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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

UM RUMO DIFERENTE PARA O PERSONAGEM

NEUZA MACHADO



UM RUMO DIFERENTE PARA O PERSONAGEM

NEUZA MACHADO


Retomando o fio narrativo de A Hora e Vez de Augusto Matraga (de Guimarães Rosa), verei um personagem novamente em vias de mudança. O narrador diz que Nhô Augusto não percebia os rumos que tomava. Isto, porque o Criador ficcional e sua criatura se estão transformando.

Nhô Augusto começa a sentir saudade da antiga vida, das mulheres. O lado mundano recomeça a latejar em seu sangue. Está mudado, mas não desiste de seu propósito: “— Cada um tem a sua hora, e a minha vez há de chegar!

Esta frase daqui para frente será o único elemento que sustentará o fio narrativo.

Um dia resolve voltar.

Volta sozinho. O líder carismático readquire a pele do poder sócio-político tradicional? Não penso assim. A lógica do Acontecimento (padrão ficcional do século XX) comandará a narrativa roseana de ora em diante. Volta só, porque apenas os verdadeiros carismáticos necessitam de discípulos, e ele, como autêntico herdeiro do “ontem eterno”, já abandonou este revestimento. Volta em um jumento à imitação de Jesus. Ainda possuindo seus dons, pois que os adquirira por mérito; tanto os possuía que todos sentiram a partida. Seu desejo de salvação continua intacto, mas não suporta mais o peso do carisma. “— Qualquer paixão me adiverte!... Oh coisa boa a gente andar solto, sem obrigação nenhuma e bem com Deus!...”

Andar solto, sem obrigação nenhuma”, livre dos limites substanciais e normativos, sob o comando dos imprevistos, do não-conhecido, e, principalmente, de bem com Deus.

Esse novo deus (ficcional) diferente do antigo: depois da partida de seu Joãozinho, observa-se uma crítica do narrador, quando este mostra Nhô Augusto a lamentar não ter aceitado o oferecimento, para, com isto, vingar-se de seus inimigos. Mas, reconhece que se agisse movido pela vingança, “Deus o castigava com mão mais dura”.

“E só então foi que ele soube de que jeito estava pegado à sua penitência, e entendeu que essa história de se navegar com religião, e de querer tirar sua alma da boca do demônio, era a mesma coisa que entrar num brejão, que, para a frente, para trás e para os lados, é sempre dificultoso e atola sempre mais” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Para solucionar o impasse, o narrador recorre à imaginação. Agora (“deus que garante tudo”), já tem acesso à interioridade de sua criatura:

“Á noite, tomou um trago sem ser por regra, o que foi bem bom, porque ele viajou, do acordado para o sono, montado num sonho bonito, no qual havia um Deus valentão, o mais solerte de todos os valentões, assim parecido com seu Joãozinho Bem-Bem, e que o mandava ir brigar, só para lhe experimentar a força, pois que ficava lá em-cima, sem descuido, garantindo tudo” (Op. cit.).

Graças ao sonho, Nhô Augusto entra em contato com um "deus que garante tudo", passa a andar solto e de bem com Deus; entra em reciprocidade com um deus valentão que o mandava brigar só para experimentar-lhe o poder.

O narrador de Guimarães Rosa (narrador de meados do século XX) também está solto, sem obrigação nenhuma e sob as ordens desse "deus-que-garante-tudo".

Mudanças ocorrem no discurso. O narrador incomodado se deixa contagiar pelas minúcias do mundo externo do sertão que estão recolhidas em seu íntimo. Recolhe os fragmentos de suas lembranças, transformando-as em acontecimentos. Há uma superabundância de pensamentos que se entrechocam e se ajustam, e o discurso retórico (característica do literário, segundo Maurice-Jean Lefebve), impõe suas diretrizes.

“De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais abaixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, gargalhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.

E agora os periquitos, os periquitinhos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos tuins de cabecinhas amarelas, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido — rrrl, rrril! rrrl-rrril!...” (Op. cit.).

O insólito da ficção em nível de discurso textual: os fonemas r, i, l agrupados de forma a caracterizarem o alarido dos tuins. Por que a manhã gargalhou com a revoada dos pássaros?

“Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente: — Me espera!... — E o grito tremia e ficava nos ares, para outro escalão, que avançava lá atrás” (Op. cit.).

Os estranhamentos, em nível de discurso, nas transformações sofridas pelo narrador e pelo narrado. Estes se encontram sob as exigências do mágico mundo ficcional e todas as contribuições poéticas serão bem-vindas. A mimésis literária ficcional (mimésis indireta) se sobressai apenas no texto visível. Nhô Augusto é um simples receptor das variações mentais de quem narra. Agora, o discurso é poético, repleto de metáforas, antíteses e estranhamentos. Agora, o narrador faz seu personagem cantar velhas cantigas e encantar-se com a natureza.

Os estranhamentos, o insólito irrompendo do texto:

“E Nhô Augusto pegou a cantar a cantiga, muito velha, do capiau exilado:

“Eu quero ver a moreninha tabaroa,

arregaçada, enchendo o pote na lagoa...”

Cantou, longo tempo. Até que todas as asas saíssem do céu” (Op. cit.).

“Asas” conotando “pássaros”. “Asas” impondo a visualização da grandiosidade do espetáculo do bando de maitacas, maracanãs e tuins voando em direção ao sul, em períodos cíclicos. (Futuramente, ao Sul: ele vai tentar o retorno, mas não conseguirá).

Outro estranhamento. Depois que os pássaros passam, ele raciocina: “Não passam mais... Ô papagaiada vagabunda! Já devem de estar longe daqui...” A seguir, observa-se a perplexidade do narrador, comandando o ato de narrar: “Longe, onde?”, se não há distâncias geográficas no mundo da ficção. Eis o insólito. Há uma intercalação de versos, através do ato de cantar de Nhô Augusto.

“Como corisca, como ronca a trovoada,

No meu sertão, na minha terra abençoada...” (Op. cit.)

O narrador apresentara um bonito dia ensolarado. Novamente, impõe sua perplexidade, diante de uma descoberta que se delineia subjetivamente, ainda incubada: Longe, onde? Intercala outros versos, obrigando o leitor (também incomodado) a perceber um discurso insólito.

“Quero ir namorar com as pequenas,

com as morenas do Norte de Minas...” (Op. cit.)

Como desejar namorar as morenas do Norte de Minas, se ele se encontra no Norte? “Longe, onde”, então?

