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sábado, 2 de outubro de 2010

O DETONADOR DA LUTA

NEUZA MACHADO



O DETONADOR DA LUTA

NEUZA MACHADO


O "detonador" da luta foi um capanga de seu Joãozinho, o Teófilo Sussuarana, homem bronco, que partiu para cima de Nhô Augusto. Este percebeu que a sua vez chegara: “— Epa! Nomopadrofilhospritossantamém! Avança cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!” (Guimarães Rosa, A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Seu Joãozinho reivindicou o direito de luta com Nhô Augusto sem interferência. E na "epifania", na manifestação final: “— Sai, Cangussu! Foge, daí, Epifânio! Deixa nós dois brigar sozinhos!” (Op. cit.).

Foi uma glória. Os dois sozinhos em luta. O povo observava à distância, enquanto as balas se entrecortavam, e as facas se entrechocavam. Nhô Augusto chamando o outro de “meu parente”. Equivalem-se, pois se ambos morrem.

No decisivo da narrativa ficcional de meados do século XX, vê-se a força do poético:

“— Se entrega, mano velho, que eu não quero lhe matar...

— Joga a faca fora, dá viva a Deus, e corre, seu Joãozinho Bem-Bem...

— Mano velho! Agora é que tu vai me dizer “quantos palmos é que tem do calcanhar ao cotovelo!...

— Se arrepende dos pecados, que senão vai sem contrição, e vai direitinho pra o inferno, meu parente seu Joãozinho Bem-Bem!

— Ui, estou morto...”

Nhô Augusto esfaqueara mortalmente seu Joãozinho, mas também se vê ferido de morte.

Dois personagens poderosos se enfrentaram; dois personagens possuidores de idênticos dons. Não seria justo que um fosse o vencedor. Ambos perderam; ambos venceram. Como na matéria trágica, os dois têm igualmente razão — por isso se aniquilam. O ato da morte simboliza o renascimento, o “sentido de vida” perene só acessível por meio do poder criador-ficcional do imaginário-em-aberto.

Pelo ponto de vista sociológico, os dois não podiam fracassar pois ambos eram forças do Poder. Nas teorias de Weber encontro algo que me reconduz a este momento.

“Os fundadores das religiões mundiais e os profetas, bem como os heróis militares e políticos, são os arquétipos do líder carismático. Milagres e revelações, feitos heróicos de valor e êxitos surpreendentes são marcas características de sua estatura. O fracasso é a sua ruína” (Weber).

Se ambos não podiam fracassar, a solução perfeita foi a morte em território ficcional. A morte como uma espécie de redenção, de compensação. Os dois personagens seriam lembrados; aquela briga seria sempre lembrada.

O povo começava a idolatrar Nhô Augusto:

“Foi Deus quem mandou esse homem do jumento, por mor de salvar as famílias da gente!...

E o velho choroso exclamava:

— Traz meus filhos, para agradecerem a ele, para beijarem os pés dele!... Não deixem este santo morrer assim... P’ra que foi que foram inventar arma de fogo, meu Deus?!...” (Op. cit.).

Morrendo, o personagem carismático do mineiro sertão roseano (ainda um carismático oriundo do “ontem eterno” da grandeza política do Brasil de meados do século XX) tinha o rosto radiante. Estava santificado e glorificado (nas esferas superiores do pensamento puro). Experimentara o Poder do "Ontem Eterno", submetera-se à "Força de Deus", e soubera com muita grandeza desenvolver seu carisma (atenção: um poder carismático oriundo do poder do “ontem eterno” de meados do século XX; Nhô Augusto não representa o carismático oriundo do proletariado que surgiria no início do século XXI). Somado a tudo isto, um outro "deus-que-garante-tudo", desconhecido e onírico, estivera ali, até o fim, dando sentido à sua vida ficcional. “Sua hora havia chegado”, ou por outra, já chegara há muito tempo, quando o narrador sertanejo do século XX abandonou o tom memorialista e “tomou a vez” do herói.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6


POST SCRIPTUM:


O CARISMÁTICO "POPULISTA" DO SÉCULO XX PERDE A VEZ PARA O CARISMÁTICO "POPULAR" DO SÉCULO XXI

NEUZA MACHADO


O personagem Nhô Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, representa o líder sertanejo carismático “populista” do século XX, um chefe de política partidária, amado ou temido pelo povo, oriundo de ricas poderosas e tradicionais famílias, as quais detinham o “poder de mando” do “ontem eterno” em seus redutos políticos.

O personagem Major Consilva, representante do contra-poder que aspira ao poder, também poderá ser avaliado da mesma forma. Ambos representam o poder do “ontem eterno”, apenas são de partidos políticos diferentes, utilizando-me de outras palavras, representam um rico poderoso querendo vencer outro rico poderoso.

O Carismático oriundo do proletariado (oriundo da camada pobre), o Carismático “Popular”, em meados do século XX, no momento em que a narrativa de Guimarães Rosa veio a público, politicamente ainda não se havia revelado.

Portanto, nestas minhas páginas, peço-lhes que não confundam o Carismático Político “Populista” (oriundo do “ontem eterno”; por exemplo, Getulio Vargas, Juscelino Kubitscheck, João Goulart e outros do Final do Século XX), com o Inigualável Político Carismático “Popular” do Século XXI, um Grande Líder do Povão Brasileiro (oriundo das camadas mais pobres de nossa Anterior Realidade Terceiromundista): Presidente Luís Inácio Lula da Silva.


Neuza Machado neumac@oi.com.br, neuzamachado@ig.com.br

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