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terça-feira, 31 de agosto de 2010

O MÍTICO-SUBSTANCIAL EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


O MÍTICO-SUBSTANCIAL EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


A objetividade histórica em A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa ― presente na narrativa como estrutura da proposição de realidade ficcional ― foi apreendida por intermédio de dois planos sintagmáticos que se fundem: o sócio-substancial e o mítico-substancial. O sertão desta narrativa compõe-se de matéria épica (ou matéria mítica) em estado bruto (não confundir com gênero épico): é um espaço onde não se distinguem demandas, superstições, misticismos. Ali o sobrenatural faz parte do cotidiano do sertanejo. Este é um remanescente do homem arcaico, portanto possuidor — ainda — de todos os valores que estruturavam as Idades que precederam a Era Moderna.

No primeiro segmento, destaca-se a figura do personagem Nhô Augusto como herói, tanto dentro da perspectiva mítica quanto da histórica. O personagem (neste momento, não penso nele como herói ficcional) atuando nos dois planos conceituais da realidade é o Todo Poderoso que submete o povo a seus desígnios. Mas como a ficção não se enquadra na categoria de épica (narrativa em versos), apenas possui a matéria mítica que garantirá uma interação entre os dois planos, este personagem ficcional do século XX, já revelando a decadência das normas severas do ontem eterno, caminha para uma espetacular desestruturação, característica do modelo romanesco moderno. Entretanto, apreendem-se nela (nesta ficção roseana) elementos que fazem parte da substância épica.

O “herói” Augusto Matraga (apenas nesta primeira fase da narrativa) se movimenta em seu espaço mítico/místico (novena, leilão de santo, procissão, reza, igreja iluminada) possuindo poderes próprios. Ele está tão distanciado de Deus, é tão ruim, que na hora do sofrimento físico e moral, invocando-O, Este não o atende, “nem para um fôlego”.

Neste espaço primitivo se sobrepõe quem é forte. Aos fracos cabe obedecer, pois quando um forte perde seus poderes de liderança é castigado com a morte pelo vencedor.

Outro signo mítico que se encontra presente nesta primeira sequência é o fogo. Este foi considerado, na antiguidade romana, divindade primordial da religião doméstica. Era o elemento sagrado que ardia dia e noite nos lares romanos, protegendo-os das influências negativas do cotidiano. Na Idade Média, torna-se um símbolo purificador. Em sua caça às bruxas, o cristianismo utilizou-o como forma de punição. Assim está presente na narrativa. Enquanto símbolo religioso, o fogo acompanha toda a trajetória do herói até o momento de sua queda. As candeias iluminam o cenário mítico/místico (“lanterninhas e muita luz de azeite”); na hora do sofrimento e prenúncio de morte a preta procurou “um coto de vela benta, para ser posta na mão do homem, na hora do Diga Jesus comigo, irmão...”; ao longo do processo de restabelecimento (do personagem e da narrativa), a preta acendia a candeia e trazia para perto do doente “uma estampa de Nossa Senhora do Rosário, e o terço”. Essa luzinha fazia-o lembrar-se de sua infância, “era o pavio, a tremer, com brilhos bonitos no poço de azeite, contando histórias da infância de Nhô Augusto, histórias mal lembradas, mas todas de bom e bonito final” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). E não há como esquecer que, por intermédio fogo, o herói foi punido. A marca do ferro em brasa irá acompanhá-lo até a morte.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A DIMENSÃO SÓCIO-SUBSTANCIAL EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


A DIMENSÃO SÓCIO-SUBSTANCIAL EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


No intuito de construir um estudo centralizado no texto, procurei pensar a narrativa A hora e vez de Augusto Matraga
de Guimarães Rosa partindo do processo literário de criação: a técnica do Artista, seu método de execução de trabalho, a forma de apreender o Histórico e de transformá-lo em realidade ficcional.

Segundo Anazildo Vasconcelos:

“Na narrativa de semiotização do acontecimento, a identidade do personagem com o espaço é rompida por um acontecimento, cuja lógica significativa, aliada ao fio narrativo, submete espaço e personagem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional. Desarticulados, personagem e espaço tornam-se impotentes diante do acontecimento. Incapazes de reduzirem-no às suas lógicas significantes respectivas, não conseguem recuperar a imagem do mundo estruturada, anterior ao acontecimento, e restabelecer a identidade perdida” (SILVA, Anazildo Vasconcelos. Semiotização Literária do Discurso
).

Ao desenvolver um modelo de trabalho, constatei que a narrativa se encaixava, em termos de padrões ficcionais, na narrativa de semiotização do acontecimento, de acordo com as observações teórico/semiológicas de Anazildo Vasconcelos, porque todo o sentido desta construção ficcional roseana se estrutura a partir de um acontecimento
que vem abalar o aparentemente sólido posicionamento sócio-substancial do personagem principal. Nhô Augusto comanda seu espaço vivencial e este, por sua vez, submete-se às suas exigências. Senhor absoluto de um pequeno lugarejo do sertão, o personagem se encontra, nas primeiras linhas, em toda a sua plenitude. Destaca-se como figura respeitada, temida, amada (observar, por exemplo, as atitudes servis do personagem Quim Recadeiro) e odiada, dando a impressão, em princípio, de colocar-se como representante de narrativa de personagem (característica de narrativa romântica). Esta impressão é desfeita nas sequências seguintes em virtude do Inesperado que se avizinha, e que sujeitará o personagem à lógica do acontecimento.

A mola propulsora que desencadeia o desmoronamento sócio-substancial e vivencial do personagem se situa a partir de um “leilão de atrás de igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). Este leilão é o “acontecimento, cuja lógica significante, aliada ao fio narrativo, submete espaço e personagem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional” (Anazildo Vasconcelos). Esta assertiva de Anazildo Vasconcelos esclarece e embasa-me, quando passo a observar gradativamente o jogo discursivo do narrador, no qual se observa, após a queda do personagem Nhô Augusto, a imposição provisória do espaço (o personagem é punido e se submete temporariamente aos limites impostos), a tentativa de emancipação, o conflito (personagem X espaço) que se instaura a partir da chegada do Tião, trazendo notícias que ninguém não tinha pedido (em A Hora e Vez de Augusto Matraga, a lógica do acontecimento sujeitando espaço e personagem), a chegada do bando de seu Joãozinho Bem-Bem significando o imprevisto dentro da narrativa, o convite de seu Joãozinho a Nhô Augusto, para que se amadrinhasse
com o seu bando, o desejo de aceitar e o medo de ser castigado. Por último, a reemancipação de Nhô Augusto, que não se efetua em termos de narrativa de personagem, porque, mesmo atingindo a plenitude, por meio de uma morte gloriosa, santificada, sua trajetória ficcional termina sob a imposição da lógica do acontecimento.