“Norte” é o símbolo do mundo ficcional. No literário não há fronteiras ("Longe, onde?"), não há distancias temporais, não há imposições linguísticas, não impera a lógica da razão. “Longe, onde?”, se tudo é possível em um mundo de um "deus-que-garante-tudo".

O personagem, agora, é o somatório de todos os heróis, quer sejam humanos ou literários: Jesus, cavaleiro medieval, cavaleiro andante, Quixote, pícaro. Seu retorno é pautado por acontecimentos díspares, poéticos e insólitos. Não há metas a alcançar, não há pressa de se chegar a um determinado sítio. A viagem de Nhô Augusto, de volta ao seu local de origem, é um passeio poético, passeio do narrador, visitando as recordações do sertão misturadas às lembranças de antigas narrativas. Para não se afastar totalmente do mundo da ficção, se vale do burrico, a montaria de Nhô Augusto, deixando a critério do animal os rumos da viagem (da narrativa). A “desorientação verbal” (cf. Benjamin) demonstra a impossibilidade de se desenvolver uma narrativa memorialista em um mundo que já perdeu suas características comunitárias. Assim, Nhô Augusto, solto e de bem com “deus”, sofre um novo imprevisto.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR PARADOXAL

NEUZA MACHADO


A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR PARADOXAL

NEUZA MACHADO


Releio sempre as afirmações de Guimarães Rosa ao crítico Günter Lorenz:

“Não me interessa o dinheiro: venho de um mundo onde ele não adianta muito; lá se necessita de pão, armas, cavalos, e ainda se pratica o comércio da troca” (Guimarães Rosa, ENTREVISTA).

“Comércio de troca” para Guimarães Rosa equivale aos “valores de uso” assinalados por Marx. Seu narrador em A Hora e Vez de Augusto Matraga é paradoxal, porque expressa os próprios paradoxos existenciais do escritor brasileiro de origem sertaneja de meados do século XX.

Por esta ótica, é possível compreender o desejo de poder do major (representante de diretivas burguesas) tentando aniquilar o poderio de Nhô Augusto (herdeiro do “ontem eterno”); a ambição por dinheiro dos bate-paus (“diz pra Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro!”); será possível afirmar que a narrativa capta a transição entre o medieval mundo sertanejo e o moderno mundo burguês capitalista.

“Em meio a plenitude de vida, e através da representação dessa plenitude, o romance dá notícia de quem vive” (Walter Benjamim).

Retomo o já dito:

Penso que, até um determinado momento, o narrador de Guimarães Rosa reproduz a trajetória de vida de alguma figura influente do sertão de Minas Gerais de meados do século XX (ou o personagem Nhô Augusto se materializa como somatório de várias figuras influentes de anteriores momentos político-sertanejos do Brasil), de cuja história o mesmo teve conhecimento por intermédio dos relatos dos antigos. Posteriormente, já nas sequências finais, passa a (re)criar ficcionalmente a trajetória de vida do personagem.

Diz Walter Benjamin: “A experiência que anda de boca em boca é a fonte onde beberam todos os narradores”.

Palavras de Guimarães Rosa:

“Nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias, já no berço recebemos esse dom para toda a vida.

Narrar estórias corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens” (Guimarães Rosa, ENTREVISTA)

Depois da necessária intervenção do personagem Tião, o próprio narrador de meados do século XX não tem mais controle sobre o desenrolar dos acontecimentos. A forma do narrar ficcional se torna diferente, estranha, insólita; apreende-se nela o que Walter Benjamin chama de “desorientação verbal” (= infração, transgressão).


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

terça-feira, 28 de setembro de 2010

UM FICCIONAL PERSONAGEM “AFAMADO” PARA A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR

NEUZA MACHADO


UM FICCIONAL PERSONAGEM “AFAMADO” PARA A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR

NEUZA MACHADO


“O bando desfilou em formação espaçada, o chefe no meio. E o chefe — o mais forte e o mais alto de todos, com um lenço azul enrolado no chapéu de couro, com dentes brancos limados em acume, de olhar dominador e tosse rosnada, mas sorriso bonito e mansinho de moça — era o homem mais afamado dos dois sertões do rio: célebre do Jequitinhonha à Serra das Araras, da beira do Jequitaí à Barra do Verde-Grande, do Rio Gavião até aos Montes-Claros, de Carinhanha até Paracatu, maior do que Antônio Dó ou Indalécio; o arranca-toco, o treme-treme, o come brasa, o pega-à-unha, o fecha-treta, o tira-prosa, o parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-arranca: Seu Joãozinho Bem-Bem” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

O poder de seu Joãozinho Bem-Bem é especial: como já foi observado em sua descrição, irradiava também uma luz carismática (lenço azul, dentes brancos). Mas não carisma religioso. Seu carisma provinha de sua força, destemor, coragem e desapego a bens materiais (carisma guerreiro-ficcional). Brigava e matava, mas só se houvesse motivos. Apadrinhava as brigas dos amigos ou, então, brigava e matava por motivo de política. Seus homens o obedeciam cegamente e, se fosse preciso, morreriam por ele. Costumava dizer: “Gente minha só mata as mortes que eu mando, e morte que eu mando é só morte legal!” (Op. cit).

Como personagem carismático guerreiro, vivia desvencilhado dos laços familiares, não ligava para as mulheres. “E as moças... Para mim não quero nenhuma, que mulher não me enfraquece: as mocinhas são para meus homens!” (Op. cit)

O narrador se vale deste novo personagem para operar as modificações necessárias no plano do discurso. Agora, Nhô Augusto se encontra envolvido por atitudes de vida conflitantes, incertezas quanto ao futuro. O aspecto moral da narrativa memorialista desaparece e o narrador se esforça por ordenar o desarticulado. Os conflitos e incertezas refletem a "desorientação" (Walter Benjamin) do discurso do narrador. Se antes, nas sequências iniciais, as etapas de vida eram previsíveis, agora nem mesmo o narrador do século XX saberá como se dará o desfecho. Ninguém, inclusive o leitor incomodado, saberá prever o que virá a seguir. A partir da chegada de seu Joãozinho Bem-Bem e seu bando, o verdadeiro dono do narrar vai esforçar-se ao máximo para dar sentido às sensações que o incomodam e que acontecem em seu mundo ficcional.

