NEUZA MACHADO
A AURA DO HERÓI SERTANEJO DE ANTIGAS CONTENDAS
NEUZA MACHADO
Recupero agora os dados que remetem à aura do herói de antigas contendas (em A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa): houve um deslocamento de gentes porque a figura imponente do personagem, alteado, peito largo, vestido de luto (a cor negra como símbolo de respeito) se agigantava, diminuindo ainda mais o povo, já por si pequeno na escala social. Nhô Augusto, Zeus sertanejo, pisando pés dos outros, não se incomodando em destruir, varando a frente da massa, se encarando com a Sariema, pondo-lhe o dedo no queixo; assim, a Sariema como uma entre tantas deidades preferidas pelo tonitruante deus “com voz de meio-dia”; o tonitruante que nunca pede, ao contrário, berra, grita, impõe. Um tonitruante deus acostumado a determinar o destino dos mortais; que não oferece o rosto ao povo, mas espera os aplausos, a glorificação.
Entretanto, no momento, o deus sertanejo já não se encontra em um espaço apenas mítico como os deuses da Antiguidade. O mítico agora se amálgama ao místico cristão. Há um leilão de santo, e isto indica que alguma coisa está por acontecer. Se o povo está miticamente encapetado com as atitudes de Nhô Augusto, e sedento por prazeres, como nas festas pagãs, há, por outro lado, o Tião leiloeiro, mensageiro do Deus monoteísta, lembrando àquela multidão o aspecto sagrado do evento: "— Respeito, gente, que o leilão é de santo!..." Maior do que a grandeza de Nhô Augusto é a grandeza do Sagrado.
O narrador, por enquanto diegético e observador, distanciado dos acontecimentos e, por isto mesmo, consciente de todos os detalhes da narrativa, registra a cena, captando todos os ângulos do tumulto que se instaurou após a iniciativa de briga de Nhô Augusto. O narrador está atento ao detalhe, porque sua função, neste primeiro momento, é reproduzir uma narrativa memorialista, continuar uma tradição (como herdeiro do “ontem eterno”), levar aos pósteros as experiências de vida do povo sertanejo. Por estas razões, ele busca em um passado remoto o modelo de seu herói. O sertão tem suas raízes no mítico. O sertão possui matéria mítica ainda em estado primitivo. Apenas o mundo circundante é outro. Não existe mais a verdade dos antigos, e as experiências de vida comunitária foram suplantadas pela degradação do homem moderno.
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