O personagem, ao retornar, visava a sua reestruturação social. Se antes, enquanto carismático, repetia sua jaculatória, tendo por finalidade unicamente a sua entrada no céu depois da morte, agora, que a submissão havia sido superada, destaca-se em toda a sua plenitude a dimensão sócio-ficcional. Percebe-se, nas páginas seguintes, que o personagem Nhô Augusto passa a comandar suas ações, porque o narrador roseano será, de agora em diante, senhor absoluto do seu ato de narrar, mesmo desconhecendo os rumos de sua narrativa (Narrativa de Acontecimento).

“E somente por hábito, quase, era que ia repetindo: — Cada um tem a sua hora, e há de chegar a minha vez!” (A Hora e Vez de Augusto Matraga
).

“Tanto assim, que nem escolhia, para dizer isso, as horas certas, às três horas fortes do dia, em que os anjos escutam e dizem amém...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga
).

Ele que já não olhava para “o bom parecer das mulheres” retornava ao antigo hábito: “Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia ser mulher” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). Esta citação prova que o personagem pretende recuperar seus poderes sócio-substanciais: a fé sofre modificações. O narrador, alter ego
de quem escreve, a observa através de seu próprio ponto de vista. Mas o imprevisto, submetido às lembranças, está presente, pronto para agir, e isto só se faz visível extratexto, por intermédio dos estranhamentos linguísticos, não em nível narrativo.

A propósito, destaco uma observação de Anazildo, a respeito do Realismo Mágico, resguardando a diferença de que a narrativa em questão não se situa dentro desta modalidade, mas, como base de apreensão teórica, o processo é idêntico.

“A imagem de mundo só é percebida como absurda, ou anormal, de fora, interpretativamente, por quem guarda uma outra experiência existencial” (Anazildo Vasconcelos).

A partir da chegada do personagem passageiro Tião da Teresa até o final há estranhamentos ao nível do discurso, e isto comprova o desejo do narrador roseano de interferir em sua narrativa, para que esta não se situe como singela reprodução da realidade.

Por uma perspectiva simplista, poderia afirmar que esta narrativa de Guimarães Rosa é realista, por procurar marcar o tradicional, o regional, por intermédio do método de contar estórias, mas não poderei fazer tal afirmativa, em virtude de a mesma romper com seus limites, por meio de um manejo linguístico complexo ao nível da estrutura narrativa. Por este prisma, o próprio narrador roseano agencia o insólito, utilizando-se de um estranhamento linguístico que foge aos padrões normais de uma narrativa de informação.

Por meio desses estranhamentos — o envolvimento do narrador com a matéria narrada, seus questionamentos, assombros, sua própria surpresa diante dos imprevistos, sua atitude de cúmplice com o leitor, o que normalmente seria o inverso — a lógica do acontecimento atua e o que aparentemente é uma vitória do personagem, nada mais é do que a vitória do acontecimento.

O narrador se surpreende e questiona o próprio discurso, procurando compreender e decifrar a desordem mental
(característica do narrador do século XX) em que se acha envolvido; assim passa a agir como experimentalista, buscando novas formas de apresentar o seu discurso ficcional, e estes sinais demonstram que, a partir daí, a sua própria lógica passará a atuar, e não a do personagem. O acontecimento, de ora em diante, será a força energética que estruturará o ato de narrar. Se a lógica do personagem atuasse deveras, até o final da narrativa, como em princípio se supõe, ele direcionaria seus impulsos existenciais, e não é isto o que se observa.

“Quando ele encostou a enxada e veio andando para a porta da cozinha, ainda não possuía idéia alguma do que ia fazer. Mas, dali a pouco, nada adiantavam, para retê-lo, os rogos reunidos de mãe preta Quitéria e de pai preto Serapião” (A Hora e Vez de Augusto Matraga
).

Seu retorno é pautado por um discurso intrincado, centrado no significante. Já não se observa mais a linguagem comum da ficção linear. O personagem fez sua viagem de volta ao sabor do acaso, e este acaso se estrutura a partir das divagações poéticas do narrador (matéria lírica interagindo com a matéria da narrativa em prosa). É um discurso revelador de ambigüidades e conotações — os quais caracterizam o discurso poético —, descrições de cenas pictóricas, cantigas, exclamações, interrogações, provérbios.

Entre marchas e contramarchas (de Nhô Augusto e do narrador),

“(...) somada as léguas e deduzidos os desvios, vinham eles sempre para o sul, na direção das maitacas viajoras. Agora, amiudava-se o aparecimento de pessoas – mais ranchos, mais casas, povoados, fazendas; depois, arraiais, brotando do chão. E então, de repente, estiveram a muito pouca distância do arraial do Murici” (A Hora e Vez de Augusto Matraga
).

No desenrolar dos acontecimentos, o personagem esperara "sua hora e vez" por meio da lógica do espaço (sua fé religiosa), e posteriormente por intermédio da lógica do personagem (o desejo de reestruturar-se). O arraial do Murici, povoado onde se inicia o desequilíbrio
existencial de Nhô Augusto, teria de ser o cenário no qual se daria a sua recuperação, porque o dito arraial, no plano narrativo, representa e concentra os problemas da modernidade. O retorno não se efetua porque a lógica do acontecimento possibilita novos sucessos imprevistos à narrativa. Esses imprevistos são sempre estruturados a partir do personagem (nitidamente ficcional) Joãozinho Bem-Bem.

Quase chegando ao seu arraial de origem, Nhô Augusto é levado por sua montaria, ao arraial do Rala-Coco, “onde havia, no momento, uma agitação assustada de povo” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). Há o reencontro com seu
Joãozinho e a jagunçada; há a reafirmação do convite; há o desejo de aceitar; mas há também a recusa, por saber que, por ter vivenciado e se ligado a valores espirituais, continuava preso à sua promessa. Posso dizer, pelo ponto de vista da interpretação extratexto, que sua hora e vez teria de chegar, mas sem que abdicasse de todas as formas de poder que conhecera em sua vida.