Com a chegada de seu Joãozinho, a tentação voltou a perseguir Nhô Augusto. Seu Joãozinho percebeu que o proprietário da casa não era tão pacífico como demonstrava e começou a tentá-lo para que retornasse às brigas. Nhô Augusto provou novamente as delícias do antigo poder do “ontem eterno”: pegou em arma (pegar em arma e fazer pontaria = desejo de alcançar o poder totalitário), atirou em um pássaro para experimentar a pontaria (para exercitar o seu poder de mando). Logo depois se arrependeu e retomou a rezaria. Ficou triste novamente, acabrunhado. Na hora da partida do bando, seu Joãozinho ainda tenta convencer Nhô Augusto.

“Mano Velho, o senhor gosta de brigar, e entende. Está-se vendo que não viveu sempre aqui, nesta grota, capinando roça e cortando lenha. (...) Quer se amadrinhar com o meu povo? Quer vir junto?

— Ah, não me tenta, que eu não posso, seu Joãozinho Bem-Bem” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

À interferência do jagunço Joãozinho Bem-Bem, Nhô Augusto, enquanto herdeiro do "poder de mando", se percebe conflituado. Seria o antigo poder do “ontem eterno” lhe corroendo a alma? “Era só falar, era só bulir com a boca que seu Joãozinho Bem-Bem e seu bando acabavam com o major Consilva. Mas — qual! — aí era que se perdia mesmo, que Deus o castigava com mão mais dura...

Nhô Augusto se percebe atado à sua antiga penitência. “— Agora que eu principiei e já andei um caminho tão grande, ninguém me faz virar e nem andar de-fasto!

Lukács fala do indivíduo problemático do romance moderno e do mundo que o cerca. Como imaginar Nhô Augusto um personagem conflituado, se se conhece a pureza de seu espaço existencial (o sertão anterior aos dogmas da burguesia)? Ora, personagem e espaço, no sertão roseano, são puros. O narrador de meados do século XX, no momento personagem plenamente atuante, é quem reflete o impuro mundo moderno. Ele perde contato com a pureza primitiva do sertão mineiro, perde contato com as idéias disseminadas pela experiência de um povo ímpar. A aspiração do personagem, de ter “a sua hora e vez”, está problematizada, porque o problemático e solitário é o narrador de meados do século XX. Este é o indivíduo ilhado em um mundo de conformismo e convenção (sem permissão histórica para modificar a realidade que o rodeia). Quem busca valores humanos autênticos e não os encontra? O narrador de meados do século XX. Ele conheceu um imaculado sertão e era também um imaculado ser. Posteriormente, conheceu o mundo burguês e seus valores inautênticos e degradou-se. Buscou novamente a primitiva autenticidade do sertão por meio das lembranças e da memória, mas não conseguiu encontrá-la. Na primeira etapa da narrativa memorialista (não confundir com narrativa de memórias), o narrador do século XX deixa entrever momentos de degradação nos personagens. Suas lembranças se encontram maculadas pela degradação do mundo burguês moderno (capitalista). Afastando-se do sertão, rompe com o primitivo.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O NARRAR PARADIGMÁTICO NA FICÇÃO ROSEANA DE MEADOS DO SÉCULO XX

NEUZA MACHADO



O NARRAR PARADIGMÁTICO NA FICÇÃO ROSEANA DE MEADOS DO SÉCULO XX

NEUZA MACHADO


Aí, então, tudo estava mesmo muito mudado”, porque tudo mudara no plano narrativo. Quebrou-se a monotonia do relatar metódico; instaurou-se o “reinado” do ato de narrar desencontrado (diferente, poético, ilógico). O insólito em Guimarães Rosa encontra-se no grau discursivo.

Para reafirmar sua transformação ficcional, o narrador faz surgir, no momento do impasse ficcional, a figura de seu Joãozinho Bem-Bem e seu bando. “Vinham do Norte”.

Vinham do Norte”. A palavra “Norte” como significante de território estritamente ficcional. O arraial do Tombador, portanto, se apresentando como espaço intermediário entre duas dimensões, consequentemente o local onde se daria o "encontro" dos dois personagens, representantes de planos narrativos diferentes (o Histórico e o Ficcional). Nhô Augusto como herói do plano histórico-substancial foi resgatado pela narrativa memorialista, mas, nas sequências seguintes viu-se caminhando contritamente (e ainda linearmente) em direção à realidade político-substancial do Arraial do Tombador, adquirindo, temporariamente, existência histórico-religiosa, portanto, um personagem ainda movido por forças ideológicas.

Pelo ponto de vista geográfico (e verossímil), a apreciação teórico-reflexiva se processa da mesma maneira: Nhô Augusto, ao se transformar em carismático-religioso, encaminhou-se para o Norte (do sertão de Minas Gerais), juntamente com seus pretos tutelares. Ao correr da narrativa é lícito observar que o narrador apresenta um autêntico personagem de ficção ao caracterizar a figura de seu Joãozinho Bem-Bem. No início (primeiro segmento), quando apresentou a figura de Nhô Augusto, o plenipotenciário do ato de narrar, figurado de narrador tradicional, estava preso à lógica da História (substancial), ou seja, submetido às imposições da memória (submetido ao ato de narrar sintagmático). Ao apresentar a figura de seu Joãozinho Bem-Bem, isto não acontece. O narrador já se libertou.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

domingo, 26 de setembro de 2010

O PERSONAGEM DO ONTEM ETERNO PATRIARCAL DO SÉCULO XX NO CAMINHO RELIGIOSO

NEUZA MACHADO


O PERSONAGEM DO ONTEM ETERNO PATRIARCAL DO SÉCULO XX NO CAMINHO RELIGIOSO

NEUZA MACHADO


O personagem Nhô Augusto (A Hora e Vez de Augusto Matraga) continua no caminho religioso porque teme não alcançar o Reino do Céu. No decorrer da narrativa, continua a pagar por suas culpas — as culpas burguesas do narrador do século XX.

“Tenho é que ficar pagando minhas culpas, penando aqui mesmo no sozinho. Já fiz penitência estes anos todos, e não posso ter prejuízo deles. Se eu quisesse esperdiçar essa penitência feita, ficava sem uma coisa e sem outra” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

O homem das comunidades antigas não conheceu o ônus da culpa. O herói ficcional do século XX já não representa as antigas comunidades fechadas. O personagem desta modalidade do ato de narrar ficcional revela seu Criador.

O personagem Nhô Augusto, submetido a um diferenciado “deus que garante tudo”, perseverou no caminho da fé readquirida, mas, depois da intervenção do Tião da Teresa (personagem providencial), que lhe “foi dando as notícias que ninguém tinha pedido”, começou a mudar as suas atitudes. Começou assim uma espécie de retomada do poder primitivo (desejo de retomar as diretrizes políticas do “ontem eterno”), mas de uma forma que não abalasse a sua consciência (ou seja, a consciência burguesa do narrador).

