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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

MENINOS! EU VI

NEUZA MACHADO


MENINOS! EU VI!

NEUZA MACHADO


Sobre os milhões e milhões de carentes brasileiros dos anos de 1990 (o atual “Polvo” Brasileiro Malquerido da Revista Veja de 2010; não posso compreender o porquê da malquerença), a mesma Revista Veja mostrou o problema com nitidez em uma publicação datada de 06/05/1998 (busquem a capa da Revista Veja no Site Conversa Afiada do Paulo Henrique Amorim – http://www.conversaafiada.com.br/).

(Patrus Ananias – Coordenador da Campanha de Dilma Rousseff em Minas Gerais, in: O Estado de São Paulo, reportagem de Malu Delgado, 28/10/2010): “Promessa de Dilma é erradicar a miséria - Já estamos acabando com a fome no Brasil. Hoje a fome é pontual. Há pontos ainda, até porque a pobreza muitas vezes é oculta. Mas a fome endêmica, a vergonhosa que o Brasil tinha até recentemente, aquelas multidões no Nordeste, no Norte de Minas, quando se criavam aquelas frentes de trabalho sem nenhum critério e nenhuma interlocução com políticas públicas, isso não existe mais”.

Posso dizer-lhes sem nenhum receio de críticas à parte que sou uma testemunha histórica do anterior Brasil Empobrecido. Desde os anos de 1960 até o final dos anos de 1990, fui testemunhando a nossa triste degradação (e sofrendo também), fui acompanhando e sofrendo a degradação do meu Valoroso Povo Brasileiro. Até o final do Século XX, eu não percebia soluções satisfatórias Então, vamos esclarecer por etapas:

Lá por volta de 1961 ou 1962 (não posso precisar o ano), o governo importou carne de baleia para vender principalmente para os mais pobres. Meu pai comprou um quilo da tal carne para experimentarmos. A família não apreciou. Para o nosso paladar brasileiro (paladar próprio de um País naturalmente agraciado com muita fartura, mas que, naquela época, era tudo exportado para outros países), a carne de baleia não era nada agradável. Parece-me que os muito pobrezinhos também não gostaram ou não tinham dinheiro para comprá-la. Em 1977, a carne de baleia voltou a se fazer presente em nossos açougues. A tal carne nunca fez parte do cardápio cultural do pobrezinho brasileiro do Segundo Milênio, e mesmo que fizesse parte, torno a repetir, o pobrezinho não tinha dinheiro para comprá-la. MENINOS! EU VI, sim, Senhor!

Lá por volta de 1962 ou 1963, eu e meus irmãos enfrentávamos filas quilométricas para comprarmos feijão de péssima qualidade (feijão cascudo). Feijão de qualidade só se comprava no câmbio negro e muito caro. MENINOS! EU VI E VIVI!

Nesse mesmo período dos anos 60, houve a falta de café. Eu e meus dois irmãos enfrentávamos filas quilométricas para comprar 1 quilo de pó de café (cada um comprava 1 quilo = 3 quilos de pó de café para durar algum tempo na despensa). Os muito pobrezinhos não tomavam café. MENINOS! EU VI E VIVI!

Por falar em filas, na dita década de sessenta enfrentávamos filas quilométricas para comprar diversos produtos alimentícios. Acreditem!, até para comprar macarrão enfrentávamos filas. MENINOS! EU VI E VIVI!

Lembro-me que houve uma época, naqueles terríveis anos, que os plantadores de tomate preferiram queimar toneladas e toneladas de tomates. Motivo: não valia a pena o trabalho de vender barato para os atravessadores (que ganhavam muito dinheiro sem fazer esforço algum). Foi uma espécie de protesto. Preferiram queimar as toneladas de tomates ao invés doá-las para os pobres (e eram muitos pobres sem uma alimentação decente!). MENINOS! EU VI PELA TELEVISÃO!

Não vou relembrar as fogueiras onde os agricultores queimaram também toneladas de café em grão (pelo mesmo motivo da queima de tomates). É pura maldade comentar tal assunto. Os agricultores preferiram queimar os grãos de café ao invés de doar o café para os pobres.

Para cuidar da saúde, era um sacrifício só. Durante as minhas quatro gravidezes, nos anos 60, eu enfrentava lotações cheias para ir até o Posto de Atendimento Médico do IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários) ou para o Hospital da Lagoa Rodrigo de Freitas (era o Hospital dos Bancários o mais bem aparelhado da América do Sul, mas, à época, só atendia aos bancários e suas famílias). O meu marido era bancário. Recebia um salário melhorzinho, mas, mesmo assim, o dinheiro não dava para pagar médicos e clínicas particulares. O jeito era o Assalariado se conformar com o antigo IAPB. Cada classe trabalhista tinha o seu Instituto: IAPI (dos Industriários), IAPC (dos Comerciários), IAPB (dos Bancários; por sinal, o melhor da época). Tinha também o Instituto dos Marítimos, Ferroviários e assim por diante. Mas, eram poucos Postos espalhados pela Cidade do Rio de Janeiro. Daí, a dificuldade de locomoção. Em 1967, todos os Institutos se reuniram em um só: o INPS. MENINOS! EU VI E VIVI e SOFRI!

Sobre filas quilométricas até o final dos anos de 1990: os aposentados, até o final dos anos 90, para receber a ínfima esmola-benefício mensal (e olha que eles, os aposentados, pagaram mensalidades caríssimas, enquanto foram trabalhadores assalariados, para terem direito ao tal benefício), no início de cada mês eram obrigados a enfrentar filas de Bancos imensas, que circulavam amplos quarteirões de ruas. Mas, não vou comentar sobre os dias de muito calor (escaldante) e de muita chuva (torrencial). Todos os pobrezinhos aposentados-vagabundos ali, OBEDIENTES, enfrentando tudo (o dia todo) para receber o benefício a que tinham direito por lei, como se aquilo fosse esmola. Esta triste realidade, MENINOS! EU VI E VIVI E SOFRI! Motivo: Depois do falecimento de meu pai (em 1990), minha mãe herdou a pequena aposentadoria, mas, quem enfrentava a fila longitudinal do pagamento era eu (minha mãe já quase não se locomovia). MENINOS! EU VI E VIVI E SOFRI!

Não vou, por exemplo, comentar a dificuldade que era para comprar um apertamentinho de Conjunto Residencial. E, mesmo assim, só os que tinham um salário melhorzinho tinham direito de comprar o tal apertamentinho (graças a Deus, meu marido bancário foi um dos felizardos, no final dos anos 60; fomos premiados com a chave em Dezembro de 1969 - prêmio de Natal com pagamento mensal, bem entendido - em Jacarepaguá – Conjunto Residencial dos Bancários). Não vou comentar, por exemplo, que o Felizardo tinha direito de pagar o tal apertamentinho no "pequeno" espaço temporal de 20 anos (praticamente, um aluguel mais em conta a vida toda). E ai dele se não tivesse o dinheiro do pagamento-aluguel! O apertamento era tomado na marra pelo Banco Nacional de Habitação.

ATÉ DOMINGO - 31/10/2010

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