Os outros imprevistos são a notícia da morte do Juruminho, a chegada do velho desvalido e a defesa instintiva de Nhô Augusto — fatos que colaboram para que o desfecho se situe dentro dos desígnios do acontecimento. O personagem e o espaço se submetem a logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional
reivindicada pelo momento histórico (cf. Anazildo Vasconcelos, op. cit.). Por último, como elemento desencadeador do conflito final, visualiza-se a figura do jagunço Teófilo Sussuarana agindo impensadamente e destruindo a possibilidade de reestruturação.

"Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era bronco, excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz:

— Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga
)

Sua hora e vez” — e esta frase é o ponto básico da narrativa — chega inesperadamente. O personagem Nhô Augusto só se dá conta de que “sua vez” chegara na hora da luta. O personagem passageiro Teófilo Sussuarana se destaca como elemento de interseção, o agenciador do acontecimento. Há a mortal luta entre Nhô Augusto e Joãozinho Bem-Bem. Os dois personagens roseanos morrem em condições idênticas. Nesta narrativa não há vencedores. Os dois iguais serão enterrados em chão sagrado
, ou seja, ficcional.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

domingo, 29 de agosto de 2010

7.3 – SEQUÊNCIAS E ESQUEMAS: FUNDAMENTO E INVESTIGAÇÃO

NEUZA MACHADO


7.3 – SEQUÊNCIAS E ESQUEMAS: FUNDAMENTO E INVESTIGAÇÃO

NEUZA MACHADO


Sequências Ficcionais da narrativa A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa:


1a sequência: Os dois planos substanciais


Sertão: Dimensão Real (sócio-substancial)

· Poder

· Queda

· Ressurreição

· Arrependimento

· Conversão

· Êxodo


Sertão: Dimensão Mítica/Mística (mítico/místico-substancial)

· Sertão mítico/místico

· Destino

· Deus (que não atende)

· Deus (que dá o jeito).

· Reino do Céu: o mítico e o místico


2a sequencia: Linha de interação que separa o sócio-substancial do mítico-substancial

Ex-Cêntrico

· Meio doido (sanidade / loucura)

· Meio santo (profano / sagrado)

3a sequência: Ligada à linha de interseção que separa o mítico-substancial do sócio-substancial


Conflito

· Tião da Thereza (agenciador do conflito)

· Deus e diabo (medos e questionamentos)

· A espera da libertação

4a sequência: Ligada à linha de interseção que separa a História da Ficção

Acontecimento

· Chegada de seu Joãozinho Bem-Bem e seu Bando (possível solução para o conflito)

5a sequência: Ligada exclusivamente à Dimensão Ficcional

Retorno e Santificação

· Solução e desfecho sob as ordens do Acaso

· Acontecimentos insólitos e imprevistos subjugando o personagem e anulando as imposições do espaço


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

sábado, 28 de agosto de 2010

7.2 – AS SEQUÊNCIAS ESQUEMÁTICAS DO FICCIONAL

NEUZA MACHADO



7.2 – AS SEQUÊNCIAS ESQUEMÁTICAS DO FICCIONAL

NEUZA MACHADO


Para legitimar este meu compromisso inicial com a Semiologia da Literatura, é necessário informar que sequências esquemáticas são modelos analíticos que possibilitam a compreensão de certas unidades estruturais. Elas aparecerão, nas páginas seguintes, como alicerce da construção de meu pensamento, que tem por proposta decodificar as várias faces/fases do narrador de A hora e vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa, procurando decodificar também as faces/fases do narrador em geral.

Por tais diretrizes, dividi o texto em cinco sequências esquemáticas, objetivando estruturar o desenvolvimento de minhas idéias e o futuro entendimento do leitor.

Submetida aos postulados da semiologia de base histórica, explicando a forma de comunicação do Homem, apreendi, ao desenvolver a análise, as duas dimensões do Histórico: as realidades sócio-substancial e mítico-substancial, ambas sintagmáticas. (Não será demais observar, desde já, que o conteúdo paradigmático ― de A hora e vez de Augusto Matraga ― só se torna apreensível quando se desenvolve uma busca fenomenológica, ou seja, uma compreensão das entrelinhas. É de vital importância esclarecer que, nesta primeira etapa, desenvolvo apenas uma análise do plano visível da narrativa).

O termo substancial passa a nomear, a partir de agora, o conjunto de idéias, mentalidades e significações, algo próximo daquilo que os marxistas chamam de ideologia.

Prefiro utilizar a palavra substancial ao invés de ideologia, para evitar complexas discussões, tais como ideologia dominante ou outras questões não ligadas ao núcleo de meus argumentos.

Retomando as explicações sobre as sequências ficcionais, assento que, além das cinco supracitadas, destacam-se algumas mini-sequências subdividindo a primeira etapa, nas quais se apreendem as duas dimensões já assinaladas. Estas mini-sequências estruturarão, a seguir, a compreensão e apreensão das etapas evolutivas da narrativa.

Não posso evitar, nestas primeiras páginas, de referir-me a assuntos que só serão explicados muito depois. Neste caso estão as referências religiosas, referências estas que explicitam as transformações do personagem Augusto Matraga como representante do narrador ficcional do século XX. Essas transformações constituem elementos de base dos acontecimentos vindouros, os quais acarretarão o desfecho da narrativa. Assim, além das cinco sequências do plano esquemático, há aquela que se refere à infância do personagem, apreendida por intermédio de trechos esporádicos e que estruturam a face do carismático-religioso, face esta problemática e ambígua que vai gerar o conflito do personagem (e do narrador). Utilizei o termo carismático-religioso porque, segundo Max Weber, há o carismático-guerreiro. O personagem Joãozinho Bem-Bem seria a imagem ficcional do carismático-guerreiro.

Permita o leitor uma rápida digressão: as referências religiosas à infância e ao passado do personagem têm como função significar seu caráter desencontrado e instável, o que motivará o desejo de reequilíbrio após a queda.