“... pouco a pouco, devagarinho, imperceptível, alguma coisa pegou a querer voltar para ele, a crescer-lhe do fundo para fora, sorrateira como a chegada do tempo das águas, que vinha vindo paralela” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Começou a mudar. Nhô Augusto estava mais alegre, mais brejeiro. Estava mais poderoso.

“Aí, então, tudo estava mesmo muito mudado, e Nhô Augusto, de repente, pensou com a idéia muito fácil, e o corpo muito bom. Quis se assustar, mas se riu:

— Deus está tirando o saco das minhas costas, mãe Quitéria! Agora eu sei que ele está se alembrando de mim...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Retomou os hábitos antigos, que havia rejeitado: a preguiça, o fumo. “Não era pecado... O que ele devia era ficar alegre, sempre alegre” (op. cit); ter alegria não era pecado. Era uma “alegria” nietzscheana.

Consideremos a frase do personagem: “Deus está tirando o saco das minhas costas, mãe Quitéria! Agora eu sei que ele está se alembrando de mim”. Seria este o Deus dogmático que castiga e impõe preceitos de vida ou o “demiurgo” do narrar ficcional? Nas páginas iniciais da narrativa, o narrador do século XX (à moda tradicional) não tivera acesso aos pensamentos de Nhô Augusto, doravante conhecerá todas as gradações psicológicas de sua vida interior.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR

NEUZA MACHADO



A TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA DO NARRADOR

NEUZA MACHADO


Urge quebrar esta monotonia, esta repetição de modelos ficcionais. Faz-se necessário “tomar a vez” do “herói” patriarcal, sair das comunidades políticas fechadas do “ontem eterno”, abandonar a narrativa sintagmática e assumir a narração de uma estória vertical, na qual a desintegração discursiva reflita o mundo caótico de meados do século XX que circunda o espaço fechado do sertão brasileiro e que não se encontra significado pelo narrador. Já não há lugar para a linear unidade narrativa. Quem narra (mesmo tendo suas origens plantadas no sertão de Minas Gerais) já não se identifica com a matéria narrada. Encontra-se agora fragmentado e envolto por inúmeras recordações que se embaralham no mais fundo do eu.

Aproxima-se o momento da verdadeira “queda” do “herói” à moda medieval — a morte ideológica — e o nascimento do personagem ficcional (ainda como um representante do “ontem eterno” de meados do século XX, que minha afirmação fique bem clara). Aproxima-se o momento da permutação de papéis. Agora, o "herói" é o próprio narrador, semideus com poderes de vida e de morte. O poder de Nhô Augusto é transferido para o narrador moderno de meados do século XX, e o poder do Artista Ficcional também. Agora, o narrador é o autêntico representante do (ainda) mundo burguês, retendo em suas mãos a condução da narrativa. Todo poder é poder de vida e de morte. “A Hora e Vez” de Nhô Augusto Matraga, (um representante do “ontem eterno”) depende do narrador roseano, porque este reflete o poder do Artista ficcional de meados do século XX. O narrador de Guimarães Rosa submete o personagem a seus desígnios. Diz Foucault: Como quando um general manda seus soldados para a guerra. O narrador, a partir de agora, será o único dono de um discurso narrativo que reflete as condições de seu momento histórico. Doravante, apenas o personagem Nhô Augusto (ainda um representante do “ontem eterno”) continuará aparentemente o mesmo (até o momento do fatal desenlace).

Esta transformação discursiva impõe-me raciocinar sobre a morte simbólica do narrador memorialista e o nascimento do narrador em fase de transição para o pós-moderno. Este “sepulta” a lembrança (matéria memorialista) e faz surgir a recordação (matéria lírica) de um mundo que foi seu leitmotiv de vida — leitmotiv de vida do Artista Ficcional de meados do século XX —, mas que, agora, encontra-se desintegrado (o mundo sertanejo), embaralhado, em suas recordações. Simbolicamente, repito, morre o narrador memorialista e nasce o narrador-personagem, narrador de meados do século XX, o que sabe dos mais íntimos pensamentos daquele que narra.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

NOVA TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO



NOVA TRANSFORMAÇÃO DISCURSIVA EM A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA

NEUZA MACHADO


Devo ressaltar a figura de seu Joãozinho Bem-Bem como outro líder carismático no transcorrer narrativo-ficcional de A Hora e Vez de Augusto Matraga. Não um carismático religioso, mas guerreiro. Falarei sobre este personagem mais adiante e o relacionarei à última afirmativa de Weber.

Por ora, observo que já se delineia uma nova transformação na ficção roseana, submetida à transformação discursiva do narrador.

Depois do episódio de Tião da Thereza, o personagem Nhô Augusto, já vivenciando sua fase de transição (do linear para o vertical), recomeçou a pensar no antigo poder e a desprestigiar um pouco seu novo modo de vida.

O poder, de acordo com Foucault, instaura-se a partir de um exercício do próprio poder de mando. Onde há poder, o exercício do poder é acionado. Não há como pensar o Poder simplesmente, é imperioso observar, analisar e reinterpretar os seus sinais e materialização. O poder — o exercício do poder — se realiza sob uma organização em que todos que dispõem dele são peças-chave, desde o guarda civil ao Presidente. Não há como localizá-lo, pois ele é prerrogativa de uma maioria (ou de uma minoria) que o exerce como conduta arbitrária em maior ou menor grau.

O poder carismático não satisfaz ao personagem Augusto Matraga, porque ele socialmente já conhecera o poder arbitrário. O religioso possui poder, mas esse poder se opera em nome de um outro Poder Maior. Daí, a nova transformação de Nhô Augusto (poderoso personagem sertanejo do século XX, que isto fique claro). Daí, o desejo de retomar o antigo prestígio; o desejo de rebelar-se contra as imposições católico-religiosas. Daí, a transformação do narrador roseano, conhecedor das transformações históricas do Poder político de meados do século XX.

“Mas, daí em seguida, ele não guardou mais poder para espantar a tristeza. E, com a tristeza, uma vontade doente de fazer coisas malfeitas, uma vontade sem calor no corpo, só pensada: como que, se bebesse e cigarrasse, e ficasse sem trabalhar nem rezar, haveria de recuperar sua força de homem e seu acerto de outro tempo, junto com a pressa das coisas, como os outros sabiam viver.

