, Superior!, vossamercê comanda as notícias mundanas e sabe de tudo, como Chefe Supremo dos Correios e Sedexes do Olímpico Brasil Varonil, presenteie-me com uma Incomparável Tela Fabulosa, uma nova maravilha na História do Mundo -
mas que não seja um presente de grego para distraídos brasileses-troianos desprevenidos! -, maior do que a Internet dos dias atuais, um Orago Cinematográfico de primeiríssima qualidade ainda não inventado por seres humanos solertes, capaz de apresentar-me o futuro brasilês do Grandioso Terceiro Milênio, repleto de fartura, bem-estar, luxo e comodidade, antes de minha ainda distante visita ao Rejeitado Execrado Abominado Detestado Reino dos Mortos.

Vou perturbar-lhe, constantemente, oh!, Mercúrio Reticente!, exigindo de você proteção, secundando-me nestas minhas mui sem-graças palavras aladas, não muito altissonantes e brilhantes, ai de mim!, nasci atrasada!, e como já previra o meu rico português argonauta do século dezesseis, para cantar as grandezas e pequenezas de uma anti-heroína quase sessentona do final do segundo milênio, só mesmo pedindo a proteção de um prestimoso deus do Olimpo Pagão. E esse deus, meu Mercúrio Alado e Brilhante!, só poderá ser mesmo vossa mercê. Quem mais, senão vós?, amadinho?!, avoado, enrolado, enganador e atilado!... Oh!, Mercúrio das Predições Atuais!, reuna seus seletos sócios intelectuais do Olimpo dos Maiorais, convoque Júpiter Troante e Saturno Implicante, neste momento astrológico tão amigos!, e, juntos, ofereçam-me um poderoso engenho e uma arte incomparáveis, para qu’eu possa exaltar a grandeza de meu sofrido povo brasilês, principalmente a coragem guerreira da mulher de cinqüenta, atualmente, tão cheia de vida e saúde e repleta de amor, tal qual fez Camões, engrandecendo o povo português. Eu quero cantar nossos femininos sofrimentos e glórias, oh! Mercúrio Agitado! Por que não eu?, meu Mercúrio Argentado?! Sou mulher? Não posso cantar e encantar, quomodo os cantores antigos? E daí!?! A mulher do Século XX já se emancipou, não sabia? Ela já se cansou de tecer tapetes reais infindáveis, qual Penélope Charmosa, à espera de seu Ulisses Ulissiponente Praláde Valente. Você não se lembra, mas eu prometi aos meus descendentes, na minha Odisséia Maria: “uma mulher cinqüentona do Século XX tomará a armadura de seu pai greco-romano-português-brasilano, e sairá em combates epo-lírico-ficcionais, mostrando o valor e a coragem da matriarca brasileira do final do Século XX”, aquela que se multiplicou e se dividiu, e ainda se multiplica e se divide, e se multiplicará e se dividirá, no Terceiro Milênio da Mítica Era Esotérica que começará no anno que vem, para interpretar seus vários papéis na pós-moderna sociedade do Mundo Globalizado. E, por mim e por ela, somatório de heroínas sem identidades memoráveis, oh!, Mercúrio Capaz!, eu, Odisséia Maria, do clã valeroso do imortal português Joaquim Pereira Barba de Argolão, reunirei minhas forças, e bradarei com vigor, e cantarei um canto eletrizado, altissonante e glorioso, já distanciado dos famosos versos hexâmetros de Homero e dos decassílabos heróicos de Luís de Camões, só para que esta raça de poderosas guerreiras do Século XX possa ser exaltada. Por tudo isto, avante! vamos lá!, oh!, Mercúrio Instigante!, por vezes, meio fantasioso, falante, ambíguo, especulador, intrigante, meu padrinho avoante!, colabore comigo!

Em sua homenagem, minha netinha do porvir, Letícia Machado, herdeira do sobrenome paterno do Clã Valeroso dos Machados Mineiros do Calderão Tampado, revelarei, para os pósteros, nestas mui poderosas palavras aladas, quomodo é a vida d’agora das guerreiras mulheres do Século XX.

As incansáveis velhas guerreiras, deste final de século já agonizante, arregaçam as mangas de seus vestidos surrados ou blusas masculinizadas e trabalham quomodo qualquer homem, para ajudar no sustento de suas famílias. Eu, Odisséia Maria dos Curtos Prateados e Anelados Cabelos Revoltos, sou uma delas! Hoje, se não houver união e disposição, para o trabalho estafante e as disputas diárias, o destino será a sarjeta, viver ao deusdará, debaixo de alguma ponte gigantesca, ou dentro de algum Olimpo-Favela, dominado por bandidos perigosos, insegura e desprotegida, a mercê de balas de escopeta, de fuzis AR-15, de metralhadoras tonitruantes, eventuais granadas e todas essas armas-de-fogo, mortíferas, cruéis, desse grande, imenso, tumultuado mundo de Deus dos antigos hebreus.

