ODISSÉIA MARIA
NEUZA MACHADO
VIGÉSIMO SEXTO CANTO
mas, como eu ia contando, o pobre não aproveita nada na Terra do Ão, só os ricos aproveitam tudo, Irmão!; o pobre só aproveita o Carnaval, meu Irmão!; economiza muito só para sair no Carnaval, e pula e dança a noite toda com muita resistência; nesses dias, pobres e ricos se irmanam ao som dos batuques, das cuícas e dos tamborins, e todos dançam e pulam como loucos nas ruas do Brasil Varonil; as Escolas de Samba desfilam na Avenida Central, na Avenida que é a vida dos Carnavalescos do Rio, e a dança mais popular do Brasil invade os salões e as ruas e as boates e os clubes, e as moças e moços requebram e dançam ao som das cuícas e bumbos estridentes das baterias carnavalescas, elas tocam três dias seguidos sem parar, é um espetáculo pagão de rara beleza, a música carnavalesca nas ruas do Rio de Janeiro Altaneiro, o céu abraça a terra iluminada e as luzes se encontram, as luzes das estrelas do céu e das estrelas da terra, jovens se fantasiam para o Grande Carnaval Sem-Igual, e sambam e dançam até o Sol Apolíneo raiar, às vezes não param, emendam o dia com a noite, são três dias de festa e orgias sem fim, as bebidas dos deuses enchem os copos de vidro barato dos pobres mortais, dos mortais da Terra do Ão, e a falsa alegria invade os salões e as ruas, e o Salgueiro Querido dos Foliões Tijucanos do Bloco Carnavalesco Nem Muda Nem Sai de Cima vai desfilar na Avenida; uma vibrante Escola de Samba do meu Brasil Varonil, às vésperas do Carnaval de 1999, ensaia seus sambas na minha Rua Encantada, uma rua bacana da Tijuca Sensacional se transforma, às sextas-feiras, numa imensa Feira-Mercado à moda medieval, e essas noites de ensaio não me deixam dormir, não consigo dormir, o som é altissonante, barulhento demais; depois dos ensaios, nos três dias de carnaval, o Salgueiro dos foliões tijucanos desfila na Avenida Central, a Ágora Atual está transbordando de gente inflamada, o Salgueiro desfila eletrizado pra ser campeão, será campeão, e o céu todo abraça a terra iluminada, abraça a Terra do Ão, meu Irmão!, e o povo todo esquece os seus insolúveis problemas, homenageando o poeta popular, o povo todo, neste início de 1999, quer morrer no carnaval, sambando e cantando, pra esquecer suas dores, porque somente as alegrias da vida valem lembranças, e o lá-lá-rá-lá-rá-rá invade os corações com alegria e paixão, no Rio de Janeiro todo mundo vai cantar e sambar, o céu abraça a terra iluminada, quando o povo quiser morrer, após um porre titânico, morrerá feliz, sambou e cantou e sorriu e chorou; o bloco saiu com o povo reunido, brancos e pretos irmanados ao som dos sambas-enredo, ricos e pobres unidos e esquecidos das diferenças de classe, a cidade e o morro num grande abraço amigável, o pobre do morro beijando a rica mocinha, aquela moça de boa família que lhe apresentei lá atrás, páginas de embaralhado tecido verbal, e saiba Você que todos se unem nos dias de Carnaval, as Escolas de Samba disputam o Grande Campeonato, a Grande Vencedora levará o troféu, a Escola mais linda receberá o prêmio, a bem fantasiada, aquela que dançar e cantar com mais entusiasmo e prazer receberá aprovação do júri seleto, por isto, os passistas se esmeram, os porta-bandeiras das Escolas de Samba rodopiam na Avenida Central com suas Bellas Fantasias de Príncipes e de Principesas e et cœtera e tal; cada fantasia mais luxuosa do que a outra, passam necessidades vitais o anno inteiro pra comprar a tal fantasia, comem mal pra caramba, o dinheiro é escasso, mas conseguem o dinheiro da fantasia, sim Senhor!, se tornam Reis e Rainhas nas noites de carnaval, se tornam famosos nas rodas de samba, seus retratos saem nas revistas da moda atual e dos jornais populares, neste início de 1999, a televisão os eleva ao patamar da glória, se tornam famosos por três dias e nas noites seguintes também, enquanto durar a euforia, entendeu?, depois voltam apagados e tristes para a vida diária, comendo sempre o pão que o diabo amassou, comendo o pão que o diabo amassou com o rabo, por três dias foram aclamados e endeusados; o Mundo Inteiro vem para o Brasil, os turistas estrangeiros vêm para o Brasil nos dias em que a folhinha assinala o Carnaval Sem-Igual, e os turistas estrangeiros invadem o Brasil, e o turismo brasileiro produz muito dinheiro, só não sabemos para onde vai o tal dinheiro altaneiro, o povo oprimido vai continuar sem pão, sonhando por mais um anno com o Carnaval, no mês de fevereiro ou março existe o carnaval no Brasil, o Carnaval do Brasil Varonil, meu Amor!, Festa Antiga e Pagã, agora Brasileira, parece até que o carnaval nasceu no Brasil, o Carnaval Dionisíaco é hoje brasileiro, o Carnaval de Veneza se misturou com o samba africano e virou brasileiro, o Carnaval Antigo da Veneza Antiga, Carnaval Monumental só mesmo no Brasil, o melhor Carnaval do Mundo é o Carnaval do Brasil Varonil; no entanto, nem mesmo o carnaval modifica o Brasil, por enquanto, neste início de 1999, seremos sempre habitantes do Inglório Terceiro Mundo Rotundo, não obstante o Carnaval Monumental do Brasil Varonil, o Maior Espetáculo da Terra é o Carnaval Brasileiro, muito elogiado no mundo, a despeito da violência e das drogas e das orgias pagãs, carnaval das brigas de rua e das mortes violentas, carnaval bestial muito aplaudido, a Arena Pós-Moderna é o Carnaval do Brasil, todos sabem, tragédias terríveis acontecem no Carnaval Brasileiro, mesmo assim, os jovens e velhos pulam e dançam as três noites seguidas e os três dias também, alegrias e dores compõem o carnaval, o carnaval dos pobres é dos ricos também, as moças de família se despem no carnaval, os moços de família se bestializam no carnaval, as bebidas alcóolicas rolam no carnaval, o povo todo se embebeda no carnaval, e a Bateria de Músicos vai puxando o Cordão de Carnavalescos, todos dançam e cantam sem parar, e os ricos semideuses se irmanam com os pobres mortais, os deuses gregos descem do Olimpo Pagão, e o turista detecta Febo Apolo fantasiado de Bello Crioulo, um deus negro descendo do Olimpo-Salgueiro, mostrando a beleza e esplendor do Homem Brasileiro, mostrando a força da Mistura de Raças, mostrando ao turista o que é ser Brasileiro, mostrando a todos o seu porte altaneiro, a galhardia de ser Brasileiro nesta mistura de raças e religiões, o Povo Brasilês é uma incrível mistura, dês que o português aportou per acá, é branco, negro, italiano, chinês; no Sul do Brasil a origem é alemã, os italianos também se aclimataram legal, e os japoneses vieram plantar tomate no Brasil de Cabral, e por todos os lados se vêem olhinhos amendoados, são Brasileiros Com Muito Prazer, orgulhosos de sua Terra Natal, jamais voltarão para seus países de origem, onde nasceram seus avós, pra cá emigraram, todos os estrangeiros amam o nosso Brasil Sem-Dinheiro, não obstante a pobreza, todo estrangeiro, morador de acá, neste início de 1999, quer ser brasileiro, ficam ricos e formam empresas milionárias, escravizando o Pobre Trabalhador Brasileiro com muito trabalho e um baixo salário, um salário insosso que Deus me livre, mas em verdade, Somos Todos Estrangeiros na Terra do Ão, o Índio da Floresta Encantada é o Verdadeiro Brasileiro, é o Filho Legítimo desta Terra Abençoada, os brancos europeus do passado roubaram dos Índios a terra e o direito de continuarem no mundo, os pobres Índios restantes estão morrendo à míngua, neste quase final de Século XX, desamparados pelos brancos arrancos, foram todos arrancados e roubados, roubaram-lhes o direito de acreditar em Tupã, impuseram a crença do branco ao Índio Indefeso, a cultura do Índio foi prascucuias, as Índias foram estupradas pelo branco malvado, e o Brasil se encheu de Curumins-Bonitins, o Brasil Varonil é uma mistura de raças, em Manaus-Amazonas os Caboclos enfeitam a Cidade, são filhos de Índia acasalada com branco português, espanhol, americano ou judeu, japoneses e coreanos namoram as caboclas manauaras, a mistura das raças vai continuando e crescendo, os rosados alemães grandalhões também participam da Festa, de vez em quando nasce um miudim caboclim, um curumim pequenino de olhos azuis com os lisos cabelos um tantinho alourados, herança pesada que seu pai lhe deixou; em Sampaulo os japoneses se casam com italianas e os rebentos do casal se tornam japonanos, esses japonanos são todos brasilanos,
NEUZA MACHADO
VIGÉSIMO SEXTO CANTO
mas, como eu ia contando, o pobre não aproveita nada na Terra do Ão, só os ricos aproveitam tudo, Irmão!; o pobre só aproveita o Carnaval, meu Irmão!; economiza muito só para sair no Carnaval, e pula e dança a noite toda com muita resistência; nesses dias, pobres e ricos se irmanam ao som dos batuques, das cuícas e dos tamborins, e todos dançam e pulam como loucos nas ruas do Brasil Varonil; as Escolas de Samba desfilam na Avenida Central, na Avenida que é a vida dos Carnavalescos do Rio, e a dança mais popular do Brasil invade os salões e as ruas e as boates e os clubes, e as moças e moços requebram e dançam ao som das cuícas e bumbos estridentes das baterias carnavalescas, elas tocam três dias seguidos sem parar, é um espetáculo pagão de rara beleza, a música carnavalesca nas ruas do Rio de Janeiro Altaneiro, o céu abraça a terra iluminada e as luzes se encontram, as luzes das estrelas do céu e das estrelas da terra, jovens se fantasiam para o Grande Carnaval Sem-Igual, e sambam e dançam até o Sol Apolíneo raiar, às vezes não param, emendam o dia com a noite, são três dias de festa e orgias sem fim, as bebidas dos deuses enchem os copos de vidro barato dos pobres mortais, dos mortais da Terra do Ão, e a falsa alegria invade os salões e as ruas, e o Salgueiro Querido dos Foliões Tijucanos do Bloco Carnavalesco Nem Muda Nem Sai de Cima vai desfilar na Avenida; uma vibrante Escola de Samba do meu Brasil Varonil, às vésperas do Carnaval de 1999, ensaia seus sambas na minha Rua Encantada, uma rua bacana da Tijuca Sensacional se transforma, às sextas-feiras, numa imensa Feira-Mercado à moda medieval, e essas noites de ensaio não me deixam dormir, não consigo dormir, o som é altissonante, barulhento demais; depois dos ensaios, nos três dias de carnaval, o Salgueiro dos foliões tijucanos desfila na Avenida Central, a Ágora Atual está transbordando de gente inflamada, o Salgueiro desfila eletrizado pra ser campeão, será campeão, e o céu todo abraça a terra iluminada, abraça a Terra do Ão, meu Irmão!, e o povo todo esquece os seus insolúveis problemas, homenageando o poeta popular, o povo todo, neste início de 1999, quer morrer no carnaval, sambando e cantando, pra esquecer suas dores, porque somente as alegrias da vida valem lembranças, e o lá-lá-rá-lá-rá-rá invade os corações com alegria e paixão, no Rio de Janeiro todo mundo vai cantar e sambar, o céu abraça a terra iluminada, quando o povo quiser morrer, após um porre titânico, morrerá feliz, sambou e cantou e sorriu e chorou; o bloco saiu com o povo reunido, brancos e pretos irmanados ao som dos sambas-enredo, ricos e pobres unidos e esquecidos das diferenças de classe, a cidade e o morro num grande abraço amigável, o pobre do morro beijando a rica mocinha, aquela moça de boa família que lhe apresentei lá atrás, páginas de embaralhado tecido verbal, e saiba Você que todos se unem nos dias de Carnaval, as Escolas de Samba disputam o Grande Campeonato, a Grande Vencedora levará o troféu, a Escola mais linda receberá o prêmio, a bem fantasiada, aquela que dançar e cantar com mais entusiasmo e prazer receberá aprovação do júri seleto, por isto, os passistas se esmeram, os porta-bandeiras das Escolas de Samba rodopiam na Avenida Central com suas Bellas Fantasias de Príncipes e de Principesas e et cœtera e tal; cada fantasia mais luxuosa do que a outra, passam necessidades vitais o anno inteiro pra comprar a tal fantasia, comem mal pra caramba, o dinheiro é escasso, mas conseguem o dinheiro da fantasia, sim Senhor!, se tornam Reis e Rainhas nas noites de carnaval, se tornam famosos nas rodas de samba, seus retratos saem nas revistas da moda atual e dos jornais populares, neste início de 1999, a televisão os eleva ao patamar da glória, se tornam famosos por três dias e nas noites seguintes também, enquanto durar a euforia, entendeu?, depois voltam apagados e tristes para a vida diária, comendo sempre o pão que o diabo amassou, comendo o pão que o diabo amassou com o rabo, por três dias foram aclamados e endeusados; o Mundo Inteiro vem para o Brasil, os turistas estrangeiros vêm para o Brasil nos dias em que a folhinha assinala o Carnaval