Mas, e a vergonheira atrasada? E o castigo? O padre bem que tinha falado:

— Você, em toda a sua vida, não tem feito senão pecados muito graves, e Deus mandou estes sofrimentos só para um pecador ter idéia do que o fogo do inferno é!...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Ainda os preceitos religiosos, o mito do castigo divino sempre renovado através dos tempos.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O PODER DE MANDO DO ONTEM ETERNO (SÉCULO XX) EM CONFRONTO COM O ATUAL PODER POPULAR (INÍCIO DO SÉCULO XXI)

NEUZA MACHADO



O PODER DE MANDO DO ONTEM ETERNO (SÉCULO XX) EM CONFRONTO COM O ATUAL PODER POPULAR (INÍCIO DO SÉCULO XXI)

NEUZA MACHADO


O personagem “herdeiro do ontem eterno” de Guimarães Rosa (em A Hora e Vez de Augusto Matraga), depois da “surra” sofrida, depois da perda do antigo "poder de mando", começa a pensar em uma nova forma de reestruturar-se. A seguir, faz-se necessário defender-se contra o espaço (o mundo com suas fortes ideologias) e os acontecimentos (imprevisíveis), mas o espaço social do século XX, nesta etapa da narrativa, escamoteia tal pretensão, impondo-lhe a substância religiosa que sobrevive sob diversos matizes no sertão.

Cavada pelo pensamento veio à tona a perdida religiosidade que se escondia no passado, plantada na infância pela avó que o criara, agora estimulada pela preta velha Quitéria que lhe salvara a vida. Dogmas religiosos, atitudes de vida, apelos morais, imposições normativas: cercas conceituais limitadoras e frustrantes.

O narrador memorialista recomeça (por enquanto) ainda por via sintagmática.

Repensemos o narrado: No princípio da narrativa (primeira sequência), a representação do poder hierárquico em decadência (o poder do “herói” em decadência). O personagem ― Augusto Matraga ― prestes a perder a “aura” guerreira. A autoridade do “ontem eterno”, na primeira sequência sintagmática, já em vias de extinção em um mundo sertanejo que procurou se conservar comunitário. Com mais justiça, já houve essa ruptura. O espaço comunitário do sertão mineiro (herdeiro de normas medievais aqui “plantadas” no século XVI) resistiu às investidas do progresso moderno (Era Moderna) durante vários séculos, mas no século XX se encontrava nos últimos estágios de decomposição. Fazia-se urgente reerguer-se.

A “queda” sócio-vivencial do personagem Nhô Augusto, no momento da proposta de concepção ficcional (meados do século XX), permitiu ao escritor Guimarães Rosa simbolizar os momentos críticos da vida do brasileiro (sertanejo ou não). Homem de muitos talentos, Guimarães Rosa soube recriar esses momentos em seus incomuns textos ficcionais.

O segundo segmento da narrativa (depois da “queda ribanceira abaixo”), já nos apresentando um Nhô Augusto carismático (ainda do "ontem eterno", bem entendido), propicia-nos repensar a questão das grandes “quedas” sócio-políticas acontecidas no Brasil do século XX: É lícito observar que, depois das grandes desgraças sociais surgem os líderes carismáticos procurando reordenar a desordem (no caso dos líderes carismáticos políticos de meados do século XX, todos tinham suas origens bem plantadas no poderoso “ontem eterno”; ainda estavam presos aos seus sociais nomes ilustres; ainda se portavam como “pais” dos pobres; ainda não eram autênticos líderes representantes da classe dos oprimidos; ainda não eram líderes “irmãos” dos pobres).

Nhô Augusto, enquanto um elevado personagem representante do “ontem eterno” sertanejo, pensa em uma nova forma de preservar o poder pessoal momentaneamente extraviado. Não o antigo (o social), mas um poder que o eleve acima do comum dos mortais, pois o narrador do século XX (um narrador interativo) agora e temporariamente se submete à religiosidade e ao comando da narrativa de espaço (ou seja, aos dogmas ideológico-religiosos do momento histórico do personagem sertanejo)

Um dia o personagem Nhô Augusto (submetido às rápidas transformações ideológicas do século XX) resolveu confessar-se (infiro repensar o poder político da Igreja Católica do século XX). O padre veio, trazido pelos pretos, às escondidas. O novo homem que emergia da carcaça amassada do antigo e sanguinário Senhor-de-terra poderoso necessitava da absolvição de seus pecados, do perdão daquele Deus do qual estivera tão distanciado. O padre o absolveu e garantiu-lhe que Deus não desampara os que se arrependem. Por intermédio do padre, a voz do pensamento religioso católico do século XX impôs seus sacralizados preceitos.

“Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina de sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria... cada um tem a sua hora e vez: você há de ter a sua” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Ora, o carisma significa o “dom da graça”. Somente os privilegiados, os líderes poderosamente dotados de milagres e revelações, feitos heróicos e êxitos no que se propõem a fazer, o possuem. Assim, o personagem sertanejo, de ficção do século XX, que acabara de sofrer uma “morte” sócio-substancial, percebe por intermédio das palavras do padre a sua chance de reestruturar-se (de readquirir uma outra qualidade de poder).

Para este recomeço se necessitava de um “novo” revestimento para o denominado personagem ficcional de meados do século XX, e de um “novo” (diferente) cenário (político-religioso). Por tal motivo, o narrador transporta o cenário para um sítio que Nhô Augusto possuía e nem sequer conhecia, perdido no sertão (sítio = dimensão do poder religioso). Nhô Augusto levou consigo os pretos samaritanos que a ele se apegaram e não o quiseram largar.

“Ao sair, Nhô Augusto se ajoelhou, no meio da estrada, abriu os braços em cruz, e jurou: — Eu vou para o Céu, e vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... Pra o Céu eu vou, nem que seja a porrete!...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Seria o aparecimento do líder carismático oriundo do “ontem eterno”? À imitação de Jesus Cristo, Nhô Augusto sai em peregrinação levando consigo os primeiros apóstolos. Seria Nhô Augusto, um reconhecido personagem “herdeiro do ontem eterno”, personagem ficcional de meados do século XX, realmente o autêntico líder carismático de que nos fala Weber?

Procuremos entender, segundo Weber, o que é carisma:

“1o) Os líderes naturais nas dificuldades foram os portadores de dons específicos do corpo e do espírito, dons esses considerados como sobrenaturais, não acessíveis a todos.

2o) O carisma só conhece a determinação interna e a contenção interna. O seu portador toma a tarefa que lhe é adequada e exige obediência a um séquito em virtude de sua missão.

