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domingo, 26 de setembro de 2010

O PERSONAGEM DO ONTEM ETERNO PATRIARCAL DO SÉCULO XX NO CAMINHO RELIGIOSO

NEUZA MACHADO


O PERSONAGEM DO ONTEM ETERNO PATRIARCAL DO SÉCULO XX NO CAMINHO RELIGIOSO

NEUZA MACHADO


O personagem Nhô Augusto (A Hora e Vez de Augusto Matraga) continua no caminho religioso porque teme não alcançar o Reino do Céu. No decorrer da narrativa, continua a pagar por suas culpas — as culpas burguesas do narrador do século XX.

“Tenho é que ficar pagando minhas culpas, penando aqui mesmo no sozinho. Já fiz penitência estes anos todos, e não posso ter prejuízo deles. Se eu quisesse esperdiçar essa penitência feita, ficava sem uma coisa e sem outra” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

O homem das comunidades antigas não conheceu o ônus da culpa. O herói ficcional do século XX já não representa as antigas comunidades fechadas. O personagem desta modalidade do ato de narrar ficcional revela seu Criador.

O personagem Nhô Augusto, submetido a um diferenciado “deus que garante tudo”, perseverou no caminho da fé readquirida, mas, depois da intervenção do Tião da Teresa (personagem providencial), que lhe “foi dando as notícias que ninguém tinha pedido”, começou a mudar as suas atitudes. Começou assim uma espécie de retomada do poder primitivo (desejo de retomar as diretrizes políticas do “ontem eterno”), mas de uma forma que não abalasse a sua consciência (ou seja, a consciência burguesa do narrador).

“... pouco a pouco, devagarinho, imperceptível, alguma coisa pegou a querer voltar para ele, a crescer-lhe do fundo para fora, sorrateira como a chegada do tempo das águas, que vinha vindo paralela” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Começou a mudar. Nhô Augusto estava mais alegre, mais brejeiro. Estava mais poderoso.

“Aí, então, tudo estava mesmo muito mudado, e Nhô Augusto, de repente, pensou com a idéia muito fácil, e o corpo muito bom. Quis se assustar, mas se riu:

— Deus está tirando o saco das minhas costas, mãe Quitéria! Agora eu sei que ele está se alembrando de mim...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Retomou os hábitos antigos, que havia rejeitado: a preguiça, o fumo. “Não era pecado... O que ele devia era ficar alegre, sempre alegre” (op. cit); ter alegria não era pecado. Era uma “alegria” nietzscheana.

Consideremos a frase do personagem: “Deus está tirando o saco das minhas costas, mãe Quitéria! Agora eu sei que ele está se alembrando de mim”. Seria este o Deus dogmático que castiga e impõe preceitos de vida ou o “demiurgo” do narrar ficcional? Nas páginas iniciais da narrativa, o narrador do século XX (à moda tradicional) não tivera acesso aos pensamentos de Nhô Augusto, doravante conhecerá todas as gradações psicológicas de sua vida interior.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

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