Certamente, o leilão é o elemento desencadeador dos acontecimentos vindouros, mas não posso deixar de destacar as referências de ordem religiosa, pois são elas que sustentam o espaço mítico-substancial do sertão roseano ― ou seja, a religiosidade mítico/mística do povo sertanejo remetendo os leitores a um leilão de santo. São elas que sustentam também o personagem: aquele que fora criado por avó beata, "que queria o menino p’ra padre... Rezar, rezar, o tempo todo, santimônia e ladainha" (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Este aspecto religioso vem inserido na narrativa por meio de trechos intercalados, os quais provam não ter sido somente a perda dos poderes políticos que levaram o personagem a desenvolver uma outra espécie de poder — o poder carismático-religioso — para impor-se como personagem e novamente submeter o espaço (sócio-substancial) a seu raciocínio. A religiosidade lhe fora incutida na infância por intermédio da avó e do próprio espaço (sócio-substancial). A narrativa prova que o espaço contribuiu para que esses conceitos ficassem em incubação. Outros fatores ajudaram e impediram que o personagem não desenvolvesse a religiosidade de seu caráter, e isto o narrador também procura transmitir. Por exemplo, o pai leso, o tio criminoso, a morte da mãe.

“Fora assim desde menino, uma meninice à larga; de filho único de pai pancrácio”.

Fala do tio de Dionóra, lamentando a sina da sobrinha:

“Mãe de Nhô Augusto morreu, com ele ainda pequeno... Teu sogro era um leso, não era p’ra chefe de família... Pai era como que Nhô Augusto não tivesse... Um tio era criminoso, de mais de uma morte, que vivia escondido, lá no Saco-da-Embira...”

A avó procurou transmitir-lhe conceitos religiosos:

“Quem criou Nhô Augusto foi a avó... Queria o menino p’ra padre... Rezar, rezar, o tempo todo, santimônia e ladainha...”

Só depois da surra sofrida essa religiosidade aparece:

“E ele teve uma vontade virgem, uma precisão de contar a sua desgraça, de repassar as misérias de sua vida. Mas mordeu a fala e não desabafou. Também não rezou. Porém a luzinha da candeia era o pavio, a tremer, com brilhos bonitos no poço de azeite, contando histórias da infância de Nhô Augusto, histórias mal lembradas, mas todas de bom e bonito final”.

A luzinha da candeia funciona como interseção, ligando o passado do personagem ao seu futuro desejo de reestruturar-se.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

7.1 - SEMIOLOGIA DO DISCURSO FICCIONAL: PRELIMINARES

NEUZA MACHADO


7.1 - SEMIOLOGIA DO DISCURSO FICCIONAL: PRELIMINARES

NEUZA MACHADO


Preliminares - A primeira parte desta propedêutica sinaliza-se como um repasse semiológico que tem por fim fundamentar as minhas teorizações (ou interpretações) sobre o narrador de
A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa. O desenvolvimento interativo de minhas idéias sobre o narrador do século XX inicia-se na segunda parte: Sociologia do Discurso Ficcional.

Todos os elementos que constroem esta minha teoria sobre este já nomeado narrador roseano (a semiologia de Anazildo Vasconcelos e Greimas, a sociologia de Max Weber, as teorias de Georg Lukács e Lucien Goldmann, Benjamin, Lefebve, além da verificação hermenêutica) se encontram aqui modificados, isto é, apropriei-me de parte deste arsenal de idéias, normas científicas, desenvolvimento de estudos teóricos, na tentativa de construir, a partir daí, um novo e próprio sistema, avançando no espaço de minhas indagações prioritárias. Esta observação se faz necessária uma vez que utilizei e reuni conteúdos de áreas diversas e aparentemente contraditórias. A semiologia é uma ciência quase neutra. Max Weber é um sociólogo considerado (por Lukács) burguês. Lukács, Goldmann e Benjamin são, cada um a seu modo, pensadores marxistas. A hermenêutica é de certo modo uma fenomenologia. São ciências oriundas de diversas diretrizes teórico-críticas e que aparecem aqui como empréstimos, já que abordo o texto ficcional por várias perspectivas, na tentativa de destacar os seus diversos sentidos e o valor de seus fundamentos.

Posso dizer que esta minha interpretação ― que tem por base estudos analítico-semiológicos ― é parenta de uma possível genealogia à maneira de Nietzche. Mas, prefiro dizer que o objeto de estudo sempre sugere o método de abordagem, ou a pluralidade de métodos exigidos para que se consiga compreender aquilo que estou, em toda parte destas páginas, tencionando dizer.

Segundo Perelman (“Pluralismo e teoria social: primeiras notas de pesquisa”: A crise da ciência. IDEIA 1/1989), a pluralidade das disciplinas nos meios acadêmicos corresponde a uma pluralidade de métodos. É nosso tempo um tempo de pluralismo, esta espécie de doença de um mundo em fragmentação. São teorias que disputam seu lugar no cenário e na atenção do auditório. O pensamento moderno sofre de hiperrelativismo na diversidade da relação entre realidade e teorias, na luta entre sistemas diferentes, nas diferenças de interpretação. A teoria literária do final do século XX e deste início de milênio é uma pluralidade teórica que inclui a pluralidade do real. Esse esfacelamento apontaria para o fim da ciência, talvez até para o fim da teoria literária, de tal modo que a palavra interpretação quase signifique o direito de opinar, numa opinião subjetiva e não científica. Ora, a opinião é justamente o erro do pensamento que penso evitar.

O fragmentado e pluralista universo ficcional do século XX foi um reflexo desta interação problemática entre o Homem (também fragmentado e pluralista) e seu Mundo substancial, e ainda o é neste início de século XXI. No intuito de explicar melhor, refaço meu pensamento: da mesma forma em que há ações recíprocas entre o Homem (seus valores individuais) e o Mundo (com seus valores codificados, culturais e sociais), e circunstâncias impelindo o Homem a buscar valores que existiam em um passado distante (e que não existem mais, graças a uma tecnologia incapaz de sustentá-los convincentemente), assim foi o universo ficcional dos anos noventa, e assim permanece neste início de século XXI (Terceiro Milênio).

Agora a humanidade vive momentos de desestruturação, procurando o equilíbrio no Caos. Não há soluções simples. O Homem é um ser fragmentado que se autoquestiona e questiona o Mundo circundante, sem encontrar respostas em seu espaço conceitual.

