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terça-feira, 7 de setembro de 2010

SEMIOLOGIA DO SERTÃO: REVELAÇÃO DO MUNDO FICCIONAL

NEUZA MACHADO


SEMIOLOGIA DO SERTÃO: REVELAÇÃO DO MUNDO FICCIONAL

NEUZA MACHADO


Para revelar o mundo ficcional, o Narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga utiliza-se de seu próprio imaginário-em-aberto; apropria-se de um discurso metafórico, conduz um particular raciocínio de referências sígnicas que possibilita movimentar um ato de narrar tenso e comovido, fazendo o leitor acompanhar (e compartilhar) as peripécias da narrativa com emoção e prazer. Por consequência, o leitor se percebe transportado para uma outra realidade, uma outra diferente realidade que só naquele momento se descortina e lhe traz verdades nunca antes imaginadas. Eis o processo mimético atuando (passado e presente se identificam). Nesse momento, a realidade ficcional é tão ou mais verdadeira do que a realidade histórica. O real mundo das aparências pode assim ser desmascarado por intermédio do processo literário. Nesse momento, o leitor da chamada Ficção-Arte (narrativa paradigmática) descobre o sentido de verdadeira realidade.

Em A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, observa-se esse processo. As narrativas roseanas mimeticamente atingem um plano universal de raras proporções, porque, incomuns e verticais, recriam os problemas do Mundo (não importando o momento histórico). O sertão roseano repete as leis do Mundo e as questiona, possibilitando ao leitor pós-século XX a capacidade de transformar-se e transformar a sua própria realidade. A realidade histórica da Era Moderna até o final do século XX pautou-se por um somatório de fatos degradantes, e, o cotidiano intensificado buscou camuflá-los. O homem daquele momento, submetido à lei da sobrevivência, recusou-se a olhar uma realidade difícil de se aceitar. Houve, por conseguinte, a necessidade do literário-ficcional desmitificador, para que ele pudesse abrir os olhos e desmascarar a insuportável realidade objetiva (e os leitores seguintes também).

Assim, tudo o que se observa hoje na narrativa roseana faz parte do plano histórico; tudo isto aconteceu e ainda acontece (e se detecta) nos sertões brasileiros e mesmo nas grandes cidades: o poder patriarcal da pequena classe dominante (e sua violência), a tentativa de subjugação aos menos favorecidos (a opulência em oposição à miséria).

Em A hora e vez de Augusto Matraga, narrativa ficcional de meados do século XX, há matéria mítica ainda em estado bruto: (naquele momento) o sertão mineiro visto como um pequeno espaço primitivo e original; há exploração de algumas frases rítmicas e a utilização de recursos sonoros; o plano sócio-substancial e o mítico-substancial encontram-se amalgamados ao histórico de meados do século XX, portanto, há uma fusão das dimensões do real e do mito, ou seja, há a matéria épica realizada sob a égide da narrativa ficcional.


(Atenção: matéria épica ≠ gênero épico /// gênero épico ≠ gênero ficcional).


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

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