Hoje, pela manhã, um dia de muito sol e calor no Brasil Varonil, o orago astrológico das Predições Atuais dizia-me para eu adiar e para odiar e parodiar os negócios mui importantes, seguir somente a rotina, fugindo das aventuras amorosas. Eu, minha netinha, jamais fugirei dos reais e ajuizados e rentáveis negócios importantes e das imaginárias aventuras sem-fim, mesmo que o cuidadoso Sol virginiano de Setembro imponha-me tal atitude. O Sol virginiano, minha particular Décima Casa Astral dos feitos repletos de glória do horóscopo solar, está pretendendo negar-me proteção, lá pelos meados da tarde fermosa de dedos de rosa. A Lua em Sagitário, meu precioso signo natalício, em quadratura com o Sol, também resolveu abandonar-me a um incerto destino. Sem falar de meu Júpiter Poderoso, no momento, a 9o de Gêmeos em linha direta, neste anno 2000, protetor e amigo das sagitarianas valentes aventureiras, estranhando-se com a Lua e o Sol, em aspectos arrepiantes, nesta radiosa manhã de impedimentos sem conta. Mesmo assim, insisti, e consultei outro oráculo. Estoutro disse-me que o momento era bom para eu tomar alguma decisão no trabalho. Que decisão poderei tomar!??? O futuro dirá! Só sei viver o presente, mais nada! Não sou uma velha professora guerreira a lamentar o passado, e, muito menos, preocupo-me com o futuro inexistente. Só vou seguindo, sempre pra frente, praláde contente. E o orago me diz que sou uma velha guerreira insatisfeita, a lutar contra moinhos de vento, à moda quixotesca do divo Cervantes. Será que sou mesmo uma mulher insatisfeita, desejando transformar esta vida sem leme? Assim, a manhã desta terça-feira passou, e eu trabalhei pracaramba em uma grande Universidade do Rio de Janeiro. Sou professora, sabia?, de Literatura. Encantada! Depois, voltei, para o meu pequenino oásis repleto de livros e sonhos e aparelhos pós-modernos, e tomei um banho tremendamente revigorante no micro-banheiro do meu casulo aconchegante. Almocei deliciosas iguarias enlatadas e alimentos saudáveis, manjares saborosos de deuses ignotos, há meses congelados no meu freezer 90 Compact da Cônsul do Brasil Varonil, invenção tão útil deste Século XX. À tarde, saí, para trabalhar em uma outra grande Universidade de minha amada Pólis tão agitada! Trabalho dobrado! Acontece que preciso trabalhar, pra ganhar meu sustento e pagar os altíssimos Impostos impostos exigidos por lei. É isto aí, minha menina!, pra viver neste mundo, é preciso pagar alto preço, ou, então, viver quomodo indigente nas violentas favelas sem leis ou debaixo da ponte.

Agora, por exemplo, neste preciso instante, estou viajando de ônibus refrigerado, em direção ao meu outro trabalho. Quomodo costumo fazer, viajo envolta em um halo de sonhos, olhando a tumultuada realidade desse final de milênio, de um ponto de vista distante, interiorizado e impessoal. Esta é uma forma de me defender do estresse diário. A vista, minha netinha Letícia!, é tão linda! É um dos postais de minha Pólis Maravilhosa. Vou apreciando os anúncios luminosos, refletores da pós-moderna economia desse mundo globalizado, massificado. Em um deles, há o reclame de cem empresas de informática celular em um único local, agrupadas em um Complexo Pólo Comercial da Barra da Tijuca. O ônibus, confortável, com ar refrigerado, caríssimo, saiu às 16h40min em direção ao Campo Grande das batalhas diárias. Para que o ser humano possa sobreviver dignamente nesta vida tumultuada das constantes competições trabalhistas, oh!, minha neta!, é necessário guerrear. Neste mundo de hoje, só os fortes sobrevivem. Todavia, quanto a mim, apesar dos inúmeros Impostos impostos, ainda posso pagar um ônibus refrigerado, livrando-me assim do calor insuportável do meu burgo famigerado famoso. Viajar de ônibus refrigerado, em direção ao trabalho infindável, é uma terapia sem ônus, equilibrando as minhas emoções e a minha razão. Vou apreciando a bella paisagem, as garças se beijando em uma criativa escultura de algum desconhecido escultor do Rio de Janeiro, vejo, também, o estupendo Teatro de Lona da Barra Encantada, um bairro nobre dos emergentes milionários do País do Ão. A mosca milenar bate ao encontro da vidraça da janela do ônibus. A mosca, uma mosca, uma simples e pequenina mosca, desde o princípio do Mundo. O Barra Plaza e seus escritórios e lojas, os templos grandiosos da Pós-Modernidade Elitista recebendo as oferendas diárias dos infelizes súditos do deus-dinheiro. O telefone celular, chatíssimo, mania da massa maçante, tilintando dentro do ônibus, num incômodo permanente. Os estranhos edifícios-conjuntos residenciais dessa rica humanidade expectante e espectante. Em contraste, os pobres trabalhadores cavando a terra, exatamente quomodo os primeiros homens fizeram, desde o princípio dos tempos imemoriais. A criança que chora ao lado da mãe, perturbando o silêncio desta viagem interdita, é um fato real. Um soluçante choro de criança suspenso entre o antes e o depois dessa realidade de final de milênio. Um choro de criança ressoando no tempo vertical e infinito de meus pensamentos ativados. Ah!, o tilintar desse telefone celular enjoado desse passageiro de voz enjoada não me deixa sonhar! Os telefones celulares, objetos de bolso, com seus mágicos fios invisíveis, nos lugares públicos, são chatices científicas de minha realidade vital, promovendo improdutíveis diálogos entre pessoas distantes, incômodos, obrigando aos que estão próximos a ouvirem a conversa. O telefone de bolso é uma invenção mal usada pelos bobos mortais. Que o Deus dos hebreus e também dos cristãos nos livre de alguns modismos desse mundo atual, amém! A motocicleta possante e ruidosa passa veloz com seu motoqueiro intrépido, quomodo um deus sarado disfarçado do Olimpo dos gregos admirados, usando um brilhante capacete azul metálico, de material resistente, imponente. Aires Voador agora se disfarça de audaz motoqueiro nas ruas da Barra, pobre coitado! A Barra Milionária dos Sonhos Milionários, dos noveau richi, a grande pequenez dos homenzinhos cheios de empáfia.