Inserido neste processo desestruturante localiza-se o discurso ficcional do Narrador da centúria passada, o qual, nestas páginas iniciais em que apoio-me na orientação semiológica, será o foco desta análise. Por esta perspectiva, detecta-se o motivo que faz esta narrativa aqui assinalada, de Guimarães Rosa (inserida também no corpus de Sagarana), não se enquadrar no que comumente se designa como narrativa tradicional experiente (se penso na nomenclatura de Walter Benjamim). Eis o motivo, de acordo com os dogmas semiológicos: Personagem e Espaço se encontram submetidos à lógica dos Acontecimentos desencontrados, insólitos. Como demonstrou Anazildo Vasconcelos no seu Semiotização literária do discurso não há, na ficção do século XX, propostas de narrativas centralizadas no personagem ou no espaço (Romantismo e Realismo).

“Liberada da imposição significante do espaço e do personagem, a lógica do acontecimento, aliada ao fio narrativo, estrutura uma proposição de realidade ficcional, que o espaço não codifica, nem o personagem consegue converter em experiência individual” (Anazildo Vasconcelos da Silva. Semiotização Literária do discurso. RJ: Elo, 1984).

O espaço não impõe seus códigos porque estes são contraditórios, desencontrados. O personagem se desestrutura em meio à fragmentação do todo, à fragmentação interior, à fragmentação social. Há um desejo urgente de reestruturação. O personagem da ficção do século XX, de um modo geral, busca equilibrar-se, mas é impedido pela lógica do acontecimento, raciocínio particular dos ficcionistas do século próximo passado, incluindo os de agora, que buscam a coerência existencial no discurso aparentemente incoerente.

É por esta perspectiva de desestruturação e no desejo de estruturar-se que vejo as figuras do narrador e do homem modernos (ERA MODERNA).


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

6 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


6 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO

Para sedimentar meu ponto de vista sobre o narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa (e possivelmente sobre o narrador da Era Moderna em geral), como já foi dito e repetido exaustivamente, apoiei-me, em primeiro lugar, na semiologia, de acordo com os sistemas analíticos (por mim, apropriados e modificados) de Anazildo Vasconcelos, Greimas, Umberto Eco e Roland Barthes. Tal adequação se explica porque entendo que esses semiólogos aqui nomeados conseguiram decodificar os signos e sinais contidos em um texto, enquanto coisa visível, mas, mesmo submetidos aos limites de uma análise sintagmática, passaram adiante, permitindo a outros investigadores e intérpretes (os chamados Fenomenólogos) uma ultrapassagem no sistema de signos. Esta evolução da Crítica Literária, associada à análise sintagmática, proporcionou o entendimento da dimensão paradigmática do literário propriamente dito.

Além da Semiologia de Segunda Geração, servi-me dos ensinamentos de outros estudiosos da literatura, de outras correntes críticas, como Max Weber, Lukács e Benjamin (sociólogos da literatura), e subentende-se aqui a contribuição da hermenêutica, visando à compreensão dos sentidos ocultos do texto-arte. É importante reafirmar que a experiência de contemplação da literatura-arte tem de abranger os dados visíveis e não-visíveis. Para que se possa alcançar o não-visível, necessita-se de um conhecimento que se instaure a partir do mundo significado (com a sua própria dinâmica).

Utilizarei, portanto, nas páginas seguintes desta minha apreciação teórico-reflexiva um raciocínio transmutativo (e tautológico) para postular uma abordagem analítico-interpretativa em que a soma de argumentos promoverá (ou não) a confirmação desta proposta: provar que, em A hora e vez de Augusto Matraga, de autoria do escritor mineiro Guimarães Rosa, o incomodado narrador do século XX abandona o tom memorialista e toma a vez do personagem principal.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

5 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


5 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


A Crítica Literária de Orientação Fenomenológica escolhida como diretriz essencial, esclarecedora e comprovadora (a interpretação propriamente dita), permite identificar o narrador de qualquer texto ficcional romanesco da Era Moderna (diferente do narrador épico) como um ser fundamentalmente e holisticamente comunitário, em comunhão ou conflito com seu espaço substancial. Este narrador nitidamente da Era Moderna (repetindo para não haver dúvida: narrador da Era Moderna) se situa em um plano intermediário, entre o Histórico e o Ficcional, ao mesmo tempo em que se insere no plano histórico como singularidade ativa do seu núcleo social, inseparável, por sua vez, da ação do mundo que o cerca. (Atenção: quem assume interagir insolitamente com o plano ficcional, transmutando criativamente o plano histórico-social, é o narrador pós-moderno).

Assim, explicando para futuro entendimento, no decorrer da segunda etapa dessas minhas reflexões sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga (um texto ficcional de uma fase de transição do escritor mineiro Guimarães Rosa), submetida a postulados sociológicos, procurarei pensar o narrador em questão como o verdadeiro herói problemático, representante do mundo burguês capitalista, estudado por George Lukács e reafirmado por Lucien Goldmann. Ainda pelo ponto de vista de postulados sociológicos, e usando Max Weber, detectarei a quebra da monotonia memorialista, a queda do herói e a sua assunção centralizando o universo ficcional, tornando-se um semideus com poderes de vida e morte, agindo como único dono de um discurso que reflete as contradições da História do seu tempo (além de refletir, também, os paradoxos de quem narra). Necessito salientar que, com o auxílio de leituras de textos filosóficos weberianos (ainda, válidos, com raras ressalvas, ainda intelectualmente recomendados), pude apreender as faces/fases deste narrador singular contidas na narrativa A Hora e Vez de Augusto Matraga: a face/fase do poder, a face/fase do carisma e a face/fase do ficcional, todas também simbolizando as faces/fases do Mundo.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

4 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


4 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


O estudo semiológico do texto ficcional A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa, anteriormente realçado como base de minhas induções teórico-reflexivas, prende-se à Semiologia de Segunda Geração. Para que fique bem esclarecida a questão, há somente duas formas de se desenvolver estudos semiológicos centralizados apenas no texto enquanto coisa visível da obra literária. A primeira, mais usada pelos semiólogos radicais (Semiologia de Primeira Geração), estrutura-se a partir de um esquema fechado, instrumento seguro para detectar os sinais e códigos contidos na escrita, portanto, um estudo que objetiva trabalhar apenas a comunicação, as trocas linguísticas realizadas por meio da comunicação, os códigos que compõem esta rede de sinais presente na Literatura.

Esta primeira forma (Semiologia de Primeira Geração) direciona a apenas um tipo de abordagem (puramente científica), não permitindo, em hipótese alguma, uma futura reflexão interpretativa. Esta primeira forma estabelece e determina uma codificação do texto (impõe-se como estudo analítico, objetivo).

