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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ODISSÉIA MARIA - IV

NEUZA MACHADO



ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO


QUARTO CANTO



DEDICATÓRIA



...atravessei o dia e seu perigo na Ponte do Arco da Aliança Entre Mortais e Imortais, agora, posso retomar a minha viagem real; infelizmente, neste minuto-mito do tempo, não verei os navios do Cais de Niterói, não imaginarei bellas incríveis aventuras de marinheiros, olhando de longe o Almirante Guillén; esta minha viagem marítima a bordo de um ônibus velho continua, o anoso veículo enfrenta agora as ruas abandonadas e alagadas do Bairro de Neves Eternas, a poucos minutos de São Gonçalo do Estado do Rio, vai ser difícil chegar na hora certa, o dito cujo é velhíssimo e não consegue atravessar a corrente de lama; seja o que Deus quiser!, óh, Mulher!, mesmo se tivesse de ficar parada aqui até o apocalipse total, esperando as coisas melhorarem no Reino do Ão, neste final de noventa e oito praláde cansadão, prest’atençããão!; talvez os políticos resolvam fazer algumas obras na Cidade, quiçá no Brasil Varonil e arredores; por favor, oradores!, não fiquem só prometendo, cumpram pelo menos a metade das promessas já feitas; por isso agora eu confio no Governador Menininho, Governador do Estado do Rio de Janeiro, no momento, neste anno de 1998, preste atenção! (não sei se vou continuar confiando), confio por ora no Menininho, ao Menininho do Brasil dedico esta minha viagem sonhada, ele é um crente em Jesus e jamais fará algo que desrespeite as Leis do Senhor, pelo menos eu espero tal sorte, neste final de 1998, preste atenção!, anno de 1998, pois não confio na Gerência Atual, e conto com a misericórdia divina para colocar no Planalto Central do Brasil Varonil, nas próximas eleições, alguém carismático e sincero, alguém que se preocupe cada vez mais com o povo, sem lero-lero, alguém que se preocupe realmente com o povo brasileiro e não faça nada de desabonador, lembrando-se sempre, o Confiável Futuro Carismático, antes de tudo, de sua função primordial, o eleito para cuidar da Nossa Casa com carinho e amor (com certeza, se isto acontecer, vou cantar epopéias sinceras em sua homenagem, para o Carismático do Futuro, bem entendido!, preste atenção!, Carismático do Futuro!); o Atual, deste anno da graça de 1998, preste atenção!, eu disse 1998, foi eleito no passado para cuidar da casa e a casa pertence ao povo brasileiro; será que o Atual da República, neste anno de 1998, preste atenção!, 1998, cuida direito de nossa casa, será?, por isso rezo a Deus todos os dias, não é fácil cuidar de uma grande casa cobiçada pelo mundo inteiro!; ele pode se desmazelar; mas, quomodo o cogitado, estamos parados dentro do rio-rua, e penso e repenso e não paro de pensar, nem mesmo Caronte Mitológico das Histórias Antigas enfrentou tantos problemas sociais ao levar as almas gregas afamadas para o Hades Tenebroso, atravessando, com sua barquinha branquinha, tão mítica!, o Rio Lethes das Almas Penadas, ou mesmo quando transportou Dante Alighieri D’Itália em uma viagem pelo Inferno Medieval, numa famigerada famosa Divina Comédia à moda pré-renascentista do século XIV; na verdade, aqui, no momento, o Inferno de Dante se faz presente, há no ar um dantesco calor infernal, o ônibus força os motores num barulho provindo das quentes ardentes profundezas; neste momento, 1998, preste atenção!, lá vai ele, devagarzinho, quase parando, devagar-quase-parando, ainda não pifou, não deu prego, quomodo se diz no Norte e Nordeste do Brasil Varonil; coitadinha da cidade de São Gonçalo!, tão jogadinha e abandonada nesse anno de 1998, servindo de plataforma política para os políticos do Estado do Rio; agora, lá vamos nós!; eu, aqui, no meio do povo