NEUZA MACHADO
NEUZA MACHADO
Releio sempre as afirmações de Guimarães Rosa ao crítico Günter Lorenz:
“Não me interessa o dinheiro: venho de um mundo onde ele não adianta muito; lá se necessita de pão, armas, cavalos, e ainda se pratica o comércio da troca” (Guimarães Rosa, ENTREVISTA).
“Comércio de troca” para Guimarães Rosa equivale aos “valores de uso” assinalados por Marx. Seu narrador em A Hora e Vez de Augusto Matraga é paradoxal, porque expressa os próprios paradoxos existenciais do escritor brasileiro de origem sertaneja de meados do século XX.
Por esta ótica, é possível compreender o desejo de poder do major (representante de diretivas burguesas) tentando aniquilar o poderio de Nhô Augusto (herdeiro do “ontem eterno”); a ambição por dinheiro dos bate-paus (“diz pra Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro!”); será possível afirmar que a narrativa capta a transição entre o medieval mundo sertanejo e o moderno mundo burguês capitalista.
“Em meio a plenitude de vida, e através da representação dessa plenitude, o romance dá notícia de quem vive” (Walter Benjamim).
Retomo o já dito:
Penso que, até um determinado momento, o narrador de Guimarães Rosa reproduz a trajetória de vida de alguma figura influente do sertão de Minas Gerais de meados do século XX (ou o personagem Nhô Augusto se materializa como somatório de várias figuras influentes de anteriores momentos político-sertanejos do Brasil), de cuja história o mesmo teve conhecimento por intermédio dos relatos dos antigos. Posteriormente, já nas sequências finais, passa a (re)criar ficcionalmente a trajetória de vida do personagem.
Diz Walter Benjamin: “A experiência que anda de boca em boca é a fonte onde beberam todos os narradores”.
Palavras de Guimarães Rosa:
“Nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias, já no berço recebemos esse dom para toda a vida.
Narrar estórias corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens” (Guimarães Rosa, ENTREVISTA)
Depois da necessária intervenção do personagem Tião, o próprio narrador de meados do século XX não tem mais controle sobre o desenrolar dos acontecimentos. A forma do narrar ficcional se torna diferente, estranha, insólita; apreende-se nela o que Walter Benjamin chama de “desorientação verbal” (= infração, transgressão).
MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6
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