3o) O carisma vive neste mundo, embora não seja deste mundo.

4o) O carisma, e isto é decisivo, sempre rejeita como indigno qualquer lucro pecuniário que seja metódico e racional. Em geral, o carisma rejeita todo comportamento econômico racional.

5o) Para fazer justiça à sua missão, os portadores do carisma, o mestre bem como seus discípulos e seguidores, devem manter-se distantes das ocupações rotineiras, bem como distantes das obrigações rotineiras de família” (Weber).

Nhô Augusto, se não possuía todos estes pré-requisitos carismáticos, estava no caminho de os adquirir.

“E assim se deu que, lá no povoado do Tombador (...) apareceu, um dia, um homem esquisito, que ninguém podia entender.

Mas todos gostaram dele, porque era meio doido e meio santo; e compreender deixaram para depois”. (A Hora e Vez de Augusto Matraga)

Este trecho remete à primeira afirmativa de Weber, pois se Nhô Augusto era “meio doido e meio santo”, possuía “dons específicos do corpo e do espírito”, dons que, na maioria das vezes, são considerados sobrenaturais.

Na segunda afirmativa, o autor diz que o carisma só conhece a determinação e a contenção interna.

Quando o Tião da Thereza, personagem providencial, passou lá pelo Tombador à procura de trezentas reses e o encontrou, logo foi dando as notícias que ninguém tinha pedido. Nhô Augusto sentiu a ferida se reabrindo, mas se conteve, e pediu ao Tião que esquecesse o encontro e continuasse vendo-o como um homem que já morrera: “Não é mentira muita, porque é a mesma coisa em como se eu tivesse morrido mesmo... Não tem mais nenhum Augusto Esteves das Pindaíbas, Tião...” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Verdade. Este carismático não é Nhô Augusto das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Este poder carismático representa uma outra face poderosa do Brasil incrustado no sertão, representa uma camada do povo sertanejo mineiro "herdeiro do ontem eterno" repleno de experiências e normas religiosas. Representa as oscilações ideológicas do próprio narrador roseano. Representa o oposto do homem-mau ― Augusto Esteves ―, ou seja, o homem-bom, o carismático.

Se há desprezo no olhar do Tião ― personagem da anterior sequência ―, há, por outro lado, a determinação na atitude de Nhô Augusto. “Sim, era melhor rezar mais, trabalhar mais e escorar firme, para alcançar o reino-do-céu” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

O carisma só conhece a determinação interna e a contenção interna” (segunda afirmativa). O “carisma vive neste mundo, embora não seja deste mundo” (terceira afirmativa).

Na quarta assertiva, Weber informa que o carisma rejeita lucros pecuniários. Não restam dúvidas: Nhô Augusto já desenvolvera seu lado carismático.

“Trabalhava que nem um afadigado por dinheiro, mas, no feito, não tinha nenhuma ganância e nem se importava com acrescentes; o que vivia era querendo ajudar os outros. Capinava para si e para os vizinhos do seu fogo, no querer de repartir, dando de amor o que possuísse” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Quanto à última afirmação, que os carismáticos devem manter-se distantes dos laços deste mundo:

“Quem quisesse, porém, durante esse tempo, ter dó de Nhô Augusto, faria grossa bobagem, porque ele não tinha tentações, nada desejava, cansava o corpo no pesado e dava rezas a sua alma”.

“Também não fumava mais, não bebia, não olhava para o bom parecer das mulheres, não falava junto em discussão” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Os dogmas religiosos impuseram, até aqui, atitudes de vida. Encontra-se o narrador preso à exterioridade da narrativa, ao desejo de retratar os fatos retirados da matéria histórica (século XX).

Em breve, o contador de estórias despertará e caminhará sob o domínio do narrador moderno (aquele que faz parte do mundo desordenado do final da Era Moderna já se distanciando historicamente dos valores da medieva ordem do sertão mineiro). Em breve, o Artista ficcional dará uma nova vida aos personagens. Em breve, Nhô Augusto se transformará em personagem ficcional (¹ personagem exemplar) e o narrador passará a centralizar a narrativa.

Repensando a pergunta, depois das informações de Weber: Seria Nhô Augusto, um reconhecido personagem “herdeiro do ontem eterno”, personagem ficcional de meados do século XX, realmente o autêntico líder carismático de que nos fala Weber?

Resposta: Sim. Nhô Augusto representa o carismático oriundo do poder do “ontem eterno” de que nos fala Weber (por isto, ele não se realiza como carismático, sendo eliminado ao final da narrativa).

Historicamente, a seguir, o Carismático do Século XXI, como verdadeiro representante de oitenta por cento do povo brasileiro subjugados ao poder do “ontem eterno” (oriundo também ele desse mesmo povão), faria a sua entrada triunfal no amplo cenário político do Brasil. Max Weber não conheceu este Carismático do século XXI, portanto não pode desenvolver uma teoria sobre esta outra face do carisma (não mais guerreiro, não mais religioso).

Penso em um nome para o carisma deste diferenciado Líder Popular Brasileiro desses anos iniciais do Terceiro Milênio (um vitorioso sem diploma universitário, detestado pela pequena elite do “ontem eterno” e pelos representantes legais do catolicismo): poderia esta teórica literária tupiniquim, evidentemente com o aceite de seus pares, designá-lo como “Carismático Pós-Moderno”?


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A AUTORIDADE DO DOM SOBRENATURAL

NEUZA MACHADO



A AUTORIDADE DO DOM SOBRENATURAL

NEUZA MACHADO


Esta segunda fase/face do personagem Nhô Augusto (Guimarães Rosa, A Hora e Vez de Augusto Matraga) se assimila, sob diretrizes weberianas, à "autoridade do dom da graça" (um personagem oriundo do "ontem eterno" agora benevolente (com os sertanejos mais necessitados), amigo, repleto de dons advindos de uma dimensão suprafísica).

"Por sorte, um preto que morava na boca do brejo viu quando o corpo de Nhô Augusto caiu precipício abaixo, e viu também quando os capangas do major se afastaram. O preto e sua mulher encontraram vida no corpo maltratado e procuraram fazê-lo recuperar-se.

No princípio, nos raros momentos de lucidez, pedia que o matassem; mas, aos poucos, quis viver. Enquanto se recuperava podia pensar."

Sobretudo, pensar. Não é pelo pensamento que o homem reencontra seus poderes perdidos? O homem que pensa, possui poder. Observem os intelectuais. Pensar é o início do poder. Pensar e saber.