sofredor, que está voltando do trabalho estafante, vou agora para o trabalho nosso de cada dia; trabalho de noite e durmo de dia; na hora do meu nascimento fui abençoada, graças a Deus!, desta vez o suplício terminou, ainda não, desta vez o suplício vai terminar, parece que vai terminar, penso que está quase terminando; o orago astrológico do dia garantiu-me uma bellíssima tarde sem problemas, está para existir um oráculo mais fajuto do que este neste final de século XX, o temporal de hoje não está para brincadeiras, não, mesmo assim, confio em minha sorte sagitariana, Vênus Estrelíssima não me vai faltar desta vez, ai dela!, se isto acontecer!, Vênus Madrinha do Trabalho Exemplar e da Saúde Regular e do Amor Estrelar em Capricórnio não me vai faltar, não senhor, eu sou monoteísta com muito fervor, o meu Deus é maior do que Vênus Brilhante e nas horas de aperto só penso em Deus Pai; graças a Deus!, até agora o ônibus não enguiçou, se Deus quiser, não enguiçará; e rom-room-rom-roooom, lááááááá vamos nóóóós!, este trecho de minha viagem não quer acabar; infelizmente o rom-rom-rom foi alarme falso, o ônibus continua parado no centro da lama pegajosa; e que lama terríííível, meu Deus!; há milhares de ônibus à nossa volta e à nossa frente, todos parados, indefesos, no meio da lama e do lixo, impedindo o caminho, num homérico engarrafamento, num colossal e barulhento problema de trânsito, Deus me livre e guarde de tal momento sinistro!; por sorte, a minha mágica e preciosa caneta esferográfica está em minha bolsa, o meu caderno de anotações está na bolsa também; o que não tem remédio, remediado está; só me resta então esperar que os Santos do Céu nos socorram, comandados pelo valente São Brás Eversor de Obstáculos; peço também ao Buda Tibetano de meu Anjo-Guru Amazonense Rochel para secundar os meus santos; todos os aqui invocados desentupindo o caminho repleto de lama; não sei o porquê?, estou agora misturando rezas e crenças praláde milenares e esoterismo e cristianismo; não sei se rezo aos meus santos cristãos ou se faço uma branca bragata ou se recito mantras budistas, aprendidos com o meu Anjo-Guru; vou rezar mesmo é a Salve Rainha Mãe de Jesus; nessas horas do medo, óh, meu Deus dos Hebreus!, a fé das origens é muito mais forte!; o perigo ronda esta tarde sinistra funesta danosa medonha!; confio em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro dos Momentos de Aperto, ela solucionará os imediatos e desastrosos e dolorosos e insolúveis problemas; o ônibus velhíssimo enfrentará a lama e sairá vencedor, sim senhor!; Nossa Senhora da Penha Mais Alta cuidou deste momento terrivelmente tenebricoso e danoso; o ônibus, agora, vai atravessar a Mimética Via Férrea dos Novos Trens Imaginários das Linhas Silenciosas, a Via Férrea Longa Infinita do Bairro das Neves de Niterói e por São Gonçalo do Estado do Rio também, e vai a direção do infinito-sem-fim dos meus sonhos dourados; o ônibus, agora, atravessa a linha divisora, aquela divide o Norte Silencioso das Idéias Ficcionais Geniais do Sul Barulhento da Massa Concreta; e está na hora do Trem Fantasma dos Parques de Diversões de Outrora passar, senhor doutor; nós vamos atravessar sim a linha imaginária do Fantástico Trem dos Meus Sonhos de Infância; eu que nasci e cresci num alto de serra of hinterland, perto do Pontilhão de Ferro que corta o Sertão, uma verdadeira obra-de-arte importada da Bélgica, o Pontilhão da Leopoldina-Princesa e da Velha Maria-Fumaça, a Via Férrea dos meus sonhos de infância dourados, me levando e embalando-me até Lacerdina; mas, agora, o apito estridente do Trem do Bairro das Neves Eternais vai acordar-me; estava sonolenta, dormindo dentro do ônibus velho; o ônibus parado dentro da lama; o barulho infernal das buzinas em volta; Nossa Senhora das Reais Causas