Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, "Neuza Machado 1", "Neuza Machado 2" e "Neuza Machado - Letras".

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MITOLOGIA DO DISCURSO FICCIONAL: A GRANDEZA DO NOME

NEUZA MACHADO



MITOLOGIA DO DISCURSO FICCIONAL: A GRANDEZA DO NOME

NEUZA MACHADO


O início da narrativa A hora e vez de Augusto Matraga, do escritor mineiro Guimarães Rosa, reenvia-me a um momento histórico de transição superposto e condicionado no espaço do sertão brasileiro do Estado de Minas Gerais: o momento da mudança mítica ocorrida no mundo.

Quando observo conscienciosamente a primeira sequência ficcional, reconheço o personagem Nhô Augusto como a própria personificação de um deus mitológico. Mais precisamente, o visualizo como personificação sertaneja do Zeus Capitolino dos antigos. Vários referentes remetem-me a esta interpretação. Senão, vejamos: “Matraga não é Matraga, não é nada”. Matraga, apelido que me faz pensar em matraca, barulho, trovões, é muito pouco para caracterizar a estirpe genética do herói.

“Matraga é Esteves. Augusto Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô Augusto — o homem — nessa noitinha de novena, num leilão de atrás de igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Matraga é Augusto, filho do Coronel Afonsão Esteves. Augusto: nome que remete à idéia de uma pomposa figura, símbolo dos governantes gregos; marca de respeitabilidade, de veneração; marca dos que vieram ao mundo sob bons presságios. Augusto é o homem. Entretanto, muito mais do que Augusto, filho do Coronel Afonsão — observe-se o aumentativo como marca de realeza —, Augusto Esteves é Nhô Augusto, o Senhor de um espaço sócio-substancial onde a heroicidade de um homem alcança o plano mítico. O personagem é, em princípio (na primeira sequência), a personificação do herói, e o sertão é o espaço antigo desse descendente de Zeus. Pari passu com seu poder de homem público, há nele o poder dos que se mitificam negativamente para impor seus desígnios aos menos favorecidos socialmente.

O personagem Nhô Augusto, no início, em sua majestade:

“E, aí, de repente, houve um deslocamento de gentes, e Nhô Augusto, alteado, peito largo, vestido de luto, pisando pés dos outros e com os braços em tenso, angulando os cotovelos, varou a frente da massa, se encarou com a Sariema, e pôs-lhe o dedo no queixo. Depois, com voz de meio-dia, berrou para o leiloeiro Tião:

— Cinquenta mil réis!...

Ficou de mão na cintura, sem dar rosto ao povo, mas pausando para os aplausos.

— Nhô Augusto! Nhô Augusto!

E insistiu fala mais forte:

— Cinquenta mil-réis, já disse! Dou-lhe uma! Dou-lhe duas – dou-lhe três!...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

Nenhum comentário: