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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CARTA TRANSCENDENTAL A STEFAN ZWEIG NO DIA DE SEU ANVERSÁRIO

NEUZA MACHADO

CARTA TRANSCENDENTAL A STEFAN ZWEIG NO DIA DE SEU ANIVERSÁRIO

NEUZA MACHADO


Nesta data que seria a de seu aniversário natalício, registro meus sinceros agradecimentos por você ter acreditado no potencial de meu país. Quando a guerra começou em 1939, e a Europa vivia um momento de cegueira racial, você, um homem de visão, veio morar aqui no Brasil e soube vislumbrar o que muitos homens de saber não souberam aquilatar: que um país de mestiços poderia deixar sua condição de país naturalmente rico (suas riquezas naturais) para assumir uma posição de destaque político perante outras poderosas potências. Muito lhe agradeço pela confiança. Apenas lamento profundamente o fato de você não estar vivo para desfrutar as maravilhas ocorridas aqui no Brasil. Maravilhas que se iniciaram no final do ano de 2002, quando os mestiços brasileiros se rebelaram contra os senhores-de-engenho e conseguiram colocar na Presidência da República um operário metalúrgico (aquele idealista que você previu com muitíssimo acerto: “No Brasil, há possibilidades de assentar gente em dimensões que um idealista talvez soubesse estimar melhor do que um estatístico”). Esse inigualável representante do povão brasileiro – o Ex-Presidente do Brasil, de 2003 a 2010, Luís Inácio Lula da Silva – teve de enfrentar a pequena e preconceituosa elite brasileira (principalmente a elite de São Paulo), que se dizia dona do poder, e que somente o aceitou (naquele momento da eleição do final de 2002) porque pensava estar entregando ao "mestiço" um país sem futuro (em época de recessão mundial). Graças a Deus, caríssimo Amigo Zweig, tudo o que você previu, começou a acontecer, desde o ano da reviravolta histórica (final de 2002), e, apesar dos percalços (acredite, ainda há percalços a enfrentar, a elite, principalmente a de São Paulo, não se conforma com o sucesso do Presidente Metalúrgico), nosso povo poderá seguir adiante construindo o Futuro que você previu.


BRASIL: PAÍS DO FUTURO

Stefan Zweig

“O Brasil, cujo território é de longe o maior da América do Sul, maior até do que os Estados Unidos da América do Norte, é hoje uma das mais importantes reservas – se não a principal – do futuro do nosso mundo. Aqui temos uma riqueza inestimável em solos que jamais conheceram o cultivo e, no subsolo, minérios e tesouros que não foram explorados ou quase não foram descobertos. No Brasil, há possibilidades de assentar gente em dimensões que um idealista talvez soubesse estimar melhor do que um estatístico. A diversidade dos cálculos para saber se este país, que hoje conta aproximadamente cinquenta milhões de habitantes, poderia comportar quinhentos, setecentos ou novecentos milhões com uma densidade populacional normal dá uma noção para avaliar o que o Brasil poderia ser daqui a um século, talvez já daqui a algumas décadas, no nosso cosmo. Com prazer subscrevemos a afirmativa de James Bryce: ‘Nenhum grande país do mundo que pertença a uma raça europeia possui semelhante abundância de terras para o desenvolvimento da existência humana e de uma indústria produtiva'.

Com a forma de uma harpa gigantesca, curiosamente redesenhando, com seus limites, os contornos do continente sul-americano, este país é tudo ao mesmo tempo: montanhas e litoral, planícies, florestas, pântanos, e é fértil em quase todas as zonas. Seu clima varia em todas as transições – do tropical ao subtropical e para o temperado; sua atmosfera é ora úmida, ora seca, marítima ou alpina. Zonas pouco chuvosas se alternam com regiões ricas em chuva, oferecendo, com isso, as possibilidades de uma vegetação mais variada.