O personagem começa a pensar em uma nova forma de reestruturar-se. A seguir, faz-se necessário defender-se contra o espaço (o mundo com suas fortes ideologias) e os acontecimentos (imprevisíveis), mas o espaço social de meados do século XX, nesta etapa da narrativa, escamoteia tal pretensão, impondo-lhe a substância religiosa que sobrevive sob diversos matizes no sertão.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A AUTORIDADE DO DOM DA GRAÇA

NEUZA MACHADO


A AUTORIDADE DO DOM DA GRAÇA

NEUZA MACHADO


O narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga, depois da “surra” aplicada pelos “bate-paus” em seu herói-personagem, abandona a proposição de narrativa centralizada no mítico (herói) e concentra na substância carismática (também poderosa) a tentativa de reestruturação do personagem. A face carismática de Nhô Augusto começa a se delinear a partir de seus padecimentos físicos e morais.

O narrador, ainda sintagmático, deseja “aconselhar”, passar adiante as experiências comunitárias do sertão. Por enquanto, ainda não “tomou a vez” dentro da estória narrada.

A face carismática de Nhô Augusto começa a delinear-se por intermédio desse desejo do moderno narrador sertanejo do século XX de reestruturá-la, e, ao mesmo tempo, reestruturar-se. Ele se encontra ainda no plano diegético e vale-se de forças substanciais, no caso substância religiosa, para dar continuidade à narrativa. Há ainda o fio narrativo linear estruturando o sentido do ato de narrar exemplos de vida de pequenos grupos religiosos do sertão mineiro. Por esta perspectiva sintagmática se vê envolvido pelos dogmas religiosos que compõem o espaço comunitário de seu sertão de origem, e, por sua vez, “toma” o partido de seu futuro personagem ficcional, representante, no momento, de uma face exemplar de sua vida. Percebo neste narrador, especificamente, aquele que conhece um determinado espaço, onde as experiências de guerra entre pequenas comunidades sertanejas e as parábolas moralistas são passadas de geração a geração. A “queda” (inevitável) e a tentativa de reestruturação (transformação) simbolizam as necessárias alterações substanciais do Mundo.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

domingo, 19 de setembro de 2010

A DESTRONIZAÇÃO DO ONTEM ETERNO

NEUZA MACHADO



A DESTRONIZAÇÃO DO "ONTEM ETERNO"

NEUZA MACHADO


“Quando chega o dia da casa cair — que, com ou sem terremoto, é um dia de chegada infalível — o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora! E é a só coisa que um qualquer-um está no poder de fazer. Mesmo estando de dentro, mais vale todo vestido e perto da rua. Mas, Nhô Augusto, não: estava deitado na cama — o pior lugar que há, para se receber uma surpresa má” (Guimarães Rosa, A Hora e Vez de Augusto Matraga)

Reavaliando o que foi afirmado anteriormente (sobre a narrativa ficcional A Hora e Vez de Augusto Matraga, de autoria do escritor mineiro Guimarães Rosa):

Teríamos neste trecho a imagem de um momento de transição do Brasil? No espaço sócio-substancial do sertão de Minas Gerais várias etapas do Brasil Agrário se sobrepõem alheias à ação do tempo. Este trecho, significante de mudança narrativa, representa os “valores de uso” (a submissão primitiva do povo a um Senhor-de-terra) estando em vias de sofrer uma profunda transformação; ao mesmo tempo representa os “valores de troca” mediatizados pelo dinheiro, valores estes que comandam o mundo burguês.

É interessante observar os motivos da debandada dos "bate-paus". Se, enquanto possuiu recursos e meios para ser um homem poderoso Nhô Augusto mandava e desmandava em seus subordinados (a arraia-miúda do Brasil do século XX), agora que se encontrava pobre não necessitava mais ser obedecido. Um outro poder — contra-poder — estava a caminho e os "bate-paus" aceitaram mudar de comando.

Aqui entra um problema sério: o das classes sociais.

Na definição de Weber, hoje considerada reacionária (mas que diz a verdade sobre o ficcional), as classes sociais

“(...) não são comunidades; representam simplesmente bases possíveis, e freqüentes, de ação comunal. Podemos falar de uma classe quando: 1) certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob as condições de mercado de produto ou mercado de trabalho” (Max Weber).

Quando Nhô Augusto mandou o Quim Recadeiro chamar os “bate-paus” (seus subordinados), ainda não sabia que o major Consilva os “comprara” com uma melhor oferta de pagamento. Esquecera-se que andava mal de vida e que há muito tempo já não pagava o ordenado de seus homens de confiança. A obediência perde o sentido quando o homem perde o poder.

Vejamos o trecho:

“Dali a pouco, porém, tornava o Quim, com nova desolação: os bate-paus não vinham... Não queriam ficar mais com Nhô Augusto... O major Consilva tinha ajustado, um e mais um, os quatro, para seus capangas, pagando bem. Não vinham mesmo. O mais merecido, o cabeça, até mandara dizer, faltando ao respeito:

— Fala com Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro!... pra ele pagar o que está nos devendo... E é mandar por portador calado, que nós não podemos escutar prosa de outro, que seu major disse que não quer” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).

Eis aqui a inevitável “dinâmica do poder” com suas competições e pretensões assinaladas por Max Weber e já mencionadas anteriormente.

Para o narrador roseano de meados do século XX o major Consilva (uma outra face permanente do poder patriarcal) representa a certeza de que o sertão, enquanto espaço exterior aos conflitos do mundo, com suas superposições sociais e temporais ímpares, permanecerá intocável resistindo às investidas degradantes da sociedade moderna. Enquanto esse espaço exterior for captado por um olhar solitário e reconhecido como espaço sócio-substancial onde se ancora a tradição de um povo, este mesmo narrador sertanejo do século XX terá a certeza de que seu mundo de origem não se extinguiu. Apenas, em termos de narrativa, esse espaço ficará para trás, encubado como certas plantas que “dormem” sob a terra, retornando à vida de tempos em tempos.

As etapas de vida do personagem, as etapas de discurso-vida do narrador, as etapas do mundo burguês sertanejo em aceleradas transformações necessitam ser significadas. Todos os envolvidos na narrativa (inclusive o major Consilva e o próprio narrador), não apenas Nhô Augusto, sentem o momento da perda de poder, percebem o momento da perda de valores arraigados, pressentem as mudanças existenciais.