Quanto à segunda forma (Semiologia de Segunda Geração), o ato de se desenvolver um esquema semiológico (codificação do texto), promove uma decodificação. O texto se torna claro, os planos se tornam visíveis, o raciocínio se amplia, exigindo uma posterior interpretação. Este estudo semiológico se fixa dentro da segunda forma de se desenvolver um estudo esquemático e, posteriormente, interpretativo, em que a História é a base que explica a forma de comunicação humana. O código linguístico possui alguma ambiguidade, e o código do texto ficcional-arte que se vale do imaginário-em-aberto é pluri-ambíguo. Assim, não há como eliminar as conotações que fazem parte da linguagem enquanto um conjunto de sinais escritos, dentro do aspecto linguístico (normalmente inserido também no texto-arte) ou do literário-arte.

Ainda, no que diz respeito especificamente à obra de arte literária-ficcional, a ambiguidade, que gera o lado inconsciente da mensagem, será sempre mais forte do que os códigos. Esta segunda abordagem semiológica (de Segunda Geração), não apenas científica, não impede que se observem outros planos da obra literária. Por tais aspectos (ressalvando mais uma vez que a Semiologia de Segunda Geração aqui se revelará apenas como base para a exploração das camadas ocultas do texto roseano), procurei pensar não os códigos que compõem a rede de comunicação humana inseridos na ficção, mas o discurso narrativo como soma de códigos, investimento de que se serve o narrador de A hora e vez de Augusto Matraga para fundamentar a sua proposição de realidade ficcional.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

domingo, 22 de agosto de 2010

3 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO



3 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


Em razão da necessidade de se produzir teorias objetivas, limitarei a análise do narrador e da matéria enfocada a dois aspectos apenas: o semiológico (Semiologia de Segunda Geração) e o sociológico. Além da Semiologia anunciada, o estudo sociológico de base weberiana mostrar-se-á aqui visível, mas, para que fique claro o meu parecer teórico-reflexivo, esta propedêutica se centralizará na diegese do texto, na qual afloram as substâncias ideológicas modernas (Era Moderna) e os aspectos sociais de um determinado ontem histórico.

Desejo esclarecer que não afastarei outras contribuições teóricas. Elas aparecerão páginas adiante, porque concebo a minha interação analítica com este texto ficcional dentro de um raciocínio transmutativo, pois, neste momento repleto de informações globalizadas, estou consciente de que não devo esquecer-me das contribuições filosóficas e científicas que me forem úteis.

Estes subsídios, principalmente os filosóficos, irão permitir-me ultrapassar os limites da Semiologia — o estudo esquemático e a análise semiológica — e alcançar a compreensão das representações e invenções subjacentes no espaço absoluto da arte.

Fecharei minhas considerações, certa da importância de tais exames cujos enfoques recaem na figura paradoxal do narrador roseano de A hora e vez de Augusto Matraga, um personagem que reflete os paradoxos do Artista Ficcional do novecentos.

Como já afirmei, esta teoria enfocará o supracitado narrador, um diferenciado alter ego do citadino ficcionista do século XX, entretanto (sem esquecer as origens do escritor), mesmo já citadino, um ficcionista nato do sertão de Minas Gerais. A partir desse narrador paradoxal, esta teoria questionará o narrador moderno (Era da Modernidade em fase de transição para a Pós-Modernidade), personagem problemático (conferir a nomenclatura de George Lukács), refletor da burguesia do século XX e de um capitalismo contemporâneo que se instala sobre um capitalismo periférico brasileiro.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

sábado, 21 de agosto de 2010

2 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


2 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE
A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


Narrador ficcional, pelo ponto de vista da Semiologia de Segunda Geração, é instância produtora de texto narrativo. Por este ângulo, penso no narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga especialmente como aquele que decide o valor dos elementos ficcionais, e esse valor é sempre um valor na referência a outros valores: valor moral, valor religioso, valor político. O narrador ficcional do século XX, como instância produtora de sentido, direciona e produz o fluxo narrativo, determina o sentido de destino, o sentido do sentido. O sentido é um conjunto de forças. Não damos conta do sentido de uma coisa sem antes considerarmos quais as forças que se apropriam dela. É assim que sentido aparece na filosofia de Nietzche, segundo a interpretação de Gilles Deleuze (Nietzche e a Filosofia). Mas as decisões de valor e os rumos do sentido de uma narrativa são derivados do discurso do Narrador.

Nas páginas que virão a seguir, dialetizando conscienciosamente meu ponto de vista teórico-crítico, posso afirmar que o narrador aqui realçado é alter ego do Artista Ficcional do século XX, como todos os outros narradores desta centúria e seus respectivos demiurgos, mas, sobretudo, neste caso específico, é alter ego daquele que recebeu, ao nascer, valores sertanejos. O que significa tal afirmação? Que este narrador, como personagem de narrativa em prosa, não consegue se tornar autônomo da face ficcional daquele que o concebeu. Assim, esclarecida a questão, é de meu interesse destacar o momento em que o narrador de A hora e vez de Augusto Matraga, enquanto personagem atuante, abandona a quase oralidade (característica do narrador experiente, descompromissado e informativo, a ditar normas de conduta à geração futura) para tomar a vez do herói, tornando-se questionador, mas livre e lírico, deixando suas recordações de uma localidade que lhe foi cara no passado aflorarem espontaneamente. Mesmo livre e lírico conduz-se como um narrador ficcional singular, e na etapa final da narrativa, já como representante da moderna burguesia, passa a apresentar a sua visão social de um mundo arcaico (o sertão) como símbolo de suas raízes de vida.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

1 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


1 - O NARRADOR TOMA A VEZ: SOBRE A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


O propósito desta averiguação teórico-reflexiva é apresentar aos estudiosos das narrativas ficcionais ― brasileiras ―, manifestadas no século XX, um reformulado conceito de narrador, realçando o fato de que o meu pensamento analítico-interpretativo se direcionará pelo ponto de vista da interdisciplinaridade. Consciente de que a crítica atual exige do analista e/ou intérprete um conhecimento alargado que abarque mais de um ponto de vista teórico-crítico (analítico ou fenomenológico), estarei, nas páginas seguintes, analisando semiológica e sociologicamente o desempenho de um narrador em particular: o narrador de A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa.

Este narrador não poderá ser reconhecido, em estudos futuros, apenas como personagem ficcional (se penso na afirmação de Roland Barthes registrada em meados do século XX: o narrador é um personagem como outro qualquer), uma vez que o vejo também como alter ego de seu criador ficcional (nascido em uma localidade de Minas Gerais refletora de antigos costumes ditados por experiências de vida comunitárias), mas que, ao longo de sua vida, participou das normas da moderna sociedade capitalista.

Para oferecer consistência às minhas idéias diferenciadas, busquei auxílio, em um primeiro momento, na Semiologia Literária de Segunda Geração e, posteriormente, em Estudos Sociológicos de Textos Literários já reconhecidos no âmbito da Ciência da Literatura. A Semiologia de Segunda Geração (de Greimas, Barthes, Umberto Eco e Anazildo Vasconcelos), nos capítulos iniciais, poderá ser entendida como o alicerce que consolidou o desenvolvimento da conceituação na construção de um corpo teórico preciso para o ponto de vista analítico. As análises permitiram o desvelamento do texto ficcional e, ao mesmo tempo, sedimentaram as interpretações extratexto.

A Semiologia supracitada forneceu o fundamento que possibilitou a defesa da idéia de que o narrador sertanejo (entretanto, narrador do século XX) de A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, poderá ser conceituado como um personagem representante da sua classe social adaptada aos valores da burguesia (voz das experiências de seu criador, aquele que, por isto mesmo, no desenrolar da narrativa sofre os conflitos do capitalismo periférico brasileiro, enquanto apresenta uma comunidade pura e seu herói). E se penso que a perspectiva do narrador roseano tem ligações temporais com as substâncias burguesas, posso adiantar incluso que a matéria apreendida no sertão, enquanto realidade histórica, é de um mundo primitivo, imaculado, e em vias de extinção. Este narrador especialmente está nas representações desta comunidade refletora de antigas substâncias primitivas, entretanto e contraditoriamente, relacionada com hábitos burgueses. Esta aparente contradição é concebível uma vez que o Ficcionista Guimarães Rosa, ao longo de sua existência, tornou-se conhecido como um cidadão moderno, viajado, culto, cosmopolita, mas as suas origens de vida reportam-no para as comunidades fechadas do passado, pois se criou ali.

MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

02 DE OUTUBRO DE 2009: UMA BRASILEIRA REPLETA DE SONHOS DE GRANDEZA PATRIÓTICA




02 DE OUTUBRO DE 2009: UMA BRASILEIRA REPLETA DE SONHOS DE GRANDEZA PATRIÓTICA
NEUZA MACHADO


Em 2001, depois daquele fatídico 11 de Setembro nos Estados Unidos, um fato que abalou os alicerces do Mundo da Pós-Modernidade, eu me percebia uma pessoa socialmente angustiada. Envolta por vários desconfortos político-sociais, visualizava para nós brasileiros, em relação ao futuro imediato, um Brasil sem perspectivas de crescimento sócio-financeiro (para a maior parte dos brasileiros, aqueles jamais agraciados com uma condição econômica razoável).

Naquele momento (em 2001), uma angústia absoluta se alojou em meu coração, uma pré-ocupação com o Porvir, uma sensação de derrota irreversível (pois o governo do momento já estava quase finalizando o seu mandato e ainda não se mostravam as melhoras sociais prometidas). O meu salário como professora horista, por mais que eu trabalhasse em Instituições diferentes ― na época, duas matrículas em Instituições Privadas ―, não me creditava uma razoável tranquilidade para que eu pudesse saldar os diversos compromissos financeiros/familiares.

A fome de milhões de brasileiros da chamada Classe dos Excluídos (naquele ano de 2001, computando a maior parte) era o tema preferido nos noticiários dos jornais (quem estiver interessado em entender o assunto, é só pesquisar nos jornais e Internet daquela época), os quais instalavam o pânico e a impressão de que poucos brasileiros se salvariam da iminente hecatombe, e poucos teriam a chance de sair do Brasil levando suas fortunas para qualquer outro país mais desenvolvido (até mesmo a mídia, aliada ao governo da época, viu-se obrigada a noticiar a terrível praga que estava atingindo a maioria da população brasileira).

Foi então que, submetida às pressões vitais daquele início de Terceiro Milênio, iniciei as minhas Epístolas aos Homens do Futuro, utilizando-me de palavras provocativamente modificadas (pois os jargões estrangeiros imperavam no Brasil, sendo exaltados nas propagandas de cursos de idiomas, principalmente nos cursos de inglês). Em contrapartida, nas entrelinhas das Cartas, eu demonstrava uma confiança inabalável em uma reviravolta político-social que propiciasse aos brasileiros de baixa renda, e aos sem nenhuma renda, melhores dias de vida.

Naquele ano de 2001 (em que eu me via submetida a um altíssimo grau de desilusão patriótica), inseri nas ditas Cartas minhas íntimas premonições. Entretanto, as tais Cartas relacionavam-se a um Porvir melhor, anunciando aos Brasileiros do Futuro uma Nova Pátria que, segundo os meus supostos vaticínios, se mostraria grandiosa, afortunada.

Mas, observava a provável evolução daquela realidade brasileira (muuuito almejada!) por uma ótica temporalmente distante.

Em meus sonhos de grandeza patriótica, vendo o Brasil devendo ao FMI (os Impostos impostos não eram suficientes para saldar a dívida), pensava que não iria presenciar, com meus olhos, de corpo presente, um momento tão importante para a minha Nação. Não percebia, para o meu gáudio instântaneo, em termos vitais, a possibilidade de uma evolução tão rápida dos acontecimentos. Mesmo com pouca esperança de uma rápida e benéfica transformação social para o Brasil, nas eleições presidenciais (que vieram a seguir), apostei todas as minhas fichas político-partidárias na vitória do petista metalúrgico Luís Inácio da Silva (aliás, apostas estas reincidentes, teimosas, conscientes, que já haviam sido praticadas em três eleições anteriores em favor de Luís Inácio).