E eis a política e os políticos: “Votem no Conde Engenheiro, para prefeito de sua Cidade Maravilhosa. Dêem novamente seu voto para o Conde Engenheiro, de linhagem tão nobre. Mas, não deixe de esperar pelo término do Barra World Shopping, quase prontinho, para aguardar e guardar o seu rico dinheirinho”. Ah!, minha neta adorada!, há também as imensas, gigantescas, piscinas azuis, tudo para o seu conforto e lazer, em sua vida de glórias, dês que você tenha muito dinheiro para comprá-las. E você terá, minha Flor! Basta pagar o preço, dez vezes mais que o salário atual do pobre trabalhador deste Brasil Varonil. Mas você viverá em um novo Brasil, aí no Futuro! E as Academias de ginástica, para a manutenção de um corpo apolíneo, escultural, sem-igual? Tudo isto você usufruirá, minha neta!, se tiver dinheiro para pagar no futuro distante. Para você, meu Favo-de-Mel que está por nascer!, desejo-lhe riqueza, mas, já estou implorando ao meu Deus dos Hebreus e também dos Cristãos que lhe ofereça outros dons importantes: muita saúde, bondade e alegrias constantes.

Os velozes carros brilhantes, possantes, aerodinâmicos, se engarrafam nas amplas Avenidas da Barra Tijucana. Engarrafamentos colossais, homéricos, prosopopaicos. E os cursos de inglês-americano? Wizard, CCAA, et cetera, etc. Deixe de falar português, meu freguês! Português é um idioma ultrapassado, quase em extinção. Chique, no Brasil Varonil, é falar inglês, melhor ainda inglês-americano, se possível com um leve sotaque texano ou nova-iorquino ou californiano. Ah!, eu gosto de viajar nos cogitos superpostos! Sou uma sonhadora viajante em um mundo intrigante. É muito interessante viajar de confortável ônibus refrigerado e de pensamento. Ver o recreio das crianças e o Recreio dos Bandeirantes, um aglomerado de casas luxuosas perto do Olimpo da Barra. Os bandeirantes do passado paravam aqui, será?, em suas andanças no Século XVIII, será? Recreavam-se e se alimentavam aqui, ou acá descansavam seus corpos cansados da longa viagem em lombo de burro ou, talvez, deapé, os bandeirantes do século do ouro brasilês-português. Ou será que eles recriaram o Brasil Varonil? Eu, agora, estou tentando, a partir de um nadica de nada, mas com a ajuda de Mercúrio Amado, mui Revigorado, recriar o Brasil Varonil do Milênio Vindouro. Tá difícil! Mas, ainda há cavalos no século atual. Teremos cavalos e outros bichos no Terceiro Milênio e nos milênios seguintes? Não sei! O Mundo tornou-se pequeno para os humanos. Milhares e milhares e milhares e milhares, et coetera, et cetera, etc., de seres humanos abarrotando esse nosso pequeno Planeta. Onde abrigar cavalos ou os outros bichos do mundo de Deus? E as flores? Cadê as flores? E os frutos? Quedê os frutos? E as árvores? Quede as árvores? As florestas? Que é das florestas? Só há alguns minúsculos hectares nesse pobre mundo agonizante.

