O MÍTICO-SUBSTANCIAL EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA
NEUZA MACHADO
A objetividade histórica em A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa ― presente na narrativa como estrutura da proposição de realidade ficcional ― foi apreendida por intermédio de dois planos sintagmáticos que se fundem: o sócio-substancial e o mítico-substancial. O sertão desta narrativa compõe-se de matéria épica (ou matéria mítica) em estado bruto (não confundir com gênero épico): é um espaço onde não se distinguem demandas, superstições, misticismos. Ali o sobrenatural faz parte do cotidiano do sertanejo. Este é um remanescente do homem arcaico, portanto possuidor — ainda — de todos os valores que estruturavam as Idades que precederam a Era Moderna.
No primeiro segmento, destaca-se a figura do personagem Nhô Augusto como herói, tanto dentro da perspectiva mítica quanto da histórica. O personagem (neste momento, não penso nele como herói ficcional) atuando nos dois planos conceituais da realidade é o Todo Poderoso que submete o povo a seus desígnios. Mas como a ficção não se enquadra na categoria de épica (narrativa em versos), apenas possui a matéria mítica que garantirá uma interação entre os dois planos, este personagem ficcional do século XX, já revelando a decadência das normas severas do ontem eterno, caminha para uma espetacular desestruturação, característica do modelo romanesco moderno. Entretanto, apreendem-se nela (nesta ficção roseana) elementos que fazem parte da substância épica.
O “herói” Augusto Matraga (apenas nesta primeira fase da narrativa) se movimenta em seu espaço mítico/místico (novena, leilão de santo, procissão, reza, igreja iluminada) possuindo poderes próprios. Ele está tão distanciado de Deus, é tão ruim, que na hora do sofrimento físico e moral, invocando-O, Este não o atende, “nem para um fôlego”.
Neste espaço primitivo se sobrepõe quem é forte. Aos fracos cabe obedecer, pois quando um forte perde seus poderes de liderança é castigado com a morte pelo vencedor.
Outro signo mítico que se encontra presente nesta primeira sequência é o fogo. Este foi considerado, na antiguidade romana, divindade primordial da religião doméstica. Era o elemento sagrado que ardia dia e noite nos lares romanos, protegendo-os das influências negativas do cotidiano. Na Idade Média, torna-se um símbolo purificador. Em sua caça às bruxas, o cristianismo utilizou-o como forma de punição. Assim está presente na narrativa. Enquanto símbolo religioso, o fogo acompanha toda a trajetória do herói até o momento de sua queda. As candeias iluminam o cenário mítico/místico (“lanterninhas e muita luz de azeite”); na hora do sofrimento e prenúncio de morte a preta procurou “um coto de vela benta, para ser posta na mão do homem, na hora do Diga Jesus comigo, irmão...”; ao longo do processo de restabelecimento (do personagem e da narrativa), a preta acendia a candeia e trazia para perto do doente “uma estampa de Nossa Senhora do Rosário, e o terço”. Essa luzinha fazia-o lembrar-se de sua infância, “era o pavio, a tremer, com brilhos bonitos no poço de azeite, contando histórias da infância de Nhô Augusto, histórias mal lembradas, mas todas de bom e bonito final” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). E não há como esquecer que, por intermédio fogo, o herói foi punido. A marca do ferro em brasa irá acompanhá-lo até a morte.
MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6
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