Assim, quando, em plena Era Lula (um grande e iluminado Presidente, ainda hoje menosprezado preconceituosamente pela mídia opositora e pela pequena elite burguesa do Brasil), para a minha indisfarçável alegria, leio a matéria jornalística especializada em Economia, “Crise Fortaleceu o Papel do Brasil No Mundo, Dizem Analistas”, no Site BBC do Brasil (07 de Setembro de 2009), a minha emoção se torna algo inenarrável. A minha confiança por saber que os meus futuros bisnetos nascerão em um País respeitado no mundo inteiro é algo que (segundo meus pensamentos deste momento) merece registro. Mesmo que o meu País não se torne (no Futuro) o Maioral entre os países maiorais do Planeta, o fato da terríííííível fome no Brasil (principalmente no Nordeste), neste momento já se encontrar sob um razoável controle (apesar de bolsões de pobreza extrema ainda existirem), o meu coração já se sente aliviado.

Não obstante os problemas dos brasileiros ainda não terem sido devidamente solucionados, neste penúltimo ano do segundo mandato do Presidente Lula, no mês de setembro de 2009, percebi que foi conscientemente válido ter apostado em sua segura Gerência Presidencial (apesar da mídia opositora).

E hoje, 02 de Outubro de 2009, consolidou-se a minha certeza. E sei também que no final do ano de 2010 estarei com o meu coração em paz!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

XXIII – EM QUE PERSISTE A NARRADORA EM VERSIFICAR O DESVIO QUE FINALIZOU O CORDEL DA VIAGEM DA QUIXOTINNA



XXIII – EM QUE PERSISTE A NARRADORA EM VERSIFICAR O DESVIO QUE FINALIZOU O CORDEL DA VIAGEM DA QUIXOTINNA

NEUZA MACHADO


Mesmo Querendo Chegar
Muito Bem DePressinha
Ao Alto da Conceição,
Para Cumprir a Promessinha
De Visitar o Ancião,
O TetraVovô Amadeus,
No Dito Monte em Questão,
Um Descendente de Zeus,
Um Espectro n’Amplidão,
Um Vulto Bem Varonil
Nos Montes do Meu Sertão,
Um TetraVô Bem Gentil
A Viver em Solidão,
Pois Vivo Já Não Estava
Neste Mundão Sem-Razão,
O Veiro Já Habitava
O Reino da Mansidão,
Mas, a Dianna o Cultuava
Com Fiel Veneração,
E a Vei-Figura Invocava
Nos Momentos de Aflição.

E, Naquele Dia Instigante,
O Sol a Iluminar a Amplidão,
A Quixotinn’Adamante
Voava Com o Seu Figurão,
O Faetonte Brilhante,
O Solzão do Meu Rincão,
Filho de Apollo Cantante
De Antiga Veneração,
O Sol Que Muito Brilhava,
Por Apelido, Toinzão,
E, Por Vezes!, Retomava
O Início da Canção,
Em Seu RePensar, Intrigava,
Um RePensar Enrolão!,
E a Carruagem Riscava
O Lindo Céu da Bell Nação,
E a Dita Cuj’Anelava!,
Ao Lado de Quem Amava,
O Grã Jaião Bonitão,
E Meio Acordada, Sonhava,
Embalada na Paixão,
E Em Seu Sonho Já Vibrava,
Pensando Que Já Chegava
Ao Alto da Conceição,
Pois Uma Visita Faltava
Ao Amadeus Antigão.

O Que Aconteceu Realmente,
Botai Fé na Contação,
Parece um Fato De Mente,
Coisa de Assombração,
A Quixotinna Mineira,
Voando a Direção
Da Serra Bem Brasileira,
Serra de Concepção,
Numa Guinada, Altaneira!,
Abraçada ao Toinzão,
Perdeu o Rumo, Carroceira!,
Tirou dos Leões o Guião,
Colocou-os à Dianteira,
Voando Sem Prescrição,
E Sem Menos, Nem Muito Mais!,
Levou a Vimana-Avião
Pra Longe de Minas Gerais
Esquecida da Razão
Do Projeto Inicial
De Sua Nova Canção,
Pois o Primeiro Trajeto,
Depois do Fugir Triunfal,
Seria Visitar o Dileto,
O Amadeus Fantasmal,
O TetraVô, Tão Correto!,
No Grande Templo Florestal
Do Alto da Conceição.

E a Viagem Programada,
Com Muito Mel no Farnel!,
Com Rumo!, Bem Animada!,
A Viajar Pelo Céu,
Entrou Por Uma Via de Nada!
Não Preencheu o Papel!
Pois a Quixotinna Aluada
S’Encantou Por Um Segrel
De Trovação Renovada,
Deixou de Lado o Cordel
Da Vimana Ensolarada,
E, Com o Talzinho — Sem o Véu!,
Sem Vimana’Iluminada! —,
Saiu, Sem Rota!, Ao Léu!,
Com o Novo, Bem Abraçada!,
N’Um Automóvel Corcel
Que Rodou em Disparada,
Seguindo o Neo-Carretel
Da Estrada Enluarada.

sábado, 7 de agosto de 2010

XXII – EM QUE SE TRADUZ A MULTIPLICIDADE DE NOMES DA QUIXOTINNA BRASILEIRA


XXII – EM QUE SE TRADUZ A MULTIPLICIDADE DE NOMES DA QUIXOTINNA BRASILEIRA

NEUZA MACHADO

E Foi Assim, Meu Irmão!
Que Surgiram, Desdobradas,
Mil Marias e Irinéias,
Almandinas e Odisséias,
Recópias das Brasileiras,
Mulheres Tão Verdadeiras,
Heroínas da Nação,
Que se Multiplicam, Altaneiras,
Mulheres Trabalhadeiras
Buscando Ganhar o Pão,
Provedoras, Hospitaleiras,
Dignificando a Nação,
Mas, Sonhando, Aventureiras,
Com Aventuras De Montão
E Carinho, Alvissareiras,
Enquanto Vão, Rotineiras,
Da Casa Para o Empreguinho,
Em Meio às Mil Barulheiras
Que Encontram no Caminho,
Transmutando as Condutoras,
As Conduções Encrenqueiras
De Rodas Transportadoras,
Em Carruagens Fagueiras,
Brilhantes, Mui Sedutoras,
Agradáveis Voadeiras.

Daqui Pra Lá
De Lá Pra Cá.
A Vida Um Grande Caos,
Por Fora, Encantamento,
Mas, Por Dentro,
Um Tormento!,
Querendo em Minas Estar.

Mas, Minas, Já Foi,
Não é Mais,
Ficou Bem longe, Pra Trás,
Agora Já Tanto Não Dói,
Não Doerá! Nunca Mais!,
O Fato de Não Estar Lá.