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sábado, 7 de novembro de 2009

ODISSÉIA MARIA - XIV

NEUZA MACHADO





ODISSÉIA MARIA

NEUZA MACHADO



DÉCIMO QUARTO CANTO



mas, ora, quem diria?, o Trem Antiquado das Histórias Americanas do Sul Atrasado atravessou o Cruzamento Perigoso do Pensamento Interdito antes do ônibus velho; daqui a pouco subirei novamente a Escadaria Sem-Fim do Templo do Glorioso Saber, ou Casarão do Saber Glorioso, escolha o nome que você quiser, você entendeu, não entendeu?; depois, farei tudo o que foi dito anteriormente; voltarei para casa, para o meu Micro-Casulo de Seda Tijucana Bacana; mas, como eu estava dizendo, enredei-me em minhas próprias palavras aladas; mas, como eu ia dizendo, fui mesmo a Paris?, passeei nas Tulherias?, almocei no Chalet du Grand Bassin?; o meu Anjo-Guru oferecendo-me a Carta com o menu do dia, comprando-a, e o garçon francês, gentilmente, com cortesia, atendeu ao pedido de meu Anjo do Céu; óh grande prova de afeição, meu Anjo!, você adquirindo com alguns francos o cardápio do dia para mim, só para que eu trouxesse mais uma lembrança de Paris, sem gastar o meu dinheirim suadim; e nosotros, solertes, lá no Grand Bassin do Jardin des Tuileries 75001, Paris Esplendorosa, telefone 16.1.42.96.50.56; até me lembro do que comemos; oh manjares divinos!; quomodo entrada, Assiette Charcutière, Assorted Sausages, depois, uma Soupe de Poissons para mim e uma Soupe à l’Oignon Gratinée pra você, por último, uma Salade Brésilienne, a salada não tinha nada de brasileira, mesmo assim, o orgulho de ser brasileira em Paris falou mais alto; uma incrível salada brasileira em Paris; dizem por aí, eles não apreciam os brasileiros!; ledo engano, Seu Pagano!, fui muito bem recebida em Paris; o trajeto de minha viagem é curto, não dá para contar todas as minhas aventuras por lá, vivi momentos inimagináveis; mas, como eu ia dizendo, tudo isto regado a Vinho Francês, saboreando deliciosos Camemberts e Gruyères, vinte francos, a porção; enfim, se come bem em Paris, desde que você tenha francos para gastar, e o meu Anjo estava com a burra cheia de dólares e gastou à vontade e não é sempre que se janta em Paris, principalmente no Grand Bassin do Jardin des Tuileries 75001; fechamos a tarde saboreando um delicioso sorbet, um Coupe Quatre Saisons, sorbet melon, sorbet framboise avec morceaux, cocktail de fruits au sirop e chantilly; depois, continuamos a andar por Paris, a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a Bastilha, nessa ocasião em reforma, toda cheia de andaimes e redes protetoras, a Bastilha de tristes lembranças históricas, a Bastilha do Terror da Revolução Francesa do final do Século XVIII, hoje ponto turístico, enfeite da Cidade Luz, monumento de uma Nação; no meu Rio de Janeiro, na minha Cidade Maravilhosa não há Bastilha, não senhor!; mas, enfim, fui muito bem recebida em Paris, passeei com meu Anjo Budista por todos os recantos da Cidade, até os não-conhecidos, viajando de táxi, ônibus e metrô; o metrô de Paris tão sem charme, o metrô do Rio de Janeiro muito mais bonito, as estações de metrô do Rio são encantadoras e mágicas; o metrô de Lisboa, na hora do rush, é muuuito tumultuado, quase bateram a carteira de dólares do meu Anjo no metrô de Lisboa, mas de Lisboa falarei depois, não vou-masquecer de Lisboa, não senhor!, não vou-masquecer do Porto, não senhor!; falarei de Portugal com carinho e amor, nesta minha Odisséia Maria Solerte Romana; amo o povo português, sim senhor!; ainda voltarei a Lisboa, para rever a rua Augusta e o Palácio em ruínas de Afonso Henriques, o Palácio de São Jorge Guerreiro, depois falarei de Lisboa, falarei da minha fantástica viagem de trem de Paris ao Porto, naquele dia da greve dos ferroviários, em setembro de 1991, treze de setembro, se não me falha a memória, depois falarei da ziguezagueante viagem de trem, daquele estupendo trem alucinante cinematográfico vibrante atravessando o território espanhol; o trem atravessa o Monte Sagrado dos Lendários Espanhóis da Porta do Sol, correndo velozmente cortando as pradarias da Europa dos Bravos Homens Antigos, aquele trem babilônico do deus Akitu, o brilhante, reduto de idiomas variados, babélicos, incríveis, francês, italiano, inglês, lituano, escocês, castelhano, norueguês, moçambicano, japonês, colombiano, português, jamaicano, chinês, mexicano, gaulês, tibetano, javanês, angolano, brasilês carioquês e et cœtera, et cetera etc e tal; ali estava aquele brasilês que falava javanês, esplendorosa criação ficcional do divino Lima Barreto da Pele de Bronze Iluminada Escritor do Brasil Varonil; e tantas línguas diferentes naquele trem surreal; os deuses do Olimpo Americano do Norte estavam ali também disfarçados de simples mortais, a superpopulação americana invadindo a Europa à época do Verão europeu, quomo se fosse a Europa o jardim da América; em cada canto da Europa montinhos de latas de coca-cola, meninos do meu divo Gonçalves, eu vi!, restos de sanduíches americanos, meninos, eu vi!, papeizinhos de chiclete americano, copos de papel de sopas instantâneas americanas jogados ao léu em um canto externo da igreja de Saint-Severin, em Paris, meninos, eu vi!, em setembro de 1991, não s’esqueça das datas!; é fácil acompanhar os passos dos jovens americanos pelo Mundo Rotundo do Século XX Final; Eles (Quem?) não permitem que sujemos suas ruas americanas com nossa presença latina, fazem manifestos contra estrangeiros em seus domínios neste final de Segundo Milênio, vigiam os estrangeiros fagueiros, os ousados visitantes estrangeiros, com cachorros ferozes e uma bélica corporação policial; Eles (Quem?) podem viajar livres pelo Mundo, seu Raimundo; para Eles, o Mundo é uma extensão da América do Norte, o mundo todo tem de falar americano, o inglês americano, quero dizer; Eles devem seu idioma ao povo inglês, assim quomodo nós, brasileiros, devemos o nosso idioma ao povo português; pero, che bella complicatione!, perdona-me chiquito esta miscelânea lingüística!, pardon!, mio bambino!; mas, para Eles, o mundo todo tem de falar americano, tem de falar corretamente o americano, entendeu?, isto é uma questão de poder, meu amor!; ninguém pode estropiar a língua deles, não senhor!; Eles sim podem estropiar as línguas do mundo, os vários idiomas falados no mundo; vou machucar minha língua com um cálice de uísque ou cachaça fervente; nós batemos palmas quando os estrangeiros estropiam o português falado no Brasil, óh! quomo eles falam bem o português!, exclamamos; no entanto, os estrangeiros apenas arranham a nossa língua querida, a língua brasileira-portuguesa, quero dizer, mas batemos palmas assim mesmo; continuamos colonos mentais, quomodo diz o Celso Sociólogo, não somos colonizadores, não valorizamos o nosso idioma tão bello, não valorizamos o trabalhador que pouco estudou, o certo seria valorizarmos a nossa fala tão melodiosa, tão lírica, somos um país de eternos colonos, continuamos deixando o estrangeiro à vontade, eles vêm para cá e não querem voltar, eles vêm para cá e se aclimatam, eles vêm para cá e se tornam tão íntimos, falam mal do Brasil na nossa cara, brasileiro é preguiçoso e et cœtera e tal; brasileiro é ladrão e et cœtera e tal, é bandido, é isso e aquilo, e nós concordamos, meu Deus!; óh! my God! do Mundo Rotundo!, não sabemos revidar a ofensa!; nós concordamos, amém, amém, amém, amém!, somos preguiçosos, amém, e isso e aquilo, amém, eles vêm para cá, amém, e ficam milionários, amém, e nós batemos palmas, amém, para o progresso deles, amém, eles vêm para cá, amém, e abrem padarias, amém, lanchonetes, amém, et cœtera, etc, e nós vamos comendo os pães caros que eles amassam, digo, que os seus preguiçosos empregados brasileiros amassam em troca de um salariozinho de nada, não dá nem para comprar o sal para temperar a sopa rala de domingo; quem amassa os pães caros são os pobres e preguiçosos empregados brasileiros sem substância; e vamos comendo o pão que o diabo amassou, neste final de Segundo Milênio do Brasil Colonizado, o pão que o diabo amassou com o rabo, sempre dizendo amém, amém, amém, amém, cada vez mais pobres e desiludidos, amém, repetindo as mesmas sentenças de sempre, se hoje não tem, amanhã deusdará, deusdará o pão e as vestimentas e tudo o mais que o pequeno salário não puder comprar; no entanto, óh! maravilhoso país o Brasil Varonil!, ninguém quer sair desse paraíso tropical, nem os poucos ricos, nem os muito pobres, ninguém quer sair, neste finalzinho de Século XX, 1999, preste atenção!, dessa homérica pobreza, dessa homérica miséria; lá fora, por ora!, brasileiro não tem vez; entretanto, agora, chegou a minha hora e vez, a hora e vez de Augustina Matraga das Lavouras de Café Milho Arroz e dos Amplos e Magníficos Pastos Para a Engorda de Bois das Minas Gerais, parenta longínqua do ficcional Nhô Augusto Matraga, nascido nas terras longínquas de Minas Gerais, o amigo sincero do meu amor Guimarães; as mulheres, coitadas!, nem sempre têm vez, poucas conseguem um lugar ao sol no Brasil Varonil, sair pelo mundo é uma aventura terrível, tentar a sorte no estrangeiro é uma dolorosa experiência, praláde traumatizante, as mulheres, coitadas!, acabam se prostituindo, muitas prostitutas brasileiras nas ruas de Paris, prostitutas brasileiras em Roma e Milão, prostitutas brasileiras nas ruas de Londres, et cœtera, et cetera, etc e tal; e os homens, coitados!, também labutando, sofrendo a amargura da cruel rejeição; porém, aqui, no Brasil, antes do Anno 2000, o estrangeiro se dá bem, sim senhor!, o estrangeiro no Brasil vai bem; eu também vou bem, obrigada!; obrigado, aqui, é agradecimento, meu Leitor do Terceiro Milênio da Era de Aquárius; meu leitor verdadeiro nascerá no Século XXI; somos tão servis, meu Conterrâneo!; infelizmente, o nosso agradecimento nos revela; obrigados a comer o pão que o diabo amassou, o pão que o diabo amassou com o rabo; saímos sempre por aí a dizer obrigado, obrigado; muito obrigada, meu senhor doutor, por me fazer trabalhar, trabalhar, trabalhar, e cadê ordenado que preste, doutor!, eu trabalho e pouco recebo, você anda em carro de luxo e viaja pela Europa e pelo mundo rotundo; cadê o dinheiro a que tenho direito, doutor!,

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