Perdidas é poderosa e vai ajudar-me, vou rezar um rosário de lágrimas e risos agradecendo a ajuda, e pedirei por todos os passageiros do ônibus assinalados para uma viagem folhetinesca; darei graças e louvores ao Rei dos Reis dos Cristãos, e acenderei muitas velas em agradecimento fervoroso e repleto de fé; aproveitarei o momento de muita tensão, nessas horas as rezas saem espontâneas e límpidas, e pedirei a Nossa Senhora da Penha Mais Alta permanente proteção, pedirei por todos os desconhecidos do ônibus, por meus pais já falecidos, per meus irmãos vagamundos do mundo rotundo; agora, todos gritam e falam impropérios e reclamam, e os carros buzinam, buzinam, buzinam, o barulho é pior do que o do Inferno de Dante, o calor é mais forte do que o calor das labaredas subterrâneas infernais, neste dia 15 de dezembro de 1998, às 17 horas da tarde, horário de Verão no Brasil Varonil, menos em Manaus Capital do Amazonas, lá o fuso horário sai fora do tempo vital, quando o governo atual decreta o Horário de Verão Econômico e Legal; o horário de lá não acerta com a hora oficial do Brasil Varonil; mas, como ia contando, já estamos parados há uns 179 minutos; este dia ficará eternamente marcado em minha memória sem-fim, este dia ficará marcado para sempre no espaço intermediário de meu Calendário Astrológico da Duração Perpétua, suspenso no tempo do pensamento individual, suspenso entre o antes e o depois, o passado e o futuro, quomodo um dia me disse o meu inesquecível filosófico amor Bachelard, momento inesquecível, quomodo ensinou-me o inesquecível francês, naquelas tardes excitantes dos anos 90, enquanto eu escrevia uma excitante e ambiciosa tese de doutorado; neste momento, praláde tumultuado, saí do patamar da glória intelectual, o meu título suado não vale muito no Brasil, não significa nada no Brasil Varonil, só os doutores não doutores ganham muito dinheiro em minha Terra Explorada, defender tese é em verdade ilusão na Terra do Ão; no entanto, mesmo assim, defendi a minha vontade, a vontade de me tornar uma velha doutora sem eira nem beira; mas, quomodo ia dizendo, o meu título de doutora não significa muito por acá, viajo de ônibus para trabalhar, trabalhar, trabalhar; no meu caso, significa ganhar o pão, receber um salário para pagar as contas, as inúmeras contas e os impostos altíssimos; não há jeito de driblar o Imposto de Renda, o Felino Voraz; não há jeito de diminuir o Imposto Predial e Territorial Urbano, o famigerado IPTU do Brasil Varonil; os inúmeros Impostos impostos me deixam mui louca, os Impostos impostos para solucionarem os problemas do País Varonil, e quem paga sempre é o pobre assalariado, ele não tem nem mesmo sal para temperar a sopa de domingo, coitado!; sou uma pobre doutora de literatura brasileira sem-eira-nem-beira, se hoje não tem, amanhã deusdará, amanhã Deus me dará o emprego com ânsia almejada, almejo trabalhar pertinho de casa, para não enfrentar esses ônibus lotados e as longas distâncias, afinal a PVC está em meus calos; a porra da velhice está quase chegando, e os velhos aposentados morrem nas filas do INSS; se os velhos não trabalham, são vagamundos no Mundo e no Brasil Varonil com seus cem vezes seiscentos desempregados mil, assim pensa a minoria doutora pra lá de privilegiada, endinheirada; entretanto, saí melancolicamente do patamar da glória intelectual, viajo em direção a São Gonçalo do Estado do Rio neste ônibus assinalado, cuja placa é RJ 117 117, vindo da Rua do Passeio, uma rua encantada do Rio de Janeiro, agitada, a Cidade mais linda do Mundo Rotundo, em direção a São Gonçalo Casamenteiro padroeiro das solteironas portuguesas, e o motorista não sabe que o personalizo agora, nestas páginas mágicas de mágicas retortas, a curva mágica do Baco Pastoral, páginas de vidro ou de louça com