No Brasil Varonil, estamos todos contra o FHC, neste anno 2000. Quem é o FHC? É o Presidente Supremo da Nação, meu irmão! E mais e mais piscinas à venda, durante a viagem para o trabalho de todos os dias. Vejo milenares galinhas ciscando na beira do caminho. Ainda há galinhas ciscando no Mundo Rotundo! Precisamos ainda das milenares deliciosas galinhas assadas, quomodo qualquer animal esfaimado. Cuidamos das galinhas com carinho, com muito milho e amor, para depois saborearmo-nas em festivos almoços de domingo agitado. As galinhas, tão saborosas!, douradas em óleo fervente, ou assadas, saboreadas com arroz e feijão, salada de folhas comestíveis, legumes coloridos, et cetera, etc., transformam-se em uma refeição sem-igual. E os porcos? Tão saborosos! E os bois? Tão saborosos! Et cetera, etc. Mas, há casebres humildes. Há pobres no Mundo Submundo! E eu estou aqui a viajar em um ônibus confortável, e, mesmo assim, vou reclamando dos outros passageiros. Os ditos matraqueiam incomodamente com distantes conhecidos, através de seus telefones celulares chatíssimos. A passagem caríssima custou-me dois reais e cinqüenta centavos. Uma bagatela! Para mim, meu tesouro! Amanhã ela custará muito mais. Sou mulher trabalhadora, guerreira, merecedora do salário mensal. Não sou rica, mas, não sou também muito pobre. Sou uma velha senhora pra lá de privilegiada, meu amorzinho. Ganho o meu sustento com o suor de meu rosto, e ando de ônibus refrigerado, e pago as minhas contas, só com o salariozinho de professora. É bem verdade que trabalho sem parar. São horas e horas, só para receber um razoável dinheirinho, que dê para viver e não sofrer privações. As velhas de hoje trabalham, e muito!, fora de casa. O trabalhador assalariado, coitado!, não pode pagar tal quantia, em suas viagens diárias. Viajam em ônibus convencionais ou de trem, às vezes, pulam a roleta e não pagam a passagem.

Ainda há árvores neste meu trajeto de viagem, coitadas!, empoeiradas, mas resistentes. E lagos? Os lagos brilhantes, espelhados, de Narciso Fermoso, ainda são vistos no mundo. E eis o telefone celular da vizinha passageira tocando novamente dentro do ônibus. Seu matraquear insistente perturba meu sonho, que chatice! Vejo deliciosos cocos verdes e abóboras-morangas brilhosas, douradas, expostas na barraca da beira da estrada. Ah!, uma água de coco, agora! Que delícia dos deuses de Homero seria! Hoje o dia está frio no Rio de Janeiro. Casebres e carros de luxo à vista. Que incoerência! O Recreio dos Bandeirantes ficou para trás. Vi um Restaurante de comida mineira e me lembrei de Minas Gerais do Leste do Brasil Varonil. Sou mineira, nascida em um alto de serra of hinterland daquelas terras floridas, encantadoras. Pastos!? Quedê os cavalos? Um novo vilarejo nascendo na foz do divo Rio Argentado. Um Jardim Maravilha. Açougue Boi Manso. Eletrônica Nossa Senhora Aparecida. Incomodei o rapaz, sentado ao meu lado, com os meus pensamentos, as minhas folhas de papel e a minha caneta esferográfica mágica, comprada no Bazar Ilusões de Minas Gerais. Minha caneta vibrante brilhante preciosa não para um minuto sequer de fazer anotações, para esta minha viagem interdita, dedicadas à minha neta que está por nascer. O rapaz do ônibus Pégaso Veloz foi sentar-se em outra cadeira. Apolo Taurino, disfarçado de passageiro de ônibus, está contra mim. Incomodei o rapaz apolíneo, só porque estou escrevendo. Escrever em público também incomoda. Estou pouco me lixando para ele. Coitado! Homem-massa-não-pensante que não gosta de escrever. Ah!, minha netinha, sua avó é um prato cheio para os psicólogos desse final de século e de milênio.