Sem-Igual, e os turistas estrangeiros invadem o Brasil, e o turismo brasileiro produz muito dinheiro, só não sabemos para onde vai o tal dinheiro altaneiro, o povo oprimido vai continuar sem pão, sonhando por mais um anno com o Carnaval, no mês de fevereiro ou março existe o carnaval no Brasil, o Carnaval do Brasil Varonil, meu Amor!, Festa Antiga e Pagã, agora Brasileira, parece até que o carnaval nasceu no Brasil, o Carnaval Dionisíaco é hoje brasileiro, o Carnaval de Veneza se misturou com o samba africano e virou brasileiro, o Carnaval Antigo da Veneza Antiga, Carnaval Monumental só mesmo no Brasil, o melhor Carnaval do Mundo é o Carnaval do Brasil Varonil; no entanto, nem mesmo o carnaval modifica o Brasil, por enquanto, neste início de 1999, seremos sempre habitantes do Inglório Terceiro Mundo Rotundo, não obstante o Carnaval Monumental do Brasil Varonil, o Maior Espetáculo da Terra é o Carnaval Brasileiro, muito elogiado no mundo, a despeito da violência e das drogas e das orgias pagãs, carnaval das brigas de rua e das mortes violentas, carnaval bestial muito aplaudido, a Arena Pós-Moderna é o Carnaval do Brasil, todos sabem, tragédias terríveis acontecem no Carnaval Brasileiro, mesmo assim, os jovens e velhos pulam e dançam as três noites seguidas e os três dias também, alegrias e dores compõem o carnaval, o carnaval dos pobres é dos ricos também, as moças de família se despem no carnaval, os moços de família se bestializam no carnaval, as bebidas alcóolicas rolam no carnaval, o povo todo se embebeda no carnaval, e a Bateria de Músicos vai puxando o Cordão de Carnavalescos, todos dançam e cantam sem parar, e os ricos semideuses se irmanam com os pobres mortais, os deuses gregos descem do Olimpo Pagão, e o turista detecta Febo Apolo fantasiado de Bello Crioulo, um deus negro descendo do Olimpo-Salgueiro, mostrando a beleza e esplendor do Homem Brasileiro, mostrando a força da Mistura de Raças, mostrando ao turista o que é ser Brasileiro, mostrando a todos o seu porte altaneiro, a galhardia de ser Brasileiro nesta mistura de raças e religiões, o Povo Brasilês é uma incrível mistura, dês que o português aportou per acá, é branco, negro, italiano, chinês; no Sul do Brasil a origem é alemã, os italianos também se aclimataram legal, e os japoneses vieram plantar tomate no Brasil de Cabral, e por todos os lados se vêem olhinhos amendoados, são Brasileiros Com Muito Prazer, orgulhosos de sua Terra Natal, jamais voltarão para seus países de origem, onde nasceram seus avós, pra cá emigraram, todos os estrangeiros amam o nosso Brasil Sem-Dinheiro, não obstante a pobreza, todo estrangeiro, morador de acá, neste início de 1999, quer ser brasileiro, ficam ricos e formam empresas milionárias, escravizando o Pobre Trabalhador Brasileiro com muito trabalho e um baixo salário, um salário insosso que Deus me livre, mas em verdade, Somos Todos Estrangeiros na Terra do Ão, o Índio da Floresta Encantada é o Verdadeiro Brasileiro, é o Filho Legítimo desta Terra Abençoada, os brancos europeus do passado roubaram dos Índios a terra e o direito de continuarem no mundo, os pobres Índios restantes estão morrendo à míngua, neste quase final de Século XX, desamparados pelos brancos arrancos, foram todos arrancados e roubados, roubaram-lhes o direito de acreditar em Tupã, impuseram a crença do branco ao Índio Indefeso, a cultura do Índio foi prascucuias, as Índias foram estupradas pelo branco malvado, e o Brasil se encheu de Curumins-Bonitins, o Brasil Varonil é uma mistura de raças, em Manaus-Amazonas os Caboclos enfeitam a Cidade, são filhos de Índia acasalada com branco português, espanhol, americano ou judeu, japoneses e coreanos namoram as caboclas manauaras, a mistura das raças vai continuando e crescendo, os rosados alemães grandalhões também participam da Festa, de vez em quando nasce um miudim caboclim, um curumim pequenino de olhos azuis com os lisos cabelos um tantinho alourados, herança pesada que seu pai lhe deixou; em Sampaulo os japoneses se casam com italianas e os rebentos do casal se tornam japonanos, esses japonanos são todos brasilanos,
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