NEUZA MACHADO

A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR
NEUZA MACHADO
Urge quebrar esta monotonia, esta repetição de modelos ficcionais. Faz-se necessário “tomar a vez” do “herói” patriarcal, sair das comunidades políticas fechadas do “ontem eterno”, abandonar a narrativa sintagmática e assumir a narração de uma estória vertical, na qual a desintegração discursiva reflita o mundo caótico de meados do século XX que circunda o espaço fechado do sertão brasileiro e que não se encontra significado pelo narrador. Já não há lugar para a linear unidade narrativa. Quem narra (mesmo tendo suas origens plantadas no sertão de Minas Gerais) já não se identifica com a matéria narrada. Encontra-se agora fragmentado e envolto por inúmeras recordações que se embaralham no mais fundo do eu.
Esta transformação discursiva impõe-me raciocinar sobre a morte simbólica do narrador memorialista e o nascimento do narrador em fase de transição para o pós-moderno. Este “sepulta” a lembrança (matéria memorialista) e faz surgir a recordação (matéria lírica) de um mundo que foi seu leitmotiv de vida — leitmotiv de vida do Artista Ficcional de meados do século XX —, mas que, agora, encontra-se desintegrado (o mundo sertanejo), embaralhado, em suas recordações. Simbolicamente, repito, morre o narrador memorialista e nasce o narrador-personagem, narrador de meados do século XX, o que sabe dos mais íntimos pensamentos daquele que narra.
MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6
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