Existe ainda caminhão de frete para transportar mudanças. O Dicró Cantor Brasilês, você sabia?, vai cantar hoje, dia 28 de maio do ano 2000, no Bairro Magarça. Descobri o evento graças ao anúncio colado no poste de luz. Eis o número 3006. Que rua é esta próxima da Estrada do Magarça do Imenso Campo Grande das Laranjas Douradas? Mercado Queirós. Lava-jato do Rico (R$3,60/três reais e sessenta centavos). O Rico tem um lava-jato na Estrada do Magarça, para lavar possantes carros empoeirados e ganhar um dinheirinho legal. Bar Garotas do Magarça. Sacolão do Magarça, repleto de verduras saudáveis e frutas deliciosas, para a alimentação cotidiana de quem pode pagar. Aviário do Magarça. Aviário: para vender saborosas galinhas mortas e depenadas, a refeição preferida dos brasileses guerreiros, pós um dia de labor estafante. Matadouro de galinhas é o Aviário do Magarça. A casa seguinte é para a diversão semanal. Os deuses morenos e suas deusas lindíssimas, habitantes dos morros-olimpo da Cidade Encantada, não dispensam as diversões semanais. Forró e Pagode: danças arretadas. Depois de trabalhos sem conta, um pouco de dança, para esquecer os incontáveis problemas diários. Sábado à noite teremos Pagode no Magarça. Eta!, celular incomodante, Zeus Tonitruante! Não me deixa viajar em paz! É a jovenzinha de voz anasalada falando: “Oi, Cris, tudo bem? Não. Tô na Barra. Minha avó já chegou? Sorine. É! Adulto. É. Sorine adulto. Pinga no nariz de quatro em quatro horas. Você compra uma garrafinha de soro. Agente usa também Adinax. O Sorine é melhor. Tá bem! Um beijo, Cris. Tchau!” Se o povo-massa soubesse como é ridículo o ato de conversar em público, pelo telefone celular!!! Vote na Graça Moderna para Vereadora. Ou será Pós-Moderna? Uma das três Graças da política brasileira. As eleições estão chegando. Que bella Igreja Católica neste bairro residencial. Que bairro é este? O bairro depois da Estrada do Magarça. Campo Grande dos Imensos Campos de Laranjas Douradas! “Venha cá, m’a garça!”, quem sabe?, diria o velho português do passado, talvez, se engraçando com alguma bunduda belezura do lugar. “Temos galeto na brasa”, anúncio do Restaurante Não Sei O Nome. Deixei a Bella Barra e estou viajando em direção ao infinito de meus sonhos mais caros. Que incrível casarão, bem aqui na parada do ônibus, quase chegando ao centro do Imenso Campo Grande das Pelejas Diárias. Quanta riqueza! Ah, celular chatinho! Não para de tocar, nem um minutinho, dentro do ônibus refrigerado e dentro do meu ouvido cansado. São vários minúsculos aparelhos de diferentes passageiros. Todos tocam, quase ao mesmo tempo. Todos falam ao mesmo tempo, conversam com pessoas distantes, através de um fio invisível, ao mesmo tempo. Oh! descoberta maravilhosa do Século XX! Padaria e Confeitaria Pepitão, meu irmão. Venha saborear os deliciosos pães de nossa padaria! Posto Luanda, Limitada, Posto de Gasolina Aditivada. Oh!, meu bom ex-Presidente Itamar!, o homem está acabando, em menos de cinqüenta annos, com o que a natureza levou milênios para formar! O petróleo já está quase no fim, Deputado Serafim! Jardim Escola Amor Perfeito. Paty Som, venha apreciar a boa música, meu bom! Projeto TranformAção: faça a sua parte, meu irmão! “Vendo esta propriedade”, Majestade! Retorno Bangu: siga a seta, Juju!. Santa Cruz: siga a seta, Maria da Luz! Avenida Brasil: siga a seta, oh!, Povo Varonil! Retorno Barra: siga a seta, Zé Navarra! Direção: Campo Grande: siga a seta, Viajante! Já chegamos em Campo Grande dos Imensos Antigos Campos de Laranjas Docinhas. Daqui a pouco vou trabalhar, até às 21 horas. Só chegarei em meu micro-casulo, para descansar do dia estafante, às 23h30min.

Seis de outubro do anno 2000, dezesseis horas e trinta e cinco minutos de um dia escuro, nevoento, prestes a desaguar um temporal apocalíptico. Um outro ônibus refrigerado, talvez o mesmo, me leva em uma outra viagem interstícia. Vou para um trabalho diferente, lidar com outras pessoas, preparada para enfrentar os momentos inesperados desse meu tempo de espantos e incertezas quanto ao futuro. Não há nada permanente. Tudo é uma incógnita. O mundo gira e nós vamos girando também, deixando-nos guiar pelos desígnios do divo destino. Mas, os deuses de Hammurabi Babilônico ainda velam por mim. Eles pronunciaram meu nome na hora de meu sortudo nascimento, lá em Minas Gerais, e as três Parcas Bondosas do Século XX – a Maga Patalógica, a Bruxinha Meméia e a Bruxilda Atanazai – cuidaram, cuidam e cuidarão do meu longo viver. Há pouco, antes de sair de casa em direção aos meus sonhos mais bellos, consultei o oráculo da Bruxinha do Olimpo da Mágica Ilha do Governador, e ele me disse que o meu dia seria mutável, com boas e más influências, e qu’eu só poderia cuidar de negócios de pequeno vulto. O orago não me satisfez plenamente. Consultei outro oráculo, o da matriarca bruxona de Copacabana. Eis o que ele me augurou: “Graças ao Velho Saturno Soturno, hoje favorável no Céu do Brasil Varonil, você, sagitariana sortuda, poderá alcançar um bello desenvolvimento no campo profissional, sem igual!” Ah!, minha netinha amadinha !, eu só aceito previsões positivas. Previsões negativas, mando-as prascucuias! Mas, fiquei muito mais feliz com o orago do Mago Bidu, indicando-me uma paixão fulminante, misteriosa e excêntrica para o dia de hoje. Em 6 de outubro do anno 2000, Urano Estranhíssimo está favorável no Olimpo do Engenho Real, e, quem sabe?, uma paixão irreal estará a caminho, quomodo os dizeres solertes dos velhos líricos poetas dos tempos d’antanho.

14 de novembro de 2000, terça-feira. Uma velha guerreira viaja de ônibus. Sou eu, minha neta. Você está por nascer, amanhã você vai nascer, e sua avózinha viaja de ônibus, em direção ao trabalho e aos seus sonhos mais bellos. Uma velha guerreira, ainda animada, viajando de ônibus refrigerado, ouvindo música suave pelas ondas magnéticas da máquina-rádio, música tocada em uma rádio qualquer, mascando chicles sem açúcar. E lá vamos nós, novamente, para Campo Grande dos Sonhos Amplos e Dilatados, inimagináveis, para mais um dia de trabalho estafante, sem fim. À noite, carregarei as pedras infindas do sono intranqüilo e esperarei confiante a aurora fermosa dos dedos de rosas do dia seguinte.

O dia amanheceu nublado e chuvoso, igualzinho àquele do dia 6 de outubro, dias atrás. A tarde está triste, azulada, cinzenta, com leves e espaçadas nuvens brilhantes. Mas, vou de qualquer maneira pelo Caminho do Sol, agora, repleto de escuras nuvens apocalípticas. O Camiño do Sol fica no Olimpo da Barra Encantada, bem pertinho do Recreio dos Bandeirantes. Os bandeirantes antigos buscavam ouro e recreavam-se acá. Hoje, já não há mais bandeirantes, com suas bellas bandeiras e guapos mancebos de olhos brilhantes, em busca do oiro dourado, acobreado ou argentado. Hoje, as grandes viagens são mais confortáveis. Mas, o telefone celular continua tocando dentro do ônibus, tocando, tocando, e incomodando a minha fantasia. O passageiro do lado não sabe do incômodo. Continua falando e perturbando esta minha epopéia rodoviária, suspensa entre o ontem e o amanhã de minha vida terrena. Ele está de serviço e poderá demorar pra chegar alhures e algures. Irá amanhã de manhã para atender a cliente. Ele conserta máquina de lavar roupas. As roupas sujas do Século XX são lavadas em máquinas, minha netinha! Hoje, as mulheres não lavam roupa à mão, possuem o conforto do século atual. Até as mais pobres têm máquina de lavar roupa, louça, o que for preciso pra facilitar o convívio com a hause. O mundo de hoje é pura tecnologia. As máquinas poderosas do mundo dominam o Mundo. No entanto, Letícia Machado!, você que nascerá amanhã, quinze de novembro do anno 2000, feriado no Brasil Varonil, a Barra é encantada. Os deuses de Homero e os super-deuses dourados do Trópico de Câncer estão por acá e não querem voltar.

Neste 04 de Dezembro de 2000 (2000-12-04), final do Segundo Milênio, você já nasceu, Letícia!, você já está com dezenove dias de nascida, e esta sua avó, Circe Irinéia dos Cabelos Argentados Curtos Revoltos Anelados Abundantes, esta privilegiada representante das milhares e milhares de labutadoras mulheres desconhecidas do Brasil Varonil, se prepara para apreciar a última conjunção do milênio, entre o Bello Sol Sagitariano Hipertijucano e o Valeroso Plutão em Sagitário, neste momento de impasse ideológico, quase sem solução, neste Histórico Presente Demente. Eu, Circe Irinéia Atilada ou Odisséia Maria Guerreira Valente ou Diana Caçadora das Mil Cabeças Pensantes e Milhões de Braços de Medusa, preciso libertar-me do que não tem mais significado em minha vida. Os tentáculos da deusa polvorosa querem envolver-me, mas, o Valeroso Plutão Bonitão desceu do Olimpo Astrológico, para cumprimentar o Gran Sol Tijucano Sagitariano, e ambos estão favoráveis aos meus planos. Entretanto, o vizinho bonitinho, morador do Casulo de baixo, amanheceu agitado, brigão, gritando com a infeliz consorte-guerreira. Daqui, do meu micro-casulo encantado, ouço as contendas matrimoniais, abalando os firmes alicerces de meu Edifício-Castelo, super-repleto de apart-casulos, construído em tempos imemoriais. De qualquer maneira, o Sol Apolíneo e Plutão Valeroso estão a dialogar amigavelmente na Maison Sagitarius, minha Casa Egocêntrica no horóscopo solar e Casa da Fortuna do meu ascendente. Os tentáculos da preclara deusa polvorosa, a horrorosa tirana, propiciadora de pesadelos sem fim, de angústias sem fim, não me envolverão no dia de hoje. As brigas do mundo, os gritos maternos e os choros das crianças indefesas agitam o meu dia, mas não serei atingida. O dia de hoje passará, com as bênçãos de Deus Pai Verdadeiro. Os deuses mitológicos vigoram apenas no Olimpo do Sonho Astrológico do Século XX. São inofensivos, brincalhões, não castigam os pobres mortais, quomodo os preclaros deuses do passado greco-romano. Não são inquisidores pirados, graças ao Deus dos Hebreus e também dos Cristãos!

Hoje, 12 de fevereiro do anno 2001, 16h30min., horário de Verão no Brasil Varonil, segundo Mês do Terceiro Milênio, o orago astrológico me incentiva a colocar a minha rica imaginação para funcionar, pressagiando-me conquistas inovadoras no setor de comunicação. Infelizmente, o ócio é um luxo que não posso usufruir no momento. Apenas, poderei me valer das viagens de ônibus com ar refrigerado, num tempo suspenso entre o antes e o depois, entre um e outro lugar. Mesmo apreciando a mensagem do oráculo, mensagem lida às primeiras horas do dia, obriguei-me a sair para o trabalho diário, trabalho diário que ocupa a maior parte de minha vida acordada. Agora, aqui neste ônibus refrigerado, propulsor de imagens maiores, agora, já desperta para as ocupações de meu dia, pensarei novamente na mensagem do orago. Enquanto viajo e mastigo chicletes dietéticos, olho abismada o fundo do mundo profundo. Mastigar chicletes e olhar o mundo profundo são atividades para passar o tempo, neste momento endoidecido do início do Terceiro Milênio. Não sei se você percebeu, minha neta Letícia!, mas já estamos no Terceiro Milênio das Grandes Emoções Solitárias Não-Compartilhadas. Enquanto viajo de ônibus refrigerado para o trabalho diário, enfrentando a longa longa longa Avenida das Américas Pós-Modernas até Campo Grande dos Grandes Imensos Campos de Sonhos, repenso a longa jornada que terei de enfrentar até às 24 horas do dia de hoje, quando apagarei mais uma flama do dia, quomodo já ocorrera insolitamente com a Ana Amorosa, amiga de minha maninha literária, a divina Clarice. O cawboy americano do outdoor luminoso incita-me a aprender a língua americana dos atuais portentosos poderosos semideuses da mitologia contemporânea. Sinto que o meu bello melodioso idioma português-brasilês, repleto de magia e doçura sem-fim, está prestes a se tornar uma língua morta. Oh!, minha netinha guerreira do Século XXI, penso em você com muita ternura e amor, antevendo o que terá de enfrentar. Ai de você se não aprender, urgentemente, ainda criança, as línguas oficiais dos deuses e semideuses de hoje. Eles são os herdeiros dos heróis de Homero. Quem lutará para preservar o nosso inculto e tão bello e tão amado falar? Nós, os pobres mortais do Brasil Varonil, aqueles que trabalham e trabalham e trabalham para ganhar seu sustento. Pois assim é, doçura!, sua guerreira-avó não terá mais tempo para colocar na maleta diária de sobrevivência constante no mundo d’agora as gramáticas e os dicionários dos deuses do Norte e dos semideuses hispânicos.

17 de fevereiro de 2001. O oráculo me incomoda: “Nada do que seja comum irá atrair a sua atenção!” A minha atenção, você entendeu? Realmente, este sábado se fará praláde incomum. Estou saindo de meu casulo para mais um dia de trabalho pesado. Gastarei as minhas cordas vocais e suarei pra caramba, na tentativa de transmitir conceitos e regras aos meus alunos espectantes. As regras severas e os conceitos já firmados não atraem a minha atenção. Jogarei sementes sadias, para que possam plantar, em um futuro qualquer, novos juízos e novos valores. Enfim, mais um dia incomum espera por mim. À noite, antes do sono reparador, acertarei o relógio de meu tempo vital, porque hoje, filhinha, zero hora em ponto, do dia seguinte, 18 de fevereiro de 2001, com a permissão dos Poderosos Comandantes do Brasil Varonil, atrasarei em uma hora o tempo atual, para recuperar o tempo normal. O horário do Verão Econômico, no Planeta Brasil Varonil, temporariamente, acabou.

18 de fevereiro de 2001, eis a mensagem do oráculo: “Algo ligado à infância ou à família deverá marcar o seu dia”. Puríssima verdade, minha florezinha! Hoje, a minha infância será relembrada. Se o meu Grande Papai estivesse ainda vivo, estaria comemorando 91 annos de trabalhos pesados. Por meio de recordações transformadas, lhe direi como era o seu bisavô.