O significante nuclear desse momento no âmbito da ficção é a “surra” aplicada no personagem. Nhô Augusto apanhou e todos apanharam: o narrador, a sociedade burguesa sertaneja, o leitor, que também compactuou e se apoderou da matéria do narrador e do infortúnio do personagem como se fosse sua desgraça que estivesse sendo narrada. Assim, um personagem representante da burguesia; um narrador burguês do século XX; um leitor burguês do século XX; todos sentindo a vingança do mais fraco (dos "bate-paus" que bateram para valer), naquele momento de meados do século XX uma vingança temporária, mediatizada por outro poder (o poder do Major Consilva, um poder secular ainda patriarcal), para desforrarar-se de quem o ofendeu.

Nhô Augusto apanhou de seus próprios "bate-paus" de confiança, assessorados pelo capiauzinho apaixonado de Sariema (o capiauzinho empregado do major Consilva). Foi marcado como rês; não teve tempo de se vingar do abandono da Dionóra. Nhô Augusto fora à chácara do major confiando em seu anterior poder de mando e se esquecera que esse poder residia exatamente naqueles quatro "bate-paus" desmerecidos por ele, os quais agora obedeciam ao poder do major Consilva. Era a hora do início da vingança do mais fraco.

Assim o sertanejo “sem-terra” (sem o poder de mando imediato) descendente por via histórica de algum grande senhor do sertão brasileiro. Sabe-se vinculado pelo nome ― que traz como uma marca ― a uma dinastia de desbravadores de terra (com nomes ilustres), mas se pergunta por que estas “terras” (o poder de mando imediato) já não são suas? Estas “terras” (a novidade que transforma) agora pertencem a famílias que outrora foram subordinadas de seus antepassados. Algum “Nhô Augusto Matraga” imprudente perdeu-as (jogando, trapaceando, impondo-se deslealmente, ridicularizando os seus próprios bate-paus).


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6

sábado, 18 de setembro de 2010

A HERANÇA DO ONTEM ETERNO

NEUZA MACHADO


A HERANÇA DO ONTEM ETERNO

NEUZA MACHADO


Continuando a repensar a questão da “autoridade do ontem eterno”, na narrativa ficcional A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa ― apropriando-me de algumas assertivas de Max Weber ―, posso inferir que Nhô Augusto herdou um pequeno Império (representação do “ontem eterno”) e, durante algum tempo, nele reinou. Enquanto existiu a sua autoridade, foi o personagem a representação do poder patriarcal de Hegemônica Medieval Era. Observo isto pela sua atitude superior ao arrematar, no leilão, a Sariema, aquela que era muito amada pelo capiauzinho “enamorado”, capanga do major Consilva.

O povo (ainda submisso às leis patriarcais) evidentemente aplaudiu e glorificou a atitude do Poderoso Nhô Augusto.

O poder e prestígio do personagem, até ali, continuavam inalterados. Mas, havia um outro personagem ambicionando sua posição privilegiada e procurando as brechas para derrubá-lo: o major Consilva, “velho” inimigo da família Esteves.

Recorde o Leitor a resposta de Nhô Augusto, quando o Quim Recadeiro retornou dizendo que o major havia “comprado” os bate-paus: “Major de borra! Só de pique, porque era inimigo do meu pai” (A Hora e Vez de Augusto Matraga)

O major procurou e encontrou um meio de desmoralizá-lo. Sinal de que o dito poder não estava bem edificado e ameaçava ruir: mulheres, pancadarias, jogos, dívidas; tudo isto proporcionava a sua decadência.

O poder social do personagem se encontrava ameaçado por um inimigo mais perigoso que o major Consilva: o contra-poder econômico da decadência do sertão. Ora, se aquele Senhor poderoso e um chefe comunitário respeitado estava prestes a perder tudo o que possuía (família, terras), era natural que outro reivindicasse sua glória e prestígio.

O narrador roseano em princípio impõe-se e impõe-nos visualizar a figura imponente de Nhô Augusto, mas logo depois do leilão mostra que ele está a poucos passos da decadência.

As sucessivas transformações, ao longo da análise esclarecedora, são significantes dos vários estágios de vida estacionados no espaço do sertão, sobrepondo-se infinitamente, imunes à ação do tempo.

O narrador ficcional do século XX conseguiu apreender essas sutilezas, subjacentes em um espaço onde as Idades do Mundo se confundem e se completam. O narrador interativo do século XX apreendeu as várias etapas do tempo, entrelaçando-se e rejeitando-se, mas prestes a se anularem, graças à fragmentação do mundo moderno. Etapas de tempo que se sobrepuseram, se eternizaram e se eternizarão, enquanto houver um relator que as conte por intermédio da memória ― ou através da recordação ― e um ouvinte que compactue com seu ato de narrar.

A queda do personagem e suas etapas de vida representam as transformações de uma determinada burguesia que se acomodou nos pequenos vilarejos do sertão de Minas Gerais. Já não há Senhores-de-terra poderosos, mas as grandes famílias que comandavam politicamente essas localidades ainda permanecem dominando, engajadas em partidos políticos e alardeando suas origens. Os atos de heroísmo ou covardia são fatos do passado e quase não há narradores para relembrá-los.

Por este prisma confirmo que, nesta narrativa especialmente, o narrador de Guimarães Rosa apresenta o momento de crise vivido por seu personagem Nhô Augusto, um “herdeiro do ontem eterno” brasileiro, em acordo com a crise sócio-econômica que ocorreu no Brasil do século passado, principalmente na sociedade agrária sertaneja a partir dos anos trinta do século XX. O inevitável impasse, as mudanças existenciais do personagem e a própria transformação discursiva do narrador roseano representaram e representam, inclusive, a mudança de poder político; ainda: o contra-poder se transformando em poder de fato.

“Quando chega o dia da casa cair — que, com ou sem terremoto, é um dia de chegada infalível — o dono pode estar: de dentro, ou de fora. É melhor de fora! E é a só coisa que um qualquer-um está no poder de fazer. Mesmo estando de dentro, mais vale todo vestido e perto da rua. Mas, Nhô Augusto, não: estava deitado na cama — o pior lugar que há, para se receber uma surpresa má” (A Hora e Vez de Augusto Matraga)

O major, personificação do contra-poder que aspira ao poder, em A Hora e Vez de Augusto Matraga, narrativa ficcional escrita por Guimarães Rosa em meados do século XX, “compra” os capangas de Nhô Augusto. O poder do herói sertanejo do século XX, enquanto um herdeiro do “ontem eterno”, ruíra.


MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez: Sobre A Hora e Vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: NMachado, 2006 – ISBN 85-904306-2-6