O Brasil possui os rios mais caudalosos do mundo ou os alimenta, como o Amazonas e o Rio da Prata. Suas montanhas lembram os Alpes em alguns trechos e se elevam até três mil metros, com zonas nevadas, no caso do seu pico mais alto, o Itatiaia. Suas grandes quedas d’água – Iguaçú e Sete Quedas – superam em força a de Niágara, bem mais famosa, e estão entre as maiores reservas hidrelétricas do mundo. Suas cidades, como o Rio de Janeiro e São Paulo, ainda em pleno crescimento fantástico, já rivalizam com as europeias em luxo e beleza. Todas as formas de paisagem variam diante do olhar sempre fascinado, e a multiplicidade de sua fauna e flora há séculos garante aos cientistas sempre novas surpresas. Só a lista de suas espécies de pássaros é capaz de encher compêndios inteiros de catálogos, e cada nova expedição volta com centenas de novas espécies descobertas. Só o futuro desvendará o que jaz oculto sob o solo na forma de possibilidades latentes de minérios.

Certo é que as maiores reservas de minérios de ferro do mundo esperam aqui intactas, suficientes para abastecer toda a nossa terra durante séculos, e que não falta a este gigantesco país uma só espécie de minério, rocha ou planta. Por tudo que se tenha feito nos últimos anos para ordenar tudo isso, a verificação e a avaliação verdadeiras aqui ainda estão no começo, antes do começo decisivo. Por isso, é preciso repetir sempre: graças ao fato de ser virgem e tão amplo, este enorme país significa, para o nosso mundo apinhado de gente, muitas vezes já fatigado, esgotado, uma das maiores esperanças – e talvez a esperança mais justificada.

A primeira impressão deste país é de uma opulência desconcertante. Tudo é intenso – o sol, a luz, as cores. O azul do céu é mais retumbante, o verde, mais profundo e saciado, a terra, mais compacta e roxa – nenhum pintor seria capaz de encontrar em sua paleta matizes mais ardentes, ofuscantes, cintilantes do que os das plumas dos pássaros, das asas das borboletas. A natureza sempre se supera: nos temporais que rasgam os céus com seus raios estrondosos, nas chuvas que se precipitam como rios selvagens e na vegetação que em poucos meses se transforma em verdes e densos matagais. Mas também o solo, intacto há séculos e milênios e ainda não desafiado a mostrar seu pleno desempenho, responde a cada apelo com uma força quase inacreditável. Quando nos lembramos do esforço, do martírio, da habilidade, da tenacidade a que é preciso recorrer na Europa para que se possa extrair flores ou frutas de um campo, aqui, ao contrário, encontramos uma natureza que precisa ser domada para que não se desenvolva de forma demasiado selvagem e impetuosa. Aqui, o crescimento não necessita ser estimulado, e sim contido, para que em sua bárbara impetuosidade não sufoque o que é plantado pelo homem. Espontaneamente, sem que sejam necessários cuidados especiais, crescem as árvores e os arbustos que fornecem alimentos a uma grande parte da população – banana, manga, mandioca, abacaxi. E cada nova planta e árvore frutífera trazidas de outros continentes usam e abusam deste húmus virgem.

Tamanha impetuosidade e boa vontade – quase poderia se dizer: generosidade – com que esta terra responde a cada experiência que se tenta fazer com ela, paradoxalmente se transformou várias vezes em perigo para sua economia. Com sequência quase regular ocorreram crises de superprodução, unicamente porque tudo era muito rápido e simples. O episódio em que sacas de café foram lançadas ao mar, no século XX, é o exemplo mais recente. Cada vez que o Brasil começa a produzir alguma coisa, precisa se auto impor barreiras, a fim de evitar a superprodução. Por isso a história econômica do Brasil é cheia de mudanças surpreendentes, e talvez seja até mais dramática do que sua história política, pois geralmente o caráter econômico de um país é determinado inequivocamente desde o começo: cada país toca um instrumento, e o ritmo não muda essencialmente ao longo dos séculos. Um país é agrícola, outro extrai sua riqueza da madeira ou do minério, o terceiro, da pecuária. A linha da produção pode oscilar para cima ou para baixo, mas de um modo geral a direção permanece a mesma. O Brasil, ao contrário, é um país das constantes transformações e das mudanças bruscas. Na verdade, cada século produziu uma característica econômica diferente, e no decorrer desse drama, cada ato tem um nome: ouro ou açúcar, café, borracha ou madeira. Em cada século, em cada meio século, o Brasil revelou sempre uma nova e diferente surpresa quanto a seus abundantes recursos.”

ZWEIG, Stefan. Brasil, um país do futuro. Tradução de Kristina Michahelles. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: L&PM, 2006: 78 - 81.

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