Seu bisavô foi um homem-guerreiro do Século XX. Lutou pra caramba contra os ultra-terríveis redemoinhos-de-vento, vendavais destruidores, impossíveis de serem controlados. No dia de seu nascimento, uma Sexta-Feira-Santa de 1910, por volta das vinte ou vinte e uma horas, numa noite de religiosidade, superstições e magias sem-fim, ele veio ao mundo. A Grã-Costureira Antoniña Pereira, a Grande Matriarca Mineira, minha avó Toninha, descendente do Imemorial Caçador de Onças Pintadas de Preto e Dourado, Gatas do Mato e Jaguatiricas Noturnas, o andarilho português João Pereira, vulgo Barba de Argolão, costumava contar que a noite tornou-se clara, luminosa, repleta de estrelas brilhantes, e que ela ouviu, no auge das dores do parto, uma voz sonorosa pré-anunciando: “Este é um descendente de José dos Hebreus e de José de Arimatéia e de José de Sousa Moreira, e terá de sofrer trabalhos sem conta, neste mundo ateu do Século XX, até encontrar o Cálice Sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo, perdido nas terras of hinterland do Sertão do Brasil Varonil”. A matriarca Antoniña, além de costurar panos, costurava sonhos, lendas, crenças e superstições, retalhos da imaginação de uma mulher do Sertão, com muita criatividade, amor e emoção. Ela criou o meu Grande Papai Antônio Aquileu, descendente do fabuloso José Peleu da Cidade de Sousa – uma cidade portuguesa, com certeza –, consciente de sua missão religiosa, aqui, nesta terra desgovernada, a vagar sem rumo certo pelo espaço sideral. Antônio Aquileu, um entre os muitos imemoráveis Sousas residentes, antigamente, na região do Choro Incontrolável, seu bisavô, meu tesouro!, ainda criança, fora educado para lutar pela causa de Cristo Nosso Senhor. Aprendeu a rezar o terço bizantino e a cantar o cantochão medieval e a tocar instrumentos de corda e a rezar novenas nos dias sagrados com sua progenitora Antoniña Pereira, do clã valeroso dos Pereiras do Alto Carangola.

Mas, recordando a história de meu papai Antônio Aquileu...

Entretanto, para que você possa conhecer a história de meu papai Antônio Aquileu, ofereço-lhe – Letícia Teixeira Machado –, para você ler no futuro, juntamente com seus futuros irmãos e futuros primos queridos, o livro A História de Antônio, manuscrito por ele mesmo, em 1984, e por mim digitado em computador do anno 2000 (início da digitação no anno 2001; o término da digitação ainda não tem data marcada).

Finalizando a História desta Preciosa Vitrine, nesse dia 26 de março de 2001, retomo a Carruagem Dourada de Apolo Cantor, e sigo novamente as veredas interditas do sinuoso Caminho do Sol. Apolo Ariano, ao contrário de Marte Enfezado, é meu guardião e amigo, e quer qu’eu conheça o Salão da Calipso, para qu’eu possa divertir-me e cantar e dançar ao som de boleros, tangos e sambas dolentes e de bellas canções murmurantes de amor dos annos cinqüenta pra frente. Mercúrio Veloz está contra tais predições. Passarei ao largo da Maison de Vida Agitada, pois o trabalho me espera até ao início dos Clarins da Alvorada.

O sol apolíneo, carruagem dourada, brilhante brilhante, se movimenta tranqüilo, nesta tórrida tarde, com seus raios de oiro. Milhões de outras carruagens transitam pelo Caminho do Sol da Barra Encantada. Uma tarde bellíssima convida-me para devaneios sem-fim. Agora, passei pelos portões automáticos, situados entre o antes e o depois deste momento incomum, e sigo ativada para o Campo Grande das Inúmeras Veredas, às vezes, Sombrias. Há deuses milenares me observando, cismados, durante o trajeto de retas e/ou inesperadas curvas fechadas. Os deuses gregos e os deuses romanos; os deuses celtas e os deuses egípcios; os deuses indianos e os africanos mudaram-se, todos eles, para a Estrada do Cachamorra, no Rio de Janeiro do Brasil Varonil. Os maiorais estudaram o português-brasilês e, agora, fazem pós-graduação nas bandas de acá. Neste momento, em um outdoor luminoso, um bellíssimo deus celta – de olhos azuis e cabelos doirados – cumprimenta, efusivamente, uma ninfa americana de pele rosada. Muito Além do Horizonte e da Linha do Sonho Tropical e Equatorial, a deusa do Norte, com seus vários maridos terráqueos, passeia triunfante nos Olimpos Cinematográficos do Rio Argentado.

Amada Letícia, o seu Terceiro Milênio da Era de Aquárius será Uma Joalheria Repleta das Jóias Mais Maravilhosas. Minha netinha lindinha, meu amorzim, meu doce querubim, desejo-lhe muita saúde e felicidade sem-fim!

Um grande beijo da Vovó Neuza
(Rio de Janeiro, março de 2001)