gargalo recurvo repleto de química rosada, por intermédio de minha caneta mágica e esotérica comprada no Bazar Ilusões de Minas Gerais; nem mesmo o rapaz sentado à esquerda, jovem de óculos de tartaruga brilhantes azuis e usando calça jeans de índigo blue, cujo nome não sei, mas gostaria de perguntar o seu nome, rapaz!; não sei se devo, mas vou perguntar assim mesmo, sentindo as dores mortais da coluna arruinada pelo tempo sem tempo que vem de nortada, a PVC não me deixa em paz sequer um momento; o jovem gentil é estudante da Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro, está no primeiro anno do Curso de Mecânica Futurista, tem 16 anos e se chama Eduardo; Eduardo Primeiro, Rei das Moçoilas, mora em São Gonçalo, no Bairro Paraíso do Canhão da Ágora para ser mais exata; no Paraíso de São Gonçalo, leitor!, existe um canhão de guerra no centro da Praça; Eduardo, o Primeiro, está preocupado com seu venerável papai; Papai Saturnino Severo de Antiga Linhagem Judaica está voltando também do trabalho estafante, viajando também em um ônibus velho, e com certeza estará enfrentando também o engarrafamento colossal sem-igual, talvez agora em cima da Imensurável Incomensurável Estupenda Ponte Rio-Niterói, a Última Grandiosa Maravilha do século XX, mil vezes maior do que o Memorável Colosso de Rodes da Antiga Civilização, neste incerto trajeto da História do Mundo Rotundo; coitadinho do pai de Eduardo Primeiro, meu temporário amiguinho do ônibus assinalado, estará certamente passando por momentos terríveis incríveis também, atravessando a Ponte Dos Que Lutam Para Ganhar A Vida Todos Os Dias, debaixo do fenomenal temporal apocalíptico, e desconhece, coitado!, a aflição de seu filho Eduardo, o Primeiro; graças a Alá dos Antigos Muçulmanos, o filho foi visitar a avó tão velhinha; mas, graças a um Gênio Ruim do Deserto Muçulmano, quando retornou para casa, o Eduardo foi obrigado a conhecer o Inferno de Dante Alighieri D’Itália e Florença; enfim, Alá protegeu o jovem Eduardo, São Brás desentupiu as ruas de São Gonçalo Padroeiro, Santa Bárbara acalmou a fúria da tempestade esquerdista tupiniquim, Santa Luzia dos Cegos Borromeus de Carangola, minha padroeira, guiou o motorista temporariamente sem rumo certo de boa política, e nosotros rompemos os obstáculos gigantescos, três horas dentro daquela caldeira infernal, rompemos todos os obstáculos, graças ao Deus dos Hebreus e também dos Cristãos!; eu, triunfante, Odisséia Maria Guerreira do Século XX Desequilibrado, pude subir as escadarias do Templo do Glorioso Saber sem ter molhado sequer um fio de cabelo; subi as escadarias, assinei o ponto, pratiquei alguns necessários rituais, e fui cumprir a minha obrigação de sofressora, realizar o meu trabalho, senão, como pagar as contas mensais e os impostos impostos e et cœtera e tal?; porsupuesto, tudo isto aconteceu neste memorável 15 de dezembro de 1998, preste atenção!; entretanto, os astros já haviam previsto tais ocorrências; assim predisseram os Imensuráveis Incomensuráveis Magos Adivinhos dos Vaticínios Astrais do século XX; e tudo terminou bem, a Lua estava favorável em Escorpião, Marte Benfazejo Apesar de Brigão em Libra, e Urano Rei Por Um Bom Tempo Tranqüilamente Em Aquário, Urano Esquisito reinará em Aquário ainda por muitos anos, até 30 de dezembro de 2003; além disto, o oráculo do dia intimava-me a fazer meditação para equilibrar o astral, e foi exatamente o que pratiquei durante a travessia tenebricosa tenebrosa horrorosa do Mar de Lethes Fluminense, depois de ter almoçado com meu Anjo Guru Amazonense no Restaurante Vegetariano da Praça Tiradentes; no entanto, a minha caneta esotérica de Madagascar me diz que ando devagar, digo, a divagar, e não conto os contos que deveria contar,

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