NEUZA MACHADO

SOCIOLOGIA DO DISCURSO FICCIONAL
NEUZA MACHADO
Neste ponto, utilizei as idéias de Lucien Goldmann sobre a sociologia do romance, articulando-as com a minha propedêutica a respeito do narrador em geral e do narrador roseano de A hora e vez de Augusto Matraga (Guimarães Rosa). De ora em diante um estudo decodificador do assunto irá se sobressair, porque, como diz o título do prefácio de Goldmann, os estudos ali inseridos são uma “Introdução aos problemas de uma sociologia do romance” não desenvolvida. O sociólogo da literatura afirma: “O conjunto (os três primeiros capítulos) é um resumo dos resultados de dois anos de pesquisa sobre a sociologia do romance (...)” (Lucien Goldmann). Em virtude desta afirmativa de Goldmann, fica-me difícil resumir o que já é, em si mesmo, um resumo. Assim cada idéia importa para o reconhecimento do assunto, e não é minha intenção deturpá-lo.
As hipóteses de Goldmann têm como base as análises teórico-marxistas de George Lukács, inseridas em seu A teoria do romance, e as de René Girard, encontradas em Mensonge romantique et verité romanesque. As hipóteses sociológicas de Goldmann partem da idéia de que existe, por um lado, uma homologia entre a estrutura romanesca clássica e a estrutura da troca (permutação) na economia liberal (capitalista) e, por outro lado, existem também certos paralelismos entre suas respectivas evoluções posteriores. Utilizando-me de outras palavras, há uma semelhança entre a estrutura do romance clássico e a estrutura da troca na economia liberal, porque existe a relação entre romance como gênero literário e a estrutura do meio social em que esta forma de narrativa se desenvolveu (a moderna sociedade individualista).
Direcionada pelas teses de Goldmann, construí meu pensamento central a respeito do narrador em geral e do narrador roseano de A hora e vez de Augusto Matraga.
Teoricamente, esta narrativa de Guimarães Rosa não se enquadra no que se concebe por romance ou conto. Minha formação de base semiológica (semiologia literária ― centrada na comunicação ― como parte integrante da História) permite-me aproximá-la dos conceitos de Goldmann, porque observo todas as variantes da ficção moderna (da Era Moderna) por uma mesma denominação, ou seja, simplesmente como narrativas ficcionais.
Goldmann teoriza a partir de Lukács e Girard. Reportando-me a Lukács, detenho-me em uma sua assertiva: “O romance é a epopéia de um mundo sem deuses”. O romance moderno se liga, de certa forma (e o autor nos prova tal ligação), à narrativa épica. Pelo postulado da Teoria Literária o romance moderno jamais será considerado como literatura épica, uma vez que foi e será escrito em prosa, mas Lukács tem razão, porque sempre se visualizará nos textos autenticamente ficcionais a inclusão de matéria épica (não me refiro à forma), incluindo também as matérias lírica e dramática. Em verdade o romance é um autêntico fenômeno da Era Moderna, um gênero criado a partir da narrativa em prosa transmutativa. Mas o raciocínio circular-transmutativo impede que se reneguem as contribuições do passado: não há forma literária nova que não tenha suas raízes nas formas que a precederam, e, segundo minhas próprias deduções, não há crítica literária nova que não se estruture a partir dos pensamentos de críticos precedentes.
Para Georg Lukács:
“Entre epopéia e romance — as duas objetivações da grande literatura épica — a diferença não se deve às intenções íntimas do escritor, mas aos dados histórico-filosóficos que se impõe à sua criação”.
“O romance é a epopéia de um tempo em que a totalidade extensiva da vida não é já dada de maneira imediata, de um tempo para o qual a imanência do sentido à vida se tornou problema, mas que, apesar de tudo, não cessou de aspirar à totalidade”.
Em Goldmann, o romance
“É a história de uma investigação degradada (segundo Lukács: demoníaca), pesquisa de valores autênticos num mundo também degradado, mas em nível diversamente adiantado e de modo diferente”.
Para Goldmann, o romancista moderno, que é de certa forma um cronista de seu tempo, apreende a problemática social que afeta o seu momento histórico. Cabe ao sociólogo separar as várias tonalidades desta realidade que, por sua vez, está degradada pela ótica do Artista literário (cúmplice involuntário, ou voluntário, de um mundo de aparências). O sociólogo se interioriza, investigando, até descobrir o núcleo problemático da obra, na busca de valores autênticos de um mundo onde esses mesmos valores estão também degradados, camuflados, vendo-se na superfície somente valores falsos. Desse modo, sempre será necessário uma investigação consciente para que se